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A segurança jurídica como código complementar ao poder tributário

2.3 A ESPECIFICAÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA NA INSTITUIÇÃO DOS

2.3.2 A segurança jurídica como código complementar ao poder tributário

Este tópico é a síntese do quanto foi desenvolvido acima. A tendência do poder tributário é o arbítrio, considerado este em fenômenos como a inflação legislativa, a produção de normas desconforme à Constituição, ou até na ausência na aplicação devida do direito, agravando-se este arbítrio diante da expropriação ínsita ao tributo. São estas características que especificam a segurança jurídica no Direito Tributário.

A segurança jurídica, então, em sua dimensão objetiva, tem a função precípua de proteção ao patrimônio do contribuinte, com vistas a tornar a tributação uma atividade previsível, calculável e pautada na estabilidade das normas, ou seja, refrear o arbítrio e tornar a compulsoriedade juridicamente conforme.

A segurança jurídica ao ser prevista no Direito Tributário traça, então, as condições sob as quais este poder deve ser exercido. Funciona, então, como programação condicional ao poder tributário: estabelece quais são as condições mediante as quais este pode ser exercido. Em síntese, a segurança jurídica em relação ao poder de tributar “consiste na garantia de afirmação das competências tributárias, não propriamente quanto à preservação do federalismo, mas quanto ao seu exercício e efetividade”214.

Não é a segurança jurídica, frise-se, o único critério condicional para o exercício da tributação, porém como sua função precípua é determinar o instrumento normativo primário das normas tributárias, – a lei –, que inaugura e regula a atividade tributária, esta assume um caráter primeiro de garantia.215

Estas conclusões não provêm de conjecturas, sendo explicitação do quanto se prevê na ordem jurídica brasileira. Para esta conclusão são necessárias três premissas. A primeira premissa é que, conforme visto acima, o poder tributário constitui um ordenamento de ingerência ao mesmo tempo em que se utiliza da compulsoriedade para a instituição do tributo.

214

A classificação é referida por TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança

Jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 325.

215 Cabe ao conjunto de limitações a imposição destes parâmetros para o desenvolvimento da tributação, segundo

Marco Aurélio Greco: “A previsão de limitações implica estabelecer parâmetros que – se afetados – geram inconstitucionalidade da lei, ato normativo ou mesmo do ato concreto que os agredir.” GRECO, Marco Aurélio. Comentários ao art. 150. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 3788.

A segunda premissa é que o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal estabelecendo a legalidade, e o artigo 150, I, estabelecendo a legalidade tributária, enunciam que a constituição de prestações compulsórias, somente serão possíveis mediante Lei.

A terceira premissa é distinguir compulsoriedade de instituição mediante lei. Se tem o lugar comum da doutrina em colocar esta como sinônimo da instituição em lei216 ou, de outro lado, separar os dois conceitos, porém atribuindo-lhes conteúdo similar217.

É visão a ser ponderada pelo seguinte: lei é instrumento de veiculação de normas218; compulsoriedade é efeito da emanação do poder estatal, ou seja, é qualidade que este poder sustenta para determinar ao particular um dever jurídico prescindindo da vontade deste.219 A utilização da Semiótica permitiria designar a compulsoriedade como conteúdo de um veículo signíco (Lei, ato administrativo, Constituição etc), sendo, por isto, distinta do próprio veículo.220

Postas as premissas, a primeira conclusão é que a compulsoriedade, ínsita ao poder tributário, somente pode ser veiculada mediante Lei, de acordo com a legalidade. Ocorre que, como será visto adiante, a legalidade neste aspecto é uma expressão da segurança jurídica.

Assim, a Constituição Federal ao prever que a compulsoriedade do poder tributário demanda a instituição mediante Lei, determina que uma das expressões da segurança jurídica seja atendida – e adiante se verá que não é a única expressão.

216

É a posição que se inclinou Geraldo Ataliba ao estabelecer que a obrigação tributária é “ex lege”. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 35.

217 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 49-51. Este autor

refere-se ao artigo 5º, II, da Constituição Federal, que determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão por determinação em Lei. Tal seria, então, o fundamento das obrigações ex lege, entretanto, não se confundem, como se demonstrou: compulsoriedade é veiculada por atos normativos de diferentes categorias, não somente por Lei.

218 DERZI, Misabel. Mutações Jurisprudenciais, em face da proteção da confiança e do interesse público no

planejamento da receita e da despesa do Estado.. In: Roberto Ferraz. (Org.). Princípios e Limites da

Tributação. 1 ed. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2009, v. II, p. 729-748. XAVIER, Alberto. Princípios da Legalidade e da Tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p.13-16.

219 A compulsoriedade pode, então, ser veiculada por diversos instrumentos. Vejam-se os exemplos: (a) A

Constituição veicula a aposentadoria compulsória (art. 40, §1º, II) sem necessidade de lei para que seja considerada uma norma de eficácia plena; (b) a desapropriação, que é definida como procedimento, tem todo o seu iter marcado por diversos atos que expõem a compulsoriedade do Estado, a exemplo do decreto de utilidade pública, ao início, e a sentença ao final219; (c) a imperatividade do próprio ato administrativo que caracterizam sua imposição independente da concordância do administrado219, constituindo obrigações de forma unilateral219.

220 A qualificação do empréstimo como compulsório, por exemplo, não significa que é empréstimo instituído

Existe, então, um acoplamento estrutural entre o poder tributário (sistema político) e a segurança jurídica (sistema jurídico). É com base neste conceito de acoplamento estrutural que se permite que um elemento estranho ao sistema jurídico opere neste, após a sua devida adequação ao código binário, ou transmudação em linguagem jurídica. Portanto, a complementação do código binário do poder tributário (poder/não-poder) é, inicialmente, a própria segurança jurídica, que perfectibiliza o código jurídico incidente.

2.3.3 A legalidade, a anterioridade e a irretroatividade como corolários da segurança