• Nenhum resultado encontrado

Segurança jurídica como princípio

2.2 A SEGURANÇA JURÍDICA COMO PRINCÍPIO

2.2.2 Segurança jurídica como princípio

A segurança jurídica pode ser categorizada, inicialmente, como princípio por conta da sua reflexividade. Assim, é mecanismo reflexivo, norma que versa sobre normas, ou norma que determina-se sobre outras normas, em especial em relação às regras.

Outrossim, a segurança jurídica pode ser categorizada como princípio diante da sua razão prima facie, ou por possuir a argumentação jurídica prima facie ou pro tanto quando da tomada de uma decisão.106 A afirmação de que se constitui uma razão prima facie é feita de acordo com a distinção entre dever ser real e dever ser ideal. Este é o dever ser que não designa necessariamente que aquilo que é devido possa ser possível fática e juridicamente em toda a sua extensão; aquele (deve ser real) é o dever ser que considera as possibilidades fáticas e jurídicas clausulando a decisão de acordo com estas – podem ser cumpridas ou descumpridas, então.107

É pautado neste conceito de dever ser ideal que o caráter prima facie dos princípios resta consolidado. Os princípios necessitam de uma dupla possibilidade para serem realizados: a possibilidade fática e a possibilidade jurídica, consubstanciada na ausência de outro princípio que tenha precedência sobre ele. De outro lado, a consideração da razão da regra é a própria codificação das possibilidades fáticas e jurídicas, previamente verificadas.108

Estas duas características (reflexividade e razão prima facie) permitem trabalhar o tema segurança jurídica no sistema jurídico sob o aspecto principiológico.

Portanto, considere-se, neste ponto109, somente a segurança jurídica enquanto princípio atuante na relação entre o poder público e a esfera privada. Nesta relação, a segurança jurídica

106

Ibid., p. 184.

107

ALEXY, Robert. Teoria discursiva do direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 165.

108 Ibid., p. 164 et seq.

109 Restringe-se aqui a consideração da segurança jurídica na relação entre particulares, tema afeto à

horizontalidade dos direitos fundamentais e do desenvolvimento das relações entre particulares pautada na boa- fé. Assim o é porquanto denota diferenças, em especial com a adição do poder a um dos polos da relação – o Estado.

adquire uma nova característica, além das duas mencionadas: ela condiciona o exercício do poder.110

Em resumo111, o sistema político, ou sistema do poder, sofre uma particularidade em relação aos outros sistemas: seu código binário é complementado necessariamente pelo código do sistema jurídico. Por isso o exercício do poder ocorre de acordo com o caráter lícito/não-lícito (ou direito/não-direito), sendo uma das funções da segurança jurídica a complementação deste código binário do direito112, funcionando enquanto programação para que o código binário jurídico, que determina o poder político, seja dinamizado e consagrado quando da relação entre poder político e esfera particular.

Tal função é contemplada pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Rememorando-se os casos supra, vê-se que o afastamento de regras, mediante a criação de exceções, e garantia de aplicação de outros princípios, como os princípios do contraditório e da ampla defesa, decorrem do fato de que houve o cancelamento de uma situação jurídica subjetivamente consolidada por um ato do próprio Estado.113

É justamente neste ponto que a importância da fundamentação da segurança jurídica como condição de possibilidade do direito é notada. Antes condição de possibilidade que instrumentaliza as expectativas normativas do direito e garante que o código binário irá ser aplicado, quando do seu ingresso no sistema jurídico passa a manter tal qualidade, agora sob o aspecto de dever ser: as expectativas mantêm-se protegidas na dimensão subjetiva e a estabilidade do direito válido na dimensão objetiva.114 Acaso a fundamentação da segurança jurídica seja pautada somente em preceitos valorativos, ter-se-á a dificuldade de enquadrá-la nesta função de limitação ao poder, senão com o recurso ao arbítrio argumentativo.

110 MORENO, Fernando Sainz. Seguridad Jurídica. In: VALIM, Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; POZZO, Augusto Neves dal (Org.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica no direito

administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 120-127.

111

A conceituação de poder será exposta de modo mais minucioso quando do tratamento do poder tributário.

112 Acerca da relação política v. direito cf. NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil, o

Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 85- 95. LUHMANN, Niklas. Poder. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

113

Refere-se aqui aos casos dos mandados de segurança nº 25.116 e 24.268 em que o benefício previdenciário restou cancelado após a constatação de uma nulidade ou suposta fraude. Oportunizou-se, nestes casos, o contraditório e a ampla defesa, em que pese não previstos, com vistas à tentativa de manutenção da situação jurídica subjetivamente considerada.

114 A segurança jurídica é, então, um princípio formal. Conforme será visto adiante os princípios formais cuidam

Assim é que se como condição de possibilidade exerce a função de manter as expectativas, após, ao ser internalizada e positivada como componente da estrutura do sistema,– ou enquanto princípio jurídico –, possui a função de orientar e estabelecer que as normas positivadas detenham características que permitam a concretização da estabilidade do ordenamento e a certeza do direito.

Esta operação de reentry ocasiona quatro amplas consequências ao sistema com base na segurança – agora jurídica: (i) deve ser existente uma norma jurídica; (ii) esta norma jurídica deve ser prévia em relação aos fatos que ela regula; (iii) estas normas que devem ser prévias aos fatos devem ser também previamente conhecidas pelos usuários; (iv) e deve ser, além de (i) a (iii) uma existência regular, ou com pretensão de definitividade.115

A doutrina entende que este seria o conteúdo mínimo para que se possa qualificar um direito enquanto seguro, seriam, então, os critérios essenciais para que se possa cogitar ter um direito objetivamente seguro.116 Neste trabalho, entende-se que são manifestações da segurança após o reentry: a entrada da segurança no sistema jurídico ocasiona tais consequências sendo efeitos reflexos deste fenômeno.

O ingresso da condição de possibilidade no próprio sistema ocasiona que este sistema passa a ter um caráter de segurança, objetivamente qualificada, ou, entender-se como um direito seguro.117