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Certeza do direito e dimensão subjetiva

4.1 RELAÇÃO ENTRE PROGRAMAÇÃO FINALÍSTICA E CONDICIONAL

4.1.1 Certeza do direito e dimensão subjetiva

Em tópico precedente a certeza do direito restou caracterizada como segurança de orientação e segurança de aplicação. Neste sentido, em termos sistêmicos, sua função precípua liga-se à argumentação de primeira ordem, consubstanciada na operação reiterado do sistema, na capacidade de observação do sistema.

Desta forma, a certeza do direito enquadra-se sob a categoria de regra funcional, a ser observável, com vistas à manutenção do sistema. A assertiva formulada é que a certeza do direito garante a orientação aos contribuintes e a aplicação do sistema de normas ao Estado. Enquadra-se no aspecto intermediário: emana do ordenamento jurídico-tributário (aplicação) destinando-se aos contribuintes (orientação).

Neste estado de coisas, uma pressupõe a outra: a certeza do direito é pressuposto da proteção da confiança. De forma mais específica: somente se faz possível se cogitar de uma proteção da confiança se há, precedentemente, a segurança de orientação. Ver-se-á que a teoria da evidência na proteção da confiança obsta a consideração de que há uma confiança a ser protegida se ausente uma segurança de orientação, ou seja, uma certeza quanto ao direito que detém o particular.

O Código Tributário Nacional não descuidou desta relação entre certeza do direito e proteção da confiança, a exemplo do seu parágrafo único do artigo 100 que exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

Neste sentido, a orientação estabelecida ao contribuinte mediante normas complementares, configurando a este que há certeza do direito a ser seguido (segurança de orientação), transforma sua situação jurídica de dúvida em certeza, trazendo-lhe a proteção da confiança: há o depósito do contribuinte no pronunciamento estatal acerca de qual seja seu

efetivo dever jurídico. Outro lado, inexistente tal segurança de orientação, v. g., com a inexistência de norma complementar, tampouco se poderia cogitar de uma proteção da confiança nos moldes do parágrafo único do artigo 100. A situação seria vazia de proteção na medida em que ao contribuinte careceria a base para lhe imiscuir no estado de confiança necessário.

Portanto, quando se cogita da ausência de aplicação de sanção, neste caso, se tem dois momentos distintos: no primeiro, há a emanação de um pronunciamento estatal, estabelecendo o direito devido. O Estado estabelece a segurança de orientação, o conteúdo do dever jurídico do contribuinte mediante uma norma complementar. Este, o contribuinte, tem a sua atividade material voltada a seguir o pronunciamento do Estado, haja vista que além da reputação devida ao ente político, se desvela o crédito ao ato jurídico concreto destinado a si.

No segundo momento, constata-se que a certeza do direito (na vertente segurança de orientação) não tem base legal, ou seja, o ato complementar, a despeito de gerar a regulação, incorre em ilegalidade, carecendo de fundamentação. O dever jurídico assentido ao contribuinte não subsiste, haja vista que norma regulamentar não pode afastar a obrigação tributária principal estabelecida de acordo com a norma de caráter legal.

Diante deste quadro, a tributação deve ser retificada. O ato inicialmente ilegal – ou ilícito para a finalidade proposta de afastamento do tributo –, deve ser substituído por ato com legalidade vigente. Ocorre que se deve considerar, ainda, que a certeza do direito consolidou a proteção da confiança no contribuinte, este agiu conforme o direito vigente, conforma a orientação realizada pela Administração. Esta ação conforme o direito aparentemente legal outorga-lhe a proteção da confiança em face de atos sancionatórios, haja vista que a ausência do adimplemento da obrigação tributária principal não decorre de ato ilícito seu, mas da ausência de conduta por parte do ente político.

Deste quadro, o que se extrai é a conexão entre o direito posto como certeza e a consequência deste na esfera subjetiva do contribuinte, resguardando este contra atos contrários ou sancionatórios.

O contribuinte deve ter uma base de confiança para protagonizar a possibilidade de invocar o princípio da proteção da confiança. Mas não só a base da confiança deve ser existente, mas, igualmente, esta base deve orientar as ações do contribuinte: suas atividades devem ser baseadas nesta, em uma segurança de orientação.

No caso da instituição de tributos, tem-se que três momentos distintos: (i) o da instituição em si (abstrato e anterior à concretização da hipótese de incidência); (ii) o da oneração do patrimônio do contribuinte (ou obrigação tributária principal); e o momento de eventualidade, consubstanciado da revogação ou perda da vigência da norma tributária impositiva.

A instituição do tributo é momento lógico anterior à subsunção da hipótese de incidência sobre a situação jurídica ou fática envolvida com o patrimônio do contribuinte. Esta fase em si acarreta a segurança de orientação na medida em que neste ponto inicia-se o planejamento do contribuinte quanto às suas atividades. Este momento é o inicial para a certeza do direito, com a necessária mediatização por normas como a da publicidade e da previsibilidade.468 O contribuinte inicia o estado em que sua situação jurídica é estabelecida em face do sujeito ativo tributário: passa a ter seu patrimônio comprometido à tributação.

A amplitude das normas regulamentares tem por base esta fase, a regulamentação com especificação de situações ou esclarecimento da situação jurídica tributária do sujeito passivo é determinada por um imperativo decorrente da certeza do direito.

De outro lado, o momento da oneração do patrimônio do contribuinte tem-se a passagem da fase da segurança de orientação à segurança de aplicação mais evidentes. Nesta fase, da ocorrência do fato gerador, há o surgimento da obrigação tributária e o imperativo da certeza do direito volve-se à determinação das normas aplicáveis, aos regimes jurídicos a serem considerados e da situação jurídica passiva do particular.

A certeza do direito quanto ao momento da revogação da norma tributária modaliza-se com a proteção da confiança. É necessariamente nesta fase que ambos os aspectos da dimensão subjetiva se relacionam mais evidentemente. É a certeza do direito até então observável, enquanto argumento de primeira ordem, consubstanciado na efetivação do sistema jurídico, que obstaculiza a mudança normativa no sistema jurídico.

Neste ponto se tem duas situações diferentes: a situação nova iniciada com a instituição da nova norma é mais favorável ao contribuinte ou, ao contrário, mais desfavorável. Em relação à primeira situação, a certeza do direito é superável. É dizer: enquanto argumento de primeira ordem destinado à proteção do sujeito passivo tributário não se tem embasamento

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Heleno Torres apresenta bem esta evolução ao pontuar que “a certeza do direito passa a exigir não apenas a acessibilidade formal, mas também a clareza dos textos normativos (acessibilidade cognitiva)”.TORRES, Heleno Taveira. Op. cit., p. 181.

jurídico a sua invocação (manutenção da situação jurídica pretérita) se há na situação jurídica atual elementos jurídicos mais favoráveis.

Quanto à segunda situação se tem perspectiva diversa: a certeza do direito é um dos pressupostos para que a proteção da confiança seja invocável pelo contribuinte com vistas a determinar que a norma jurídica mais favorável seja invocada.

Existente os pressupostos da proteção da confiança, a prevalência desta irá depender de elementos outros como a relevância da proteção jurídica, a preponderância da proteção da confiança quando do sopesamento com outros princípios contrários à situação de confiança (como o interesse público e a reserva do possível)469.