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Aspectos gerais da legalidade

3.1 A PROGRAMAÇÃO CONDICIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA PELA

3.1.1 Aspectos gerais da legalidade

A posição majoritária da doutrina é de estabelecer a natureza jurídica de princípio à legalidade. Outra posição majoritária é estabelecer sua origem histórica positivada remontando à Magna Carta, no ano de 1.215.279

Porém não somente com a origem histórica se sustenta a fundamentação da legalidade, como tampouco se pode tornar absoluta a lição de ser a legalidade somente princípio. Em especial, a pretensão deste tópico é relacionar a legalidade com a segurança jurídica. Para tanto, é fundamental, antes de tudo, entender a consideração da legalidade enquanto norma. Este objetivo somente é atingido se analisados os três fundamentos que se integralizam entre si para fundamentá-la enquanto princípio: o democrático, o jurídico-constitucional e o histórico. A pergunta que se deseja responder é: qual é a razão para se considerar a instituição do tributo em lei dentro de um sistema? Ou, em suma: qual é a razão para que a legalidade seja uma norma determinante no sistema?

A justificativa histórica data da instituição da contestação dos poderes feudais, em especial na Inglaterra280. A caracterização da legalidade ao redor do tempo de certo modo inicia e conecta os outros fundamentos, diante da sua dimensão histórica se previu que a

279 DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Princípios Constitucionais e a cláusula do Due Process of Law. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1964, p. 12. A lição pode ser questionável na medida em que considerações históricas devem ser realizadas, dentre elas destaque-se a apresentada por Sacha Calmon, com base na doutrina de Celso Albuquerque Mello, que aduz ser a Carta Magna, originalmente, um pacto entre os barões feudais e o Rei João Sem Terra, ou seja, documento inicialmente posto para beneficiar uma minoria. COELHO, Sacha Calmon. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.).

Limitações ao poder impositivo e Segurança Jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 97.

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O estopim da revolta e descontentamento no contexto inglês foi a instituição do tributo geral de três marcos por feudo de cavaleiro, instituída por João Sem-Terra em 1214, fato que culminaria na Magna Carta e na exigência, dentre tantas, que os tributos fossem excepcionais e aprovados por membros da nobreza. PACAUT, Marcel. A Europa pontifícia ou o tempo da Cristandade: Dissonâncias e contestações. In: GRIMAL, Pierre et al.

História Geral da Europa I: A Europa das origens ao início do século XIV. Mira-sintra: Publicações Europa-

construção da tributação e de suas limitações deveriam ser pautados na eleição do meio mais adequado, e que se apresentava como mais eficiente à instituição dos tributos, a saber, a Lei.

Esta justificativa, entretanto, não é suficiente para promover o entrelaçamento da legalidade com a segurança jurídica. Em verdade, aplicação da hermenêutica histórica281 ao entendimento da legalidade é imprescindível para o alcance do instituto como interdição ao exercício do poder e da legitimação, porém é insuficiente para a compreensão aqui buscada.

A justificativa, ou fundamento, democrático da legalidade é o de que somente mediante lei se faz possível exercer a função de instrumento de uma vontade geral, tomando-se esta como a única fonte possível de legitimação das obrigações tributárias. Segundo a doutrina, a lei seria o produto de uma vontade geral, vontade representativa, de acordo com o postulado “no taxation whithout representation”, sendo a fonte primária das obrigações tributárias, haja vista que para a sua criação concorreriam os representantes dos contribuintes.282

Portanto, a lei funcionaria como instrumento de autorização do próprio povo, mediante seus representantes, para que recaísse sobre ele, povo, a tributação, em suma: uma autotributação.283 É um argumento que pode ser contestado diante da crise de representatividade e em especial diante da consideração de que o postulado acima referido pauta-se na confluência do pensamento econômico liberal e do pensamento jurídico-político contratualista, que exige o consentimento da outra parte (o povo), para que o Estado possa instituir validamente os tributos.284

Tanto a justificativa histórica quanto a justificativa democrática auxiliam à concepção da legalidade como princípio. E isto ocorre diante da concepção de princípio integrado a uma posição hierárquica superior às demais normas e com a função fundamental no sistema jurídico.285

281 BORGES, José Souto Maior. Em Socorro da Obrigação Tributária: nova abordagem epistemológica. In:

SOUZA, Arivaldo Santos de; SANTOS, Guilherme; MACHADO, Hugo de Brito; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). Direito Tributário: Estudos Avançados em homenagem a Edvaldo Brito. São Paulo: Atlas, 2014.

282 JARACH, Dino. El hecho imponible: Teoria General del Derecho Tributario sustantivo. Buenos Aires:

Abeledo-Perrot p. 233.

283

SCAFF, Fernando Facury. Notas sobre a Reserva Legal Tributária no Brasil. In: ROCHA, Carmem Lúcia Antunes (Org.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 376.

284 JARACH, Dino. Finanzas publicas y Derecho Tributario. Madrid: Lael, p. 297-298. 285

Cf. GUASTINI, Ricardo. Distinguiendo: Estudios de teoría y metateoría del derecho. Barcelona: Gedisa, 1999, p.143-144. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 256 et seq.

A fundamentação da legalidade, entretanto, deve ser pautada em uma razão exclusivamente jurídica, fato que não exclui a incorporação de elementos históricos para a compreensão do instituto, tampouco do elemento democrático dentro da caracterização da lei.286

A justificativa jurídica é a renovação das justificativas históricas e democráticas acima apresentadas. Esta ação renovatória é apresentada mediante alguns critérios por Alberto Xavier. O primeiro é o da separação dos poderes. Com este se situa que somente é competente o Poder Legislativo para a instituição dos tributos. O segundo critério é o da reserva de lei quando a intervenção do Estado na propriedade privada deva ocorrer. O terceiro é a correlação entre legalidade e Estado Democrático de Direito em que, nesta feição, a legalidade seria o instrumento adequado para efetivar a exigência da justiça tributária. O quarto, por fim, é o da legalidade enquanto garantia da segurança jurídica.287

Acolhe-se a lição do doutrinador com ressalvas. Há, de fato, uma capacidade renovatória no fundamento jurídico para a legalidade. A sustentação histórica auxilia na compreensão da dimensão e importância da legalidade na relação entre Estado e contribuintes, a fundamentação com base na democracia, em que pese tangenciar os problemas apresentados, torna aceitável a legalidade diante da capacidade de influência dos contribuintes perante o Poder Legislativo. Entretanto, tais são questionáveis diante da imprecisão histórica e da crise de representatividade do poder político.

O fundamento jurídico à legalidade, pautada esta na segurança jurídica, adequa uma eficiente proteção ao contribuinte, porquanto sobreleva elementos objetivos para aferição de respeito ou não à segurança jurídica. A legalidade, frise-se, submete-se à segurança jurídica, porquanto a legalidade, considerada de forma isolada, “não se mostra suficiente para justificar toda a ordem tributária e seus efeitos de segurança jurídica, mormente o garantismo dos princípios e outras limitações”288.

Porém, antes de concretizar finalmente a colocação da legalidade na segurança jurídica, deve-se diferenciar a lei como síntese do processo democrático, como veículo normativo e como interdição do poder.

286 Neste sentido, a lei pode ser considerada ato normativo dotado de pluralidade, como será visto a seguir. 287 Para todos os critérios confira-se XAVIER, Alberto. Princípios da Legalidade e da Tipicidade. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1978, p. 7-11 e 43 et seq.

288 TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica: Metódica da

A lei enquanto síntese do processo político e democrático corresponde à ideia de que esta possibilita a existência de uma reação do direito face à decisão política, ou decisão de um grupo majoritário.289 Neste sentido, conjectura-se que a lei, síntese destas forças e interesses políticos distintos, é elemento que materializa a política, tomado aqui como forma de exercício do poder pelo Estado, e, portanto, pode ser questionável quando haja uma correlação de interesses impostos ou contrários aos fundamentos da Constituição.290

De um lado, a Lei pode ser entendida como veículo sígnico. Ou seja, veículo que transmite uma informação: a norma. Neste sentido, a lei é tomada como instrumento veiculador de normas. De outro lado, a lei tem a função de estruturar o sistema. Estes são os tópicos a seguir.

3.1.2 Legalidade como estruturação do sistema ou programação condicional mínima