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A legalidade, a anterioridade e a irretroatividade como corolários da segurança

2.3 A ESPECIFICAÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA NA INSTITUIÇÃO DOS

2.3.3 A legalidade, a anterioridade e a irretroatividade como corolários da segurança

As considerações acima de caráter sistêmico não são as únicas que permitem a conclusão de que a segurança jurídica é existente de forma específica no Direito Tributário. Somente ocorre que estas considerações apresentam fundamentos suficientes para determinar que seja a segurança jurídica especificamente aplicada.

Com vistas a corroborar que a segurança jurídica se manifesta no Direito Tributário é necessário determinar quando tal fenômeno ocorreu. Esta tarefa é complexa ao se considerar que a segurança jurídica carece de um enunciado explícito na Constituição Federal que a especifique, quanto mais em relação à instituição dos tributos.221

Desta situação de ausência de enunciado, advém a necessidade de operar-se a construção do princípio da segurança jurídica no Direito Tributário, ou seja, determinar como se manifesta tal princípio.222 Mais comumente, por isso, se refere à segurança jurídica como princípio implícito.

221 A Constituição Federal pouco auxilia na percepção expressa da segurança jurídica. Dentre as poucas

referências que podem ser realizadas, há a referência no Preâmbulo, onde pode ser entendida como objetivo do Estado Democrático, no caput do artigo 5º, onde pode ser interpretada como direito à segurança, e no artigo 103- A, §1º, quando a segurança jurídica é objetivo almejado, haja vista que se refere à insegurança jurídica como um estado a ser evitado pelas súmulas vinculantes. Nenhum desses dispositivos têm o condão de inferir uma segurança jurídica tributária. A título de mero acréscimo, encontra-se, em nível infraconstitucional, referência expressa na Lei n. 9.784 a segurança jurídica enquanto princípio.

222 Acerca da construção jurídica cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 1997, p. 627 et seq. O autor aborda a construção jurídica com base na sua teoria do sistema externo (conceitual), do qual se propõe a categorização de um fenômeno ocorrido no Direito, é a dação de sentido através de uma conceituação devida. O sentido aqui é o de aplicação de um juízo de inferência do qual se possa extrair a segurança jurídica tributária.

Uma possibilidade para desvelar o referido princípio é a análise do conceito de tributo, que, tendo assento constitucional, traduz a segurança de realização mediante a necessidade prévia de um ato administrativo de lançamento223 e a exigência de instituição por Lei.

Entretanto, tal procedimento vai de encontro ao quanto exposto acima, de que a dimensão subjetiva, onde está inclusa a segurança de orientação, provém reflexivamente da dimensão objetiva. O consequente não pode se manifestar de forma lógica precedente ao antecedente.

Nesse diapasão, o procedimento mais adequado para determinar que a segurança jurídica tributária se manifesta no Direito Tributário, e em especial na instituição do tributo é a obtenção da manifestação da própria dimensão objetiva da segurança jurídica.

É imprescindível, então, a análise do título reservado ao Sistema Constitucional Tributário, em especial das limitações constitucionais ao poder de tributar.

Recorre-se, novamente, ao conteúdo mínimo da segurança jurídica expresso acima em quatro itens, é dizer: esta é a forma básica como a segurança jurídica deve se manifestar num ordenamento.224

Primeiro, os conteúdos mínimos (i) e (iv), que dizem respeito à existência de uma norma e que esta tenha pretensão de definitividade. Este conteúdo se realiza no artigo 150, I, referente à legalidade tributária. Segundo, a existência prévia da norma aos fatos, ou conteúdo mínimo (ii) é contemplada na anterioridade tributária prevista no artigo 150, III, “b” e “c” e art. 194, §6º. Terceiro, o conhecimento prévio da norma pelos destinatários, além da publicidade e transparência, diz respeito à irretroatividade tributária prevista no artigo 150, III, “a”.

Esta caracterização da segurança jurídica em torno destas normas é realizada pela doutrina de acordo com uma interpretação indutiva.225 A lição doutrinária é que primeiro se

223 Aqui, de acordo com BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. São Paulo: Malheiros, 1999, p.

146 e GIANNINI, A. D. Instituciones de Derecho Tributario. Madrid: Editorial de Derecho Finaciero, 1957, p. 170, se coloca como funções do lançamento, dentre outras, a determinação da matéria tributável, a identificação do sujeito passivo e o termo inicial da prescrição. Nesse diapasão, a função primordial do lançamento é a de aplicação do direito, logo, conecta-se com a segurança de orientação.

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Rememora-se: (i) deve ser existente uma norma jurídica; (ii) esta norma jurídica deve ser prévia em relação aos fatos que ela regula; (iii) estas normas que devem ser prévias aos fatos devem ser também previamente conhecidas pelos usuários; (iv) e deve ser, além de (i) a (iii) uma existência regular, ou com pretensão de definitividade.

225 COELHO, Sacha Calmon. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: MARTINS, Ives Gandra

tem tais normas e estas normas, em seu conjunto, permitem formar a segurança jurídica. Há uma variante neste raciocínio: além da indução, poderia se deduzir a segurança jurídica do Estado de Direito. Nesse diapasão, a segurança jurídica se torna subprincípio do Estado de Direito (dedução) e sobreprincípio em relação à anterioridade, legalidade e irretroatividade (indução). É visão equivocada de acordo com o marco teórico proposto.

Inicialmente, nega-se, no presente trabalho, a natureza jurídica de sobreprincípio e de subprincípio: somente existem princípios e os mecanismos reflexivos mediante os quais estes podem ser funcionalizados. Atendo-se às lições doutrinárias, estas olvidam a pontuação correta de dois elementos. O primeiro é que não se induz a segurança jurídica de tais dispositivos, esta já se encontra posta no ordenamento e se manifesta no Direito Tributário por sua relação intrínseca com o poder tributário. Se não se induz, muito menos se pode deduzir e induzir ao mesmo tempo: seria uma contradição em si um fenômeno tendo gênese em dois momentos distintos e dissociados.

Outro argumento é que a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade compõem a dimensão objetiva da segurança jurídica. Por isto, a afirmação que a segurança jurídica se infere das normas da legalidade, irretroatividade e anterioridade é equivocada, haja vista denotar que o conteúdo inicial da segurança jurídica (somatório da dimensão objetiva e subjetiva) pode ser determinado por uma só dimensão, a objetiva, no caso.

Assim é que a evolução proposta da segurança até tornar-se segurança jurídica tributária é percorrido da seguinte forma: 1º – Segurança como componente da noção de sistema jurídico (fundamentação geral); 2º – Segurança como princípio jurídico mediante a operação de reentry (nova denominação: princípio da segurança jurídica); 3º – Necessidade de especificação da segurança jurídica no Direito Tributário por conta das características do poder tributário (fundamentação específica, ou especificação, para que se tenha a aplicação da segurança jurídica no Direito Tributário); 4º – Segurança jurídica determinando as normas tributárias (função reflexiva da segurança jurídica tributária).

Tribunais, 2005, p. 93-95. PAULSEN, Leandro. Segurança jurídica, Certeza do Direito e Tributação: a concretização da certeza quanto à instituição de tributos através das garantias da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade. 2005. 153 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/7317>. Acesso em: 30 dez. 2015, passim. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 308. TORRES, Ricardo Lobo.A segurança jurídica e as limitações constitucionais ao poder de tributar. Revista

Diálogo Jurídico, Salvador, v. 1, n. 4, p. 01-18, 2005. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.

O segundo ponto que a doutrina olvida é que a dimensão objetiva deve necessariamente ser obtida para, após, se obter a dimensão subjetiva. A dimensão subjetiva deriva da dimensão objetiva – fato que não a impede de determinar ou se sobrepor à dimensão objetiva diante da capacidade de circularidade sistêmica.

A conclusão, então, é que a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade expressas na Constituição denotam o conteúdo mínimo da segurança jurídica, e isto ocorre na medida em que tais compõem a sua dimensão objetiva. O silêncio do constituinte por um enunciado expresso atestando isto em nada afeta tal conclusão.226

De outro lado, somente desta forma é que se pode cumprir a máxima de que a lei não contém palavras inúteis ou ociosas227, haja vista que a previsão da legalidade, da irretroatividade e a anterioridade se encontram no artigo 5º da Constituição Federal nos incisos II e XXXVI, respectivamente.

Em outras palavras, a segurança jurídica tributária pode ser compreendida pela circularidade sistêmica: seu conteúdo mais amplo, somatório da dimensão objetiva e da dimensão subjetiva, é expresso mediante a existência da legalidade, irretroatividade e anterioridade na Constituição.

2.4 O CARÁTER PROGRAMACIONAL DAS DIMENSÕES DA SEGURANÇA