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CAPITULO III – LEGITIMIDADE DO PODER JURISDICIONAL NO ESTADO

7 O incidente de resolução de demandas repetitivas no Novo CPC

7.6 Admissibilidade do incidente e o seu eventual caráter preventivo

Conforme já tratado nas considerações gerais, a admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas está prevista no art. 930 do projeto do novo CPC, cuja transcrição é novamente necessária:

Art. 930. É admissível o incidente de demandas repetitivas sempre que identificada controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados

177 § 3º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e poderá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.

178 É o que prevê o § 3º do art. 5º da Lei 7.347/85: “§ 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa”.

em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.

A dicção legal pretende deixar claro que o incidente será admissível sempre que identificada controvérsia capaz de gerar relevante multiplicação de processos fundados na mesma questão de direito (daí a expressão “pretensões isomórficas”) e, ainda, que dessa controvérsia possa advir grave insegurança jurídica. Há, portanto, dois requisitos à admissibilidade do incidente, conforme previsto no projeto: controvérsia capaz de gerar multiplicação de processos fundados na mesma questão jurídica; e o risco de insegurança decorrente da divergência jurisprudencial.

Não há dúvida de que o projeto, na redação presente, prevê a instauração preventiva do incidente. Aluísio Mendes (2012, p. 282), reconhece esse caráter preventivo, nos termos seguintes:

O incidente pretende evitar o processamento de grande quantidade de demandas que dependam ou versem sobre a mesma questão de direito. Se já há um número significativo de processos em tramitação e uma questão de direito comum a ser decidida, não há dúvida, quanto ao seu cabimento. Mas, na redação aprovada no Senado, basta a existência do potencial multiplicador, que pode ser demonstrado a partir do número já proposto de ações em um curso espaço de tempo, ou mesmo pela situação comum a envolver uma série de outras pessoas em idêntica conjuntura, como aposentados, funcionários públicos, contribuintes, consumidores etc.

O ponto é polêmico. De fato, tem razão a doutrina citada ao ressaltar que o projeto autoriza a instauração preventiva do incidente, pois é essa a dicção normativa proposta. Há, contudo, severas críticas ao caráter preventivo do incidente. Antonio Adonias A. Bastos (2011, p. 35), em artigo especialmente dedicado à análise do tema, assim se manifestou:

O incidente pode ser provocado com base, tão-só, na potencialidade de repetição e quando o processo ainda tramita em primeiro grau de jurisdição. Parece-nos questionável o efeito vinculante do precedente formado nestas circunstâncias. Primeiramente, porque está calcado na suposição de que haverá multiplicação de casos semelhantes, sem a sua efetiva constatação. Assim, pode originar-se de um único ou de poucos feitos.

(...)

Como se vê, este procedimento pode não mobilizar tantos sujeitos, de maneira a legitimar democraticamente a sua eficácia vinculante, exatamente por estar calcado na potencialidade de multiplicação de processos, e não na sua efetiva ocorrência. Julio Cesar Rossi (2011, p. 11), aduz crítica severa ao caráter preventivo:

O que se espera de um instituto sério que fora criado no direito estrangeiro (com prazo de vigência, diante da excepcionalidade) e que nós pretendemos introduzir em nosso ordenamento, de forma perene, com o discurso de que assim a tutela dos

direitos individuais homogêneos será mais bem atendida, é o de, no mínimo, admitirmos o IRDR [incidente de resolução] quando já houvesse algumas controvérsias comprovadas por sentenças antagônicas a respeito do tema repetitivo, pois, salutar a controvérsia disseminada.

A crítica mostra-se impertinente. A questão da legitimidade da decisão a ser proferida no âmbito do incidente – bem como da participação dos interessados, do efeito vinculante e sua compatibilidade com o direito brasileiro – será analisada com detalhes na terceira parte da dissertação. Parece-me, por ora, açodado concluir ser o caráter preventivo incompatível com o direito brasileiro ou mesmo que a instauração se daria com uma mera suposição do efeito multiplicador de uma dada ação ou matéria.

Não é desconhecido do direito brasileiro o “potencial multiplicador” de uma pretensão ou decisão judicial. Tal aspecto já foi utilizado pelo Supremo Tribunal Federal179 e por vários outros tribunais como fundamento ao deferimento de pedidos de suspensão de liminar ajuizados como medida de contracautela (Leis 12.016/09, 9.494/97 e 8.437/92). Ilustrativamente, veja-se a decisão do Min. Gilmar Mendes na Suspensão de Liminar nº 3.030/AM, em que foi deferido o pedido, ao fundamento de que “poderá haver o denominado ‘efeito multiplicador’ (SS 1.836-AgR/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, unânime, DJ 11.10.2001), diante da existência de outros Delegados da Polícia Civil em situação potencialmente idêntica aquela dos impetrantes”.

No caso citado, a decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes foi mantida pelo plenário do STF, mesmo inexistindo qualquer demonstração de lides repetitivas, mas tão somente sua potencialidade. No voto condutor do julgamento colegiado, acompanhado pela Corte, restou consignado que “a suspensão das liminares é medida que se impõe como forma de evitar o efeito multiplicador, que se consubstancia no aforamento, nos diversos tribunais, de processos visando ao mesmo escopo do mandado de segurança objeto da presente discussão”180.

Não parece sustentável, portanto, “demonizar” a possibilidade – e não a obrigatoriedade, que inexiste no projeto de lei – de se instaurar preventivamente o incidente. Os tribunais brasileiros têm, com considerável êxito, identificado situações em que uma única

179 EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO. Acompanhamento de cônjuge transferido a pedido. Remoção. Deferimento. Inadmissibilidade. Inobservância do princípio da isonomia. Risco de lesão à ordem pública. Efeito multiplicador presente. Decisão paradigmática. Suspensão de Segurança deferida. Agravo regimental improvido. Há risco de grave lesão à ordem pública, bem como de efeito multiplicador, na decisão judicial que determina remoção de servidor para acompanhar cônjuge transferido a pedido, quando não há interesse público em removê- lo. (STA-AgR 407, CEZAR PELUSO, STF)

180 (SS 3330 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2010, DJe-045 DIVULG 11-03-2010 PUBLIC 12-03-2010 EMENT VOL-02393-01 PP-00210).

ação guarda potencial multiplicador e, para evitar que se concretize, deferido medidas de contracautela.