• Nenhum resultado encontrado

1 A ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO COMO UMA CORRENTE DA PRAGMÁTICA

1.3. Domínios teóricos da Pragmática

1.3.1. A teoria dos atos de fala

De acordo com as contribuições teóricas de Armengaud (2006), os atos de fala aparecem porque a linguagem não serve apenas para representar o mundo, mas para permitir a realização de ações; o contexto significa o que é preciso para entender o que é dito, constituído pelo momento situacional quando os atos de fala são emitidos, pelo lugar, tempo e, principalmente, pela identidade dos interactantes; o desempenho volta-se para a realização do ato em seu contexto, contribuindo para atualizar o saber dos falantes e para integrar o exercício da linguagem a uma noção significativa, denominada competência comunicativa10.

10

Entende-se a competência comunicativa como a “capacidade do usuário de empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação” (TRAVAGLIA, 1996, p. 1). Essa competência implica a existência de outras: a gramatical e a textual. A primeira refere-se ao fato de o usuário da língua ser capaz de gerar sequências dotadas de gramaticalidade; a

Conforme Tavares (2007), para que se tenha uma compreensão mais profunda do comportamento da linguagem humana, surge a corrente Pragmática como campo de pesquisa, uma vez que permite observar a língua em uso e compreendê-la, mesmo quando em situações do dia a dia, onde, muitas vezes, as condições de uso da língua fogem do convencional.

Por ser um dos principais conceitos da Pragmática, juntamente com as máximas conversacionais, as implicaturas conversacionais, os pressupostos e os subentendidos, faz-se necessário traçar um breve esboço sobre a teoria dos atos de fala, originada pelas ideias do filósofo inglês Austin, que foram apresentadas no livro How to do things with words (1962), com a seguinte tradução para o português: Quando dizer é fazer: palavras e ações (1990). Ao tecer comentários sobre esse tópico, Levinson (2006) já afirma que essa teoria foi a que suscitou um interesse mais significativo, dentro dos estudos do uso linguístico.

Várias áreas se interessaram em entender a teoria dos atos de fala, dentre elas encontram-se a Psicologia, a Critica Literária, a Antropologia, a Filosofia, a Linguística, entre outras. Nesse último campo, o interesse se justifica pela aplicação da teoria dos atos de fala aos problemas na sintaxe, na semântica, na aprendizagem de segundas línguas. Visto o enorme interesse pela teoria, encontra-se um número considerável de publicações sobre a temática. Para este trabalho, examinaram-se as contribuições teóricas de Pinto (2006), Paveau e Sarfati (2006), Tavares (2007), Armengaud (2006), Wilson (2008), Koch (2006), Kerbrat-Orecchioni (2005) e Austin (1990).

Austin (1990), na teoria dos atos de fala, propõe a linguagem como uma atividade que é construída pelos interlocutores, não sendo possível discuti-la sem considerar o fato de que, ao estar falando, o interlocutor também está fazendo algo, ou seja, “a linguagem não é [...] descrição do mundo, mas ação” (PINTO, 2006, p. 57). Seguindo os comentários de Kerbrat-Orecchioni (2005, p. 33), encontra-se o seguinte princípio geral da teoria dos atos de fala: “todos os enunciados possuem intrinsecamente um valor de ato [...]. Todo enunciado é assim dotado de uma carga pragmática, seja ela mais ou menos forte e evidente de acordo com o caso, mas sempre presente”. Nessa segunda, ao de produzir e compreender textos, que sejam bem formados, em específicas situações comunicativas.

perspectiva, quando o interlocutor fala, não está apenas fazendo declarações, mas também está agindo, ordenando, perguntando, desculpando-se, lamentando, rogando, julgando, reclamando, gesticulando, expressando-se facialmente, dentre outras ações verbais e não verbais.

Tecendo comentários sobre a teoria dos atos de fala, Armengaud (2006, p. 99) afirma que “o ponto de partida da teoria clássica dos atos de fala é a convicção seguinte: a unidade mínima de comunicação humana não é nem a frase nem qualquer outra expressão. É a realização [...] de alguns tipos de ato”. Essa teoria tenta analisar quais atos os interlocutores realizam através da linguagem, examinando dados correntes (linguagem ordinária) como fonte de observação dos fenômenos linguísticos. Nesse tocante, aponta-se também a existência das entonações, dos gestos, das posturas, das expressões faciais como condições que permitam a detecção da “verdadeira força do ato produzido” (KOCH, 2006, p. 19).

Dessa forma, a não observância desses fenômenos não verbais pode representar uma leitura que não condiga com a força ilocucionária pretendida pelo interlocutor. A força ilocucionária corresponde “ao componente que permite ao enunciado funcionar como um ato particular”, visando a “produzir um certo efeito e a implicar uma certa modificação da situação interlocutiva”, sendo essa força aplicada “ao conteúdo proposicional do enunciado” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2005, pp. 27-28). A dimensão da força ilocucionária está relacionada diretamente com as interações sociais que se estabelecem entre os interlocutores, podendo apresentar relações de autoridade, cooperação, convencimento, além de outras.

Tomem-se como exemplos de força ilocucionária os enunciados retirados da referida autora: 1) João fuma muito; 2) João fuma muito?; 3) Fume muito, João! e 4) Queira Deus que João fume muito! Percebe-se que esses enunciados apresentam o mesmo conteúdo proposicional, caracterizado pelo predicado “fumar muito”. Entretanto, eles se opõem pela presença de diferentes forças ilocucionárias, funcionando, respectivamente, como asserção, pergunta, ordem e desejo.

Referindo-se ao tema da força ilocucionária, Austin (1990, p. 123) procede ao levantamento de uma proposta de inventário de classificação dos diferentes valores ilocucionários que uma enunciação qualquer pode receber.

Nesse sentido, encontram-se cinco grandes classes: os vereditivos, os exercitivos, os comissivos, os comportamentais e os expositivos.

Os primeiros, os vereditivos, pertencem ao campo judiciário, caracterizando-se “por dar um veredito [...] por um corpo de jurados, por um árbitro, ou por um desempatador” (AUSTIN, 1990, p. 123), como, por exemplo: declarar inocente ou culpado ou, decretar. Os segundos, os exercitivos, consistem no “exercício de poderes, direitos e influências”, formulando um julgamento, como ordenar, perdoar, designar, aconselhar e avisar.

Os terceiros, os comissivos, são caracterizados por comprometer o locutor por adotar certa conduta, como prometer, garantir, jurar. Os quartos, os comportamentais, expressam atitudes do locutor diante da conduta de alguém, tendo relação com o comportamento social, exemplificados por agradecer, criticar, maldizer, saudar e desculpar-se. Os últimos, os expositivos, são usados para expor uma ideia, conduzindo uma argumentação no curso de uma conversa, servindo também para esclarecer o emprego de termos.

Observando que o sentido de uma proposição pode mudar, dependendo da maneira como é usada pelo falante, e investigando que determinadas sentenças são, na verdade, ações, Austin (1990) aponta que, à medida que o interlocutor profere algo, ele também está, simultaneamente, realizando uma ação. O que vai determinar o sentido das palavras utilizadas pelos interactantes nas diversas interações linguísticas é o uso e, para que os sentidos desses enunciados possam ser investigados, necessário se faz observar os diferentes tipos de atos de fala.

Ao defender que a linguagem deve ser tratada essencialmente como uma função de agir, e não de representação da realidade, Austin (1990) mostrou que a Linguística apresentava uma visão puramente descritiva, razão por que apontou dois tipos diferentes de afirmação para fundamentar sua defesa da teoria dos atos de fala. O autor afirma que as línguas naturais são organizadas em torno de uma diferenciação funcional entre dois tipos de enunciados: “os enunciados constativos que descrevem um estado de coisas e os enunciados perfomativos, que permitem realizar um certo tipo de ação” (PAVEAU e SARFATI, 2006, p. 218).

Para a explicação dos enunciados performativos, Austin (1990) toma como definição a ideia de que esses atos, ao se realizarem, praticam ações,

inicialmente, colocado o verbo na primeira pessoa do singular do presente do indicativo da voz ativa, na forma afirmativa. Nesse sentido, para que um performativo preencha os requisitos de ação, é preciso que, ao ser enunciado, em certas circunstâncias, resulte em determinado efeito e seja executado não somente de maneira correta, mas também integralmente pelos participantes do ato linguístico.

Aparecem também os performativos que se realizam de maneira diferente, a exemplo de se enunciar: proibido fumar, em que o performativo da proibição aparece sem que seja utilizada a forma característica: proíbo. Nesse sentido, “poder-se-ia então pensar que o modo, o tempo e a pessoa não bastam para saber se um performativo existe...”, mas palavra como proibido, dentre outras, será necessária a fim de que esse performativo seja realizado. Há, pois, performativos explícitos ou puros (os verbos estão na forma já indicada) e implícitos (verbos não estão na pessoa, no tempo, no modo e na voz já mencionados).

No exemplo a seguir, qual seja: “Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (PINTO, 2006, p. 58), tem-se um enunciado performativo, já que realiza uma ação enquanto é proferido. “Somente proferindo ‘Eu te batizo’ é que o padre pode batizar alguém, e isso é o que caracteriza a performatividade”. Austin (1990, p. 24) vai justificar esse tipo de proferimento performativo, apontando que o falante, ao usá-lo nas circunstâncias apropriadas, evidentemente, não descreve o ato que estaria praticando ao dizer o que disse, nem declara o que se está praticando, ele o faz. Em enunciado do tipo “A mosca caiu na sopa”, percebe-se que não há uma ação praticada; pelo contrário, a ação da mosca de cair na sopa já aconteceu e, possivelmente por isso, há o enunciado.

Para Austin (1990), dizer algo equivale à execução de três atos. Para caracterizar o dizer, o autor leva em consideração os elementos que fazem parte da formação de uma locução:

... as sonoridades, depois as sonoridades significantes de acordo com a gramática do idioma considerado (frases dotadas de um sentido), enfim o relacionamento dessas frases e de um referente (o que faz com cada uma das frases seja um enunciado dotado de significação) (PAVEAU e SARFATI, 2006, p. 221).

Nessa perspectiva, Austin propõe a hipótese de que “um ato de fala é um processo complexo que se compõe de três atos estreitamente intrincados” (PAVEAU e SARFATI, 2006, p. 221). Esses atos são exemplificados pelos locucionários, que consistem em um ato de referência, aqueles que dizem algo; pelos ilocucionários, que mostram aquilo o que se está fazendo, refletindo a posição do interlocutor com relação ao que ele diz; e pelos perlocucionários, realizados pelo fato de dizer aquilo que é dito, produzindo efeitos e consequências sobre os interlocutores, sobre o próprio falante ou sobre outras pessoas. É possível resumir esses três atos, recorrendo-se às palavras de Austin (1990, p. 90): “podemos distinguir o ato locucionário ‘ele disse que...’ do ato ilocucionário ‘ele argumentou que...’ e do ato perlocucionário ‘ele me convenceu que...’”.

Para um melhor entendimento desses atos, veja-se um momento interativo retirado do corpus11 desta pesquisa, publicado em Oliveira e Santos (2009) e ampliado nesta análise:

MOMENTO INTERATIVO 112