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CAPITULO III – LEGITIMIDADE DO PODER JURISDICIONAL NO ESTADO

7 O incidente de resolução de demandas repetitivas no Novo CPC

8.2 A legitimação da decisão judicial: procedimento e argumentação jurídica no

Admitida que foi a assertiva de que a ausência de legitimação prévia e de reavaliação periódica, pelo exercício do sufrágio no sistema representativo, impõe ao Judiciário um deficit de legitimidade específico, não compartilhado pelos poderes Legislativo e Executivo, impõe- se a reflexão acerca da existência de mecanismos de legitimação posterior, como forma de justificar o exercício do poder que lhe foi outorgado pelo sistema jurídico. Nesse sentido, apresentam-se de forma mais proeminente duas perspectivas, que se complementam: a legitimação da decisão judicial pelo procedimento e pela argumentação jurídica racional.

Asseverou Robert Alexy já no prefácio de sua célebre obra, escrita em 1978, que “da possibilidade de uma argumentação jurídica racional dependem não só o caráter científico da Ciência do Direito, mas também a legitimidade das decisões judiciais” (ALEXY, 2005, p. 5). E essa argumentação racional é sempre necessária, seja para justificar a adoção de raciocínios dedutivos (exercício de subsunção) seja para justificar a resposta encontrada para os chamados “casos difíceis”204.

Ilustrativamente, veja-se o recente acórdão proferido no AgRg no AREsp 200.190, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, no qual foi aplicada a multa do art. 557, § 2º, ao fundamento de que “se em sede de julgamento de recurso repetitivo se firmou o entendimento de que (...), o recurso mostra-se manifestamente infundado, a ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 557, § 2º, do CPC”.

204 A expressão “casos difíceis” ficou conhecida pela obra de Ronald Dworkin, conhecido professor norte- americano (University College London e New York University of Law). Um caso é “difícil” quando não se submete diretamente a uma regra clara ou, dizendo de outro modo, quando não pode ser solucionado pelo exercício lógico do silogismo (subsunção à norma). A existência de “casos difíceis” é reconhecida mesmo pelos teóricos positivistas, havendo entre eles (especialmente Hart) e Dworkin grande debate acadêmico. Sobre o ponto, assim se manifestou Dworkin: “O positivismo jurídico fornece uma teoria dos casos difíceis. Quando uma ação judicial específica não pode ser submetida a uma regra de direito clara, estabelecida de antemão por alguma instituição, o juiz tem, segundo tal teoria, o ‘poder discricionário’ para decidir o caso de uma maneira ou de outra. Sua opinião é redigida em uma linguagem que parece supor que uma ou outra das partes tinha o direito preexistente de ganhar a causa, mas tal ideia não passa de uma ficção. Na verdade, ele legisla novos direitos jurídicos (new legal rights), e em seguida os aplica ao caso em questão. (...) Em minha argumentação, afirmarei que, mesmo quando nenhuma regra regula o caso, uma das partes pode, ainda assim, ter o direito de ganhar a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de inventar novos direitos retroativamente”. (DWORKIN, 2002, p. 127).

É também Alexy (2005, p. 5) quem noticia que “a Primeira Turma do Tribunal Constitucional Federal [alemão] exigiu, na sua resolução de 14 de fevereiro de 1973 (resolução sobre o desenvolvimento do Direito), que as decisões dos juízes devem basear-se em ‘argumentos racionais’”. Alfonso García Figueroa (2012, p. 17) afirma que “a ausência ou insuficiência da justificativa se não causa uma lesão, gera um risco para o Estado de Direito. Portanto, a teoria da argumentação jurídica é uma peça-chave na teoria do Estado e do Direito”.

Manuel Atienza, em “As Razões do Direito”, faz uma análise das principais teorias da argumentação jurídica e dedica os capítulos 5 e 6 aos trabalhos de Robert Alexy e Neil MacCormick. Para Atienza (2003, p. 118), esses autores

embora provindo de tradições filosóficas e jurídicas muito diferentes, - no caso de MacCormick, basicamente Hume, Hart e a tradição da common law (não apenas a inglesa como também a escocesa); no de Alexy, Kant, Habermas e a ciência jurídica alemã -, eles chegam, no final, a formar concepções da argumentação jurídica essencialmente semelhantes (cf. Alexy, 1980, e MacCormick, 1982).

Defende Neil MacCormick (2006, IX) que “a noção de uma forma de raciocínio dedutivo é fundamental para a argumentação jurídica”. A reafirmação dessa premissa, ao que parece, nunca foi tão importante quanto na presente quadra da história.

Não são necessários raciocínios complexos para a solução da boa parte dos problemas que se põem à frente do aplicador do direito. Daí MacCormick (2006, X) dizer que “talvez, para a decepção de importantes teóricos, essa lógica seja na realidade relativamente simples e direta. A fórmula simples porém muito criticada ‘N+F=C’ ou ‘Norma mais fatos geram conclusão’ é a verdade essencial”.

A obra de MacCormick não autoriza, nem mesmo ao mais desavisado dos leitores, supor que ele reduziria a atividade de aplicação do direito – e a jurisdicional, portanto – à fórmula acima apresentada. O grande mérito de seu trabalho foi, ao contrário de muitos, reconhecer a validade dessa lógica e sua utilidade para solucionar a maioria dos casos. Por consequência, carrega a virtude de declarar a desnecessidade de raciocínios com base em princípios, quando aplicável uma regra, de forma direta. Daí sua clara percepção da importância do trabalho do legislador, embora ciente de que a norma abstrata, evidentemente, não esgota as possibilidades do mundo:

O processo legislativo é o que confere forma determinada ao resultado momentâneo do debate político, pela promulgação de normas com o objetivo de solidificar uma perspectiva específica da ordem das coisas justificável em princípio, numa dada área

de interesse. Essas normas promulgadas merecem, portanto, um respeito especial. Por si só, elas nunca são suficientes para resolver todas as controvérsias, mas podem pelo menos enfocar pontos de controvérsia em casos específicos; e a solução de controvérsias por meio da interpretação das normas mantém em jogo os argumentos de princípio subjacentes às normas, embora de modo diferente do que ocorre no próprio processo político. (...)

Organizar a ordem jurídica desse modo em torno de um corpus de normas publicadas é a tarefa de qualquer Estado que aspire, ainda que minimamente, a um governo livre. Desde o século XVIII, as ideologias dominantes, em sua maioria, elogiaram essa visão do direito e do Estado; e muitos Estados reivindicaram legitimidade com base na alegação de sucesso no cumprimento dessa tarefa. A própria ideia de “Estado de Direito” ou de Rechtsstaat é a daquele Estado em que normas determinadas – e predeterminadas – regem e restringem o exercício do poder, além de regular as relações entre os cidadãos. (MACCORMIK, 2006, XII) Percebeu MacCormik que esse entendimento prestigia a lei, como escolha nitidamente política e amplamente livre de um povo. Se há regras e é possível a aplicação da lógica dedutiva (se p então q), deve o juiz fazê-lo e isso, para muitos casos, basta. É a opinião de Ricardo Luis Lorenzetti (2010, p. 177), ao defender que o desenvolvimento do método argumentativo retórico pode dar ensejo ao “problema” da substituição total ou parcial do método dedutivo, nos termos seguintes:

A respeito dessa questão temos dito que, em nossa opinião, a substituição é parcial e limitada ao campo dos casos difíceis. Estimamos que se devam admitir as falências e limites do raciocínio dedutivo, mas sem dele prescindir, já que isso elevaria ainda mais o grau de incerteza ao não haver critério algum para decidir.

MacCormick volta ao ponto em questão em outro momento de seu trabalho. Aduz com inigualável clareza que “o raciocínio dedutivo das normas não pode ser um modo auto- suficiente e auto-sustentável de justificação jurídica”. Mas que, apesar disso, é “correto dar à argumentação a partir de normas aquela posição de centralidade essencial a ela atribuída nesta obra”. (MACCORMICK, 2006, p. XIV-XV).

Essa posição de centralidade, registre-se, não implica a inexistência de dificuldades. A justificação por dedução encontra limites e isso é tranquilamente reconhecido por MacCormick, assim como o é por Robert Alexy205. O raciocínio dedutivo não afasta a necessidade de justificação das premissas, como reconhece o próprio MacCormick (2006, p. 30):

205 Conforme registra Manuel Atienza (2003, p. 171): “Nenhum sistema de normas jurídicas é capaz de garantir, por si mesmo, que todos os casos jurídicos possam ser resolvidos de forma puramente lógica, mediante o uso apenas das normas vigentes e da informação sobre os fatos (cf. Alexy, 1978ª, págs. 23 e seguintes); as razões que Alexy dá para isso são, basicamente: a indefinição da linguagem jurídica, a imprecisão das regras do método jurídico e a impossibilidade de prever todos os casos possíveis”.

É importante destacar que a validade lógica de um argumento não garante a veracidade de sua conclusão. Do fato de ser válida a argumentação decorre que, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão deverá ser verdadeira; mas a própria lógica não tem como determinar ou garantir a veracidade das premissas.

Manuel Atienza (2003, p. 122), tratando da justificação dedutiva proposta por MacCormick esclarece que o termo “lógica” pode ser usado em dois sentidos: um sentido técnico, de lógica dedutiva, que se refere “às inferências; as premissas só seriam ilógicas se fossem contraditórias”; e um sentido de lógica como “justiça”. Aí aduz, com clareza:

O Direito – ou melhor, o raciocínio jurídico – pode não ser lógico no segundo sentido, mas tem de sê-lo no primeiro (independentemente de que se trate ou não de um sistema da common law). Resumindo, embora MacCormick não empregue essa terminologia, tudo o que foi dito significa que uma decisão jurídica precisa, pelo menos, estar justificada internamente, e que a justificação interna é independente da justificação externa, no sentido de que a primeira é condição necessária, mas não suficiente, para a segunda. (ATIENZA, 2003, p. 122).

É sabido que as normas não se situam numa zona de certeza interpretativa206. E isso tem especial relevância quanto à escolha da premissa do raciocínio dedutivo (premissa maior). É por isso que Ricardo Lorenzetti (2010, p. 171) afirma que o raciocínio dedutivo tem como primeiro passo “identificar um conjunto de premissas jurídicas válidas que permitam formular um enunciado normativo geral...”. E que, após identificada essa norma aplicável, deve ser estabelecido seu sentido: “se há uma linguagem aberta, não é possível dedução isolada, e aparece a tarefa do juiz, que deve proceder à interpretação da norma, sem que seja possível sua aplicação automática”. (LORENZETTI, 2010, p. 173).

Ademais, há ainda o problema com a definição dos fatos. Jerome Frank dizia que muitos homens perdem sua liberdade ou seu patrimônio em razão de fatos que não ocorreram, o que constitui, para a sociedade, um “problema moral de primeira magnitude” (FRANK, 1991, p. 26). Para ele, a grande questão do direito, geradora de incerteza insuperável, costuma ser um “problema de fato” (FRANK, 1991, p. 37). E aí estaria, para o raciocínio lógico, um problema de definição dos contornos da premissa menor.

Essas reflexões bastam para confirmar que o raciocínio dedutivo, aqui defendido como ponto de partida da argumentação racional, não se resume à simples dedução, como suficiente à decisão judicial. “Uma completa justificação dessa decisão deve girar em torno de

206“Quase qualquer norma pode se provar ambígua ou obscura em relação a algum contexto questionado ou questionável em litígio. Como as normas são formuladas em linguagem, elas apresentam (como H. L. Hart salientou) uma trama aberta e são vagas pelo menos no que diz respeito a certos contextos”. (MACCORMICK, 2006, p. 83).

como for justificada a escolha entre as vertentes cocorrentes da norma” (MACCORMICK, 2006, p. 86) e, ainda, à eleição da versão fática tida por adequada.

Daí que MacCormick (2006, p. 129) avança para o que chama de “justificação de segunda ordem” Essa justificação “deve, portanto, envolver a justificação de escolhas: escolhas entre possíveis deliberações rivais. E essas são escolhas a fazer dentro do contexto específico de um sistema jurídico operante”, que impõe limitações ao processo.

Entram em cena, então, os casos difíceis. “MacCormick faz uma divisão quatripartite de casos difíceis, que podem envolver problemas de interpretação, de pertinência, de prova ou de qualificação. Os dois primeiros afetam a premissa normativa e os dois últimos, a premissa fática” (ATIENZA, 2003, p. 123).

De forma bastante resumida – compatível com os limites deste trabalho – pode-se assim tratar da divisão quatripartite de MacCormick: há um “problema de interpretação” quando não há dúvida acerca da norma aplicável, mas essa norma admite mais de uma leitura (a norma deve ser aplicada pela lógica do p  q, mas o p pode ser interpretado no sentido de

p’ ou p”, por exemplo); o “problema de pertinência” é anterior ao problema de interpretação,

pois diz respeito à existência de norma aplicável ao caso (dúvida acerca da existência da norma p); os “problemas de prova” ligam-se à definição da premissa menor, ao acolhimento de uma dada versão sobre os fatos relevantes da lide; finalmente, o “problema de qualificação” é suscitado “quando não há dúvida sobre a existência de determinados fatos primários (que se consideram provados), mas o que se discute é se os mesmos integram ou não um caso que possa ser subsumido no caso concreto da norma” (ATIENZA, 2003, p. 125)207.

A partir dessas constatações, MacCormick enfrenta o problema da argumentação jurídica quando a justificação dedutiva é insuficiente. Quanto ao ponto,

Sua tese consiste em afirmar que justificar uma decisão num caso difícil significa, em primeiro lugar, cumprir o requisito de universalidade e, em segundo lugar, que a decisão em questão tenha sentido em relação ao sistema (ou seja, que cumpra os requisitos de consistência e de coerência) e em relação ao mundo (o que significa que o argumento decisivo – dentro dos limites marcados pelos critérios anteriores – é um argumento consequencialista. (ATIENZA, 2003, p. 126)

207 À primeira vista, vê-se que o “problema de qualificação” é equivalente, logicamente, ao “problema de interpretação”.

Aqui uma reflexão faz-se indispensável. O incidente de resolução de demandas repetitivas, segundo previsto no projeto do novo CPC, é vocacionado “exclusivamente”208 às

questões de direito. É evidente que, sendo o discurso jurídico um “caso especial do discurso prático geral” (ALEXY, 2005, p. 210), não há como pensar uma decisão judicial racional que abstraia absolutamente os fatos. Muito ao contrário, a tese a ser fixada destina-se justamente a um fato ou conjunto de fatos relevantes, devida e previamente identificados.

Ainda assim, os dois últimos aspectos que, segundo MacCormick tornam um caso “difícil” não estariam, em tese e em regra, presentes no julgamento do incidente de resolução. A fase de admissão do incidente servirá, justamente, para definir a questão jurídica a ser resolvida e, pois, a incidir sobre um fato ou conjunto de fatos já definidos. Daí que os problemas de prova e os problemas de pertinência (divisão quadripartite de MacCormick) não ostentariam maiores problemas no âmbito do incidente.

Não é o propósito aqui discorrer exaustivamente acerca da teoria da argumentação jurídica, nem mesmo enfrentar as suas críticas209. A intenção é modesta: demonstrar que a legitimidade da decisão judicial não pode ser alcançada pela via da simples fundamentação. Exige-se que a correção da fundamentação possa ser, de algum modo, controlável, o que busca tornar possível a teoria da argumentação jurídica.

Sendo isso verdade para qualquer ato decisório, em qualquer processo, avulta sua importância para as decisões em um “processo modelo”, cuja sistemática processual e decisória é especialmente construída para viabilizar um amplo alcance subjetivo da decisão proferida. Eis, então, o desafio do incidente de resolução ou, mais precisamente, de seus julgadores: racionalizar as decisões judiciais e, assim, assegurar (para além do controle dos interessados pela via recursal) a legitimidade da decisão, exigência inafastável do Estado Constitucional.

Mas nem tudo se resume à argumentação jurídica. Além da argumentação racional, a legitimidade da atuação jurisdicional – e especialmente da decisão proferida em “processos modelo”, como se dará no incidente de resolução de demandas repetitivas – também depende do direito de participação210. Como já afirmado, o incidente de resolução de demandas

208 Conforme restou demonstrado quando da breve notícia sobre o musterverfahren, na Alemanha o procedimento modelo admite que sejam dirimidas questões fáticas ou jurídicas. Não foi essa, até então, a escolha do legislador, que previu expressamente que o nosso incidente de resolução de demandas repetitivas limita-se à questões jurídicas.

209 Uma abordagem acerca das críticas à teoria de MacCormick, inclusive enfrentando sua possível procedência, pode ser encontrada na obra de Manuel Atienza (2003, p. 139-155).

210 A questão do direito de participação – ou Day in Court – foi enfrentada pela Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Matin vs Wilks, em que o então presidente Rehnquist sustentou que “ninguém pode ter seus

repetitivas, se aprovado como previsto no Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados, constituirá algo novo no direito brasileiro. E a novidade reside, justamente, no amplo alcance subjetivo do conteúdo da decisão proferida no incidente.

Importa, nesse contexto, consignar que a legitimidade da decisão exige, além de justificação racional, um procedimento participativo amplo – efetivamente amplo – sob pena de incorrer em ilegitimidade. Na seara dos direitos individuais homogêneos – na qual, por excelência, atuará o futuro incidente de resolução de demandas repetitivas – essa participação, capaz de adequadamente representar os interesses envolvidos, ganha importância.

A doutrina reconhece que no processo coletivo há uma relação entre o alcance amplo da coisa julgada e a exigência de “representatividade adequada”. Em outras palavras, quanto maior o alcance da decisão, mais exigente deve ser o crivo da representatividade dos interesses211, sob pena de ilegitimidade.

É certo que o incidente de resolução de demandas repetitivas não constitui, a rigor, uma nova forma de tutela coletiva, mas, como já apontado, uma alternativa a ela. A reflexão sobre a adequada representatividade, exercida para o processo coletivo, parece sinalizar caminhos ao futuro incidente. E no ponto, há basicamente dois sistemas: i) o controle da representatividade pelo juiz, “como se dá nas class actions norte-americanas” (GRINOVER

et al, 2007, p. 238); ii) a definição legal da representatividade, como se fez no Brasil, por

exemplo, com as associações de classe que cumpram determinados requisitos (art. 5º, V, da Lei 7.347/85)212.

No projeto de lei do novo CPC nada há a respeito. É certo que não haverá, na decisão do incidente, a formação da coisa julgada. Ao contrário, como já tratado, haverá a cisão da cognição, devendo o tribunal, por meio do incidente, definir a tese jurídica aplicável à hipótese fática previamente definida. Assim, quando do término do julgamento – que se dará em cada processo subjetivo – é que a decisão deverá ser protegida pela coisa julgada.

direitos determinados por uma corte sem ter participado do processo” (FISS, 2004, p. 207/208). Na ocasião, decidiu-se que uma dada decisão – injunction estrutural – deveria ser revista por ter afetado um grupo de pessoas que não tiveram o seu dia na corte. Tal precedente, contudo, foi posteriormente enfraquecido em razão de inovação legislativa.

211 “Quanto mais ampla a legitimação, tanto mais se faz necessário o pré-requisito da representatividade adequada. Quanto mais amplo o princípio da extensão a terceiros da coisa julgada – como no sistema do opt out (v. infra) –, mais necessário esse controle. Aliás, nos processos coletivos, existe uma correlação inequívoca entre os esquemas da legitimação e os regimes da coisa julgada”. “GRINOVER et al, 2008, p. 238).

212 Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (...)V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Ocorre que o efeito vinculante da tese fixada no julgamento do incidente já será suficiente para determinar o desfecho do julgamento a ser proferido em cada caso particular. Aliás, é justamente essa a razão de ser do incidente: solucionar incontáveis processos por meio de um julgamento piloto, no qual a resposta jurídica à questão repetitiva será definida. Assim, a adequada representação (ou, mais precisamente, a forma de escolha do “litigante piloto” ou da admissão de outros) deveria ter sido tratada no projeto do novo CPC, pois tem fundamento no devido processo legal e, ademais, constitui requisito de legitimidade da decisão judicial.

Essa representatividade constitui tema de alta relevância. No âmbito das class

actions norte-americanas, Aluísio Mendes (2012, p. 78), esclarece o fundamento do seu

controle pelo juiz:

O requisito encontra-se lastreado no princípio constitucional do devido processo legal. Mas, no caso das class actions, possui importância fundamental, pois o processo coletivo ensejará a possibilidade de direitos e interesses individuais serem defendidos em juízo por outros titulares, sem que poderes específicos para tanto tenham sido, a priori, conferidos, voluntariamente, mediante o respectivo contrato de mandato ou outro tipo de autorização. Em decorrência, ficarão os interessados que não tenham participado do processo (absent class members) vinculados aos efeitos do pronunciamento judicial. Constitui-se, assim, hipótese de caráter excepcional, pois, dentro do sistema do Estado Democrático de direito, as