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II. A DEMOCRACIA

2.3. A LEGITIMIDADE DA NORMA JURÍDICA: PARÂMETROS

Conforme vimos, o tempo - fundamento da vida e da mudança que decorre de seu incessante movimento - modificou por várias vezes o conceito de legitimidade que, na Idade Média, era usado juridicamente como defesa à tirania e à usurpação, foi relegada a condição de legalidade no Século XIX, com o positivismo a negar valor à norma jurídica153; de fato, o fundamento da legitimidade é que alterou de tempos em tempos a justificar o poder vinculante da norma jurídica pela vontade divina, vontade do soberano, atingindo hoje a concepção de que a legitimidade da norma jurídica: ‘... é a dignidade do seu reconhecimento como ordem justa e a

151 HABERMAS, Jürgen. DIREITO E DEMOCRACIA, ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE volume II, editora Tempo Brasileiro, 1997, tradução de Flávio Beno Siebeneichler, páginas 145/150. 152 ELSTER, página 76.

153 LUHMANN, obra citada, páginas 29 e segs.; no mesmo sentido NADER, obra citada, páginas 75 a 77, indica as diferentes posturas filosóficas do Direito a determinar compreensão distinta do fenômeno. Assim legitimidade muda de conceito de acordo com as ideologias com inclinações para: Juspositivismo, a dar para o termo ‘legitimidade’ o mesmo conceito de vigência; Jusnaturalismo, onde a legitimidade do Direito positivado está na sua concordância com o Direito natural e Axiologismo, legitimidade do Direito quando preservação dos valores jurídicos.

convicção, por parte da coletividade, da sua ‘bondade intrínseca.’”154.

Assim, nenhum sistema político terá domínio duradouro se não apoiado no consenso - por maior que seja a coação que se possa impor para dominar os ‘rebeldes’ - à ordem estabelecida. Coação e consenso são forças distintas, mas que só podem determinar a estabilidade do sistema se estiverem associadas em relação contínua155, de permanente sincronização, vigilância e coordenação, pois implica em duas ordens de aspirações sociais permanentes, forças que ameaçam a sociedade de estagnação e dissolução, é a estabilidade e o movimento, a conformidade com a situação e a inovação, o conservador e o revolucionário, a exigir esforços e sacrifícios capazes de conjugá-las, sem sobreposição, mas harmonia determinadora do progresso civil e da subsistência estatal156.

Tal conjunção harmônica é atribuição do Direito, a determinar a composição das duas forças, referidas, segundo os imperativos da Justiça e as necessidades de convivência pacífica, corrigindo as desigualdades entre os homens, o que será legítimo até o respeito aos direitos essenciais da pessoa157, daí a indispensabilidade da legitimidade na norma jurídica a atribuir-lhe efetividade pelo consenso, como regra.

154 CANOTILHO,obra citada, página 111.

155 LUHMANN, obra citada página 30; no mesmo sentido ARENDT, obra citada, página 40:

Mudando por um momento para a linguagem conceitual: o poder é de fato a essência de todo o governo, mas não da violência. A violência é por natureza instrumental; como todos os meios, ela sempre depende da orientação e da justificação pelo fim que almeja. E aquilo que necessita de justificação por outra coisa não pode ser a essência de nada.

156 REALE, Miguel. TEORIA DO DIREITO E DO ESTADO, Editora Saraiva, 5ª edição, São Paulo, página 91.

A teoria Kelseniana, por sua vez, ensina que dentro de um ordenamento jurídico as normas jurídicas diferem, inclusive, em grau hierárquico, havendo normas superiores e inferiores, onde as normas inferiores tem seu fundamento de validade nas normas imediatamente superiores, assim subindo

o fundamento de validade das normas jurídicas

escalonadamente no ordenamento até a Constituição, que é o fundamento de validade para todo o ordenamento jurídico, o que determina a sua forma unitária.

Por sua vez a Constituição tem seu fundamento de validade na Norma Fundamental, situada fora do ordenamento jurídico, sem estar positivada e diversa para cada ordenamento jurídico158.

Há outro ensinamento importante que vem a nós por Hans Kelsen, é o corte epistemológico onde o Direito pode ser objeto de estudo pela ótica da: Deontologia, a perquirir a respeito da justiça da norma, o que é feito pela Filosofia; Ontologia, interessada com a validade da norma, pela Teoria Geral do Direito e a Fenomenologia preocupada com a efetividade da norma jurídica, como objeto da Sociologia. São critérios distintos e independentes de avaliação da lei159, mas indissociáveis num Estado Democrático de Direito160, a cobrar

158 BOBBIO, Norberto. TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO, Fundação da Universidade de Brasília, 10ª edição, tradução Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, páginas 48 e segs.

159 KELSEN, Hans. TEORIA GERAL DO DIREITO E DO ESTADO. Ed. Martins Fontes, 2.000, tradução Luís Carlos Borges, São Paulo, págs. 62 e seguintes. BOBBIO, Norberto. TEORIA DELA NORMA GIURIDICA, Giappichelli – Editore, Torino, páginas 35 e seguintes.

160 Em que pese já tenha sido exposto o conceito de legitimidade resta distingui-lo de outro que é muitas vezes utilizado equivocadamente, como sinônimo, a saber ‘legalidade’; frente ao novo significado que tais termos passaram a ter a partir da conformação do Estado Democrático de Direito.

Legalidade diz respeito a adequação dos atos jurídicos com a legislação vigente, vale exemplificar, se dizemos que um decreto ou contrato é ilegal, é porque contraria os ditames legais no

compreensão única e social, política e juridicamente universalizante do fenômeno jurídico, nunca partida - conforme o faz, ou fez, voluntariamente a didática pedagógica.

Assim, comum que quando se trata de legitimidade pode se estar analisando questões relativas a competências e capacidades, assim como o próprio processo de formação de ato ou decisão, devendo, ainda, implicar em um amplo conjunto de valores da comunidade161, pelo que, é instituto a

ser apreciado: deontológica, ontológica e

fenomenologicamente.

tempo, forma ou lugar de sua elaboração. É fenômeno jurídico de respeito à ordem legal estabelecida, daí uma distinção da legitimidade jurídica, pois esta é fenômeno metajurídico, atinente ao fundamento da ordem jurídica estabelecida a compreender a pertinência da normatização com a vontade daqueles que detém o poder para a sua elaboração (conforme Martins Filho, obra citada páginas 11 e seguintes), nos termos do parágrafo único do Artigo 1º da Constituição Federal.

Legitimidade e legalidade são termos que passaram a ter novo significado a partir da formulação histórica do Estado Democrático de Direito, onde - sendo a soberania popular - as leis devem estar acima dos homens, em especial dos que governam, e em conformidade com a vontade popular.

A legitimidade da norma jurídica decorre de sua compatibilidade com a ‘normalidade ambiente’, na sua harmonia com as concepções éticas dominantes numa coletividade. Assim, são legítimas as leis que forem fórmulas da ordem consentida, querida ou almejada pelo consenso formulado entre a maioria mais completa do povo ( De acordo com TELLES JÚNIOR, Goffredo. INICIAÇÃO NA CIÊNCIA DO DIREITO, editora Saraiva, 2.001, páginas 207 e segs.). Em suma, será legítima a norma jurídica se os valores que defende estiverem de acordo com os da comunidade a quem rege (conforme Bastos, Curso de ..., obra citada, páginas 83 e seguintes).

Já a legalidade, decorre da submissão do poder estatal às leis, de onde deve vir o fundamento da ação do Estado, inclusive, no tratamento e cobranças do cidadão. Indispensável para a segurança e previsibilidade viabilizadoras dos comportamentos sociais, pois, conforme este princípio, só em virtude da norma jurídica poderá alguém ser coagido a fazer ou deixar de fazer algo (art. 5º, II da Constituição Federal Brasileira). É juízo técnico-formal a respeito da conformidade com a lei de qualquer ato.

A crise profunda de legitimidade da norma jurídica implica na sua falta de efetividade ou de eficácia, o que ocorre quando há desarmonia entre a norma jurídica e a ordenação ética socialmente vigente, podendo dar-se por: erro do legislador, arbítrio do Poder ou pelo desuso e decrepitude do Direito (conforme Telles Júnior, obra citada, páginas 212 e seguintes).

Assim, a legitimidade se estrutura sobre a base do Direito por intermédio da norma jurídica, ao passo que a legalidade o faz sobre a Política, por seu instrumental a exercitar o poder (conforme Ginotti Pires, obra citada, página 135), em conformidade com o Direito legitimador do exercício, estando associados indissoluvelmente no Estado Democrático de Direito, sob pena de inconstitucionalidade.

A Constituição, estando no ápice do ordenamento jurídico, sendo o fundamento de validade de toda e qualquer norma jurídica nele existente, impondo um sistema162 aberto de princípios e regras e estabelecendo ‘unidade hierárquico- normativa’163, é o elemento central a estabelecer a legitimidade na norma jurídica, já que qualquer ato estatal, inclusive o legislativo, não pode contrariá-la sob pena de, inconstitucional, ser retirado do ordenamento jurídico e invalidada164.

A inconstitucionalidade, ontologicamente falando, acaba por caracterizar ilegitimidade, fenomenologicamente dizendo, ou injustiça, deontologicamente reconhecida, contrário senso, ao convencionado em consenso fundamental constituinte. Há quem diga, inclusive, que a norma que contraria a tal ‘normalidade’ não merece ser chamada de Direito, mas de mandamento vigente, pois fundado não no Direito, a constituir norma jurídica, mas no arbítrio: “Ilegítimas são as leis insólitas, as que discrepam do sistema dominante de convicções éticas, as que não se ajustam com os padrões e modelos assentados. São as leis incompatíveis com a

162 NEVES, Marcelo. TEORIA DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS, editora Saraiva, 1988, página 63: melhor aclareando a visão sistêmica da Constituição formal, neste trabalho, vale reproduzir trecho da obra:

Apresenta-se como subsistema, não só enquanto uma das dimensões da Constituição total do Estado, mas também como instância fundamental do ordenamento jurídico estatal. Na qualidade de subsistema nomo-empírico prescritivo integrante do ordenamento jurídico estatal, a Constituição tem supremacia hierárquica sobre os demais subsistemas que compõe o ordenamento, funcionando como fundamento de pertinência e critério de validade dos subsistemas infraconstitucionais. Pode-se defini-la, conforme a terminologia tradicional como o complexo normativo superior de determinado sistema jurídico estatal, sendo, portanto, o último fundamento e critério positivo vigente de pertinência e validade das demais normas integrantes deste sistema.

163 CANOTILHO, obra citada, página 191.

164 Se contrária à Constituição não tem a validade que esta emprestaria à norma jurídica, seus efeitos sendo tornados nulos e revertidos, dentro do possível. No entanto há viva controvérsia se tal invalidação teria efeitos ex nunc ou ex tunc frente ao julgamento de inconstitucionalidade, a saber, inválida desde o momento da promulgação da decisão do Supremo Tribunal Federal ou da lei dita inconstitucional, respectivamente. BONAVIDES, Paulo. CURSO DE DIREITO

estrutura básica do País.”165 Tal é o critério, inclusive, que animou Jorge Miranda a classificar as Constituições - que concebe como Direito que tem por objeto o Estado166 - em normativas, nominais e semânticas, ou seja: quando o processo do poder se adapta as normas constitucionais submetendo-se à Constituição, quando não há tal adaptação ficando as normas sem realidade existencial, apenas nominal, e quando as normas prestam-se somente para a formalização da situação do poder político existente em benefício dos seus detentores, respectivamente167.

No entanto, a Constituição, formalmente falando, pode deixar de ser cumprida inconseqüentemente? É dicotomia entre a Constituição e a realidade constitucional, qual seja, a constituição materialmente formada pela realidade social e a Constituição formalmente elaborada. O descumprimento ao arrepio da Lei e da legitimidade pode dar-se por duas formas principais, a saber:

1. não atuação dos preceitos constitucionais transformadores (‘constituição não cumprida’), a exemplo dos instrumentos de democracia direta expressos na Constituição Federal de 1988 - Artigos 49 inciso XV e 61 § 2º - praticamente esquecidos pelo poder público em sua atuação ou de dificílima utilização por parte do povo.

2. permanência das forças de conservação, conducente à neutralização das ‘forças de ruptura’

comprometidas na feitura do texto

CONSTITUCIONAL, editora Malheiros, 7ª edição, São Paulo, páginas 301/310, muito bem descreve a questão coletando posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais da Europa.

165 TELLES JÚNIOR, obra citada, páginas 207/210.

166 MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL, Coimbra Editora, 3a. edição, Tomo II, página 10. 167 Obra citada, página 23.

constitucional168. Ou seja, a predominância da coação sobre o consenso169.

E isso porque a Constituição no mundo de hoje deve ser ‘obra reflexa’170, instituída por força plenamente consciente’, além de lúcida e historicamente responsável, sendo expressão e molde da realidade e das necessidades sociais, na tentativa de ajustar reciprocamente as intenções textualizadas e as circunstâncias existenciais da sociedade política, daí porque a democracia constitucional se realiza na medida da consciência histórico-cultural do povo.

Daí estarem indissoluvelmente associados os princípios da legalidade e da legitimidade no Estado Democrático de Direito, pois nele dispõe a norma Constitucional o modo de elaboração da lei, fator preponderante da validade da norma, o âmbito e objetivos

168 CANOTILHO, obra citada, página 146.

169 MARTINS FILHO, obra citada, páginas 203/205, nos ensina um exemplo de desrespeito a Constituição federal 1988 quando há predominância das forças de conservação neutralizador das forças de ruptura, a obstar a percepção da vontade popular comprometendo a legitimidade no processo legislativo e atentando contra a democracia, é a representação nas casas legislativas do Congresso Nacional que é feita eqüitativamente por estados-membros, e não com base no contingente populacional, no Senado e proporcionalidade limitada na Câmara do Deputados.

Pretende-se a super-valorização da vontade dos estados membros menores da Federação, mas o exagero é sê-lo, também, na câmara dos deputados, quando o Artigo 45 § 1º determina proporcionalidade populacional com limites: mínimo de 8 (favorecendo ao supervalorizar a representação das unidades da Federação pouco populosas) e máximo de 70 (desfavorecendo e sub- valorizando a representação das unidades superpopulosas) o que acaba permitindo maior número de deputados por habitantes nos estados de menor contingente populacional, e um número enormemente superior de habitantes por deputado em estados de grande índice demográfico.

Assim, a diversidade étnica-cultural, religiosa, ideológica, sócio-econômica, dentre outras, existentes nos estados-membros mais populosos - que por serem pólos atrativos migratórios, mostram-se muito mais diversificadas e complexas numa mesma base territorial – tem representação enfraquecida pela limitação e desproporção decorrente.

Trata-se de ‘atentado à democracia representativa’ do Brasil, posto que, além do mais, o norte do país é subdividido em numerosos estados-membros com baixíssima concentração populacional, enquanto ao sul poucos estados, comparativamente, com enorme contingente populacional, a agravar a desproporção acima referida.

170 SALDANHA, Nelson. O PODER CONSTITUINTE, editora Revista dos Tribunais, 1986, páginas 65 e seguintes.

axiológicos na elaboração do diploma legal, a impor legitimidade a partir da regulação dos valores.

O processo de formação da lei disposto na Constituição Brasileira apresenta uma fase introdutória, a iniciativa; uma fase constitutiva, que compreende deliberação e sanção; e a fase complementar, na qual se insere a promulgação e também a publicação171 (Michel Temer, semelhantemente, aponta as seguintes fases para o mesmo processo: a. iniciativa, b. discussão, c. votação, d. sanção ou veto, e. promulgação e f. publicação)172; além de estabelecer quem e de que forma atua em cada uma das fases, inclusive no que respeita ao procedimento eleitoral - eleições diretas, por exemplo -, tudo com o objetivo de preservar formal e procedimentalmente a legitimidade no processo de elaboração da norma jurídica.

Assim objetiva-se que a legitimidade esteja manifesta no procedimento de elaboração da lei, imposto pela norma constitucional e seguido frente ao princípio da legalidade; está a Constituição, igualmente, a impor os conteúdos das normas infraconstitucionais, materialmente falando; há orientação Constitucional do que pode, não pode e deve ser feito, a exemplo do que dispõe os artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 60º com seus incisos e parágrafos a descrever quais os fundamentos e objetivos do Estado Brasileiro, indissociáveis de qualquer elaboração, interpretação e aplicação de norma jurídica.

171FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. ‘Do processo Legislativo’, Editora Saraiva, 1995, 3ª edição atualizada, São Paulo, págs. 202 e segs.

172 TEMER, Michel. ELEMENTOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL, Malheiros, 14ª edição, páginas 136 e seguintes.

Assim, a associação dos princípios legalidade e legitimidade - o primeiro a determinar o respeito à formalização do segundo, e, em contra partida, é a legitimidade que determina os requisitos para a formalização do que é legal - é permanente no Estado Democrático de Direito, devendo, no entanto, ser de vigilância comunitária constante a harmonia desse relacionamento dialético, a bem da consecução dos objetivos postos pelo consenso no ordenamento jurídico, em forma e conteúdo, portanto, legítimos.

Por tudo quanto se disse, quando se fala em controle de constitucionalidade de lei, ato ou decisão estatal, está-se, também, falando do próprio controle de legitimidade173, posto que a constituição no Estado Democrático de Direito é o fruto do consenso fundamental e, portanto, expressão da vontade popular soberana; o que, portanto e naturalmente, tem como condição a coincidência entre a Constituição e as exigências e aspirações sociais174 expressas por consenso, implicando tal resposta em estar-se, ou não, num Estado Democrático.

E é a Constituição jurídica do Estado quem estabelece os limites materiais ou de conteúdo e formais, relativo ao procedimento, atribuindo competências legislativas aos diversos órgãos estatais – no caso do Brasil, inclusive, às quatro esferas do Poder e pessoas de direito público da Federação: União, Estados-membros, Distrito-federal e Municípios. São tais limites que determinam o âmbito em que a

173 MENDES, Gilmar Ferreira. DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, Celso Bastos Editor, 1998, página 289.

norma inferior emana legitimamente, sem o que poderá ser expulsa do sistema a norma ilegítima175.

As normas infraconstitucionais, portanto, serão legítimas enquanto se conformarem material e formalmente com as normas da Constituição, para o que esta deve ser compatível com as aspirações sociais existentes no momento histórico176.

Dessa forma, é na justiça constitucional que reside o mais refinado instrumento, a refletir as características das normas constitucionais - de cuja atuação concreta deve-se velar por intermédio da hermenêutica - onde deverá atuar a jurisdição constitucional confiada a um órgão soberano, composto de juizes independentes e imparciais voltados para a humanização na concretização daqueles supremos valores cristalizados na Constituição em vida própria, na indispensável realidade dinâmica da Lei Fundamental177, a preservar a Constituição e sua identidade178, formada pelo consenso fundamental que a legitima em conteúdo e expressão da vontade popular.

E é indispensável a atuação de tal órgão, o tribunal constitucional, sempre que houver qualquer dúvida quanto a constitucionalidade de qualquer ato estatal (legislativo, executivo ou judiciário) e isso porque, no topo do

175 BOBBIO, Teoria do ..., obra citada, páginas 53 e segs.

176 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS PROGRAMÁTICAS, Max Limonad, São Paulo, página 91.

177 CAPPELLETTI, Mauro. O CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO COMPARADO, 2ª Edição, Sérgio Antonio Fabris Editor, tradução de Aroldo Plínio Gonçalves, páginas130/131.

178 CLÉVE, Clèmerson Merlin. A FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO, Revista dos Tribunais, 1995, São Paulo, pág. 282.

escalonamento hierárquico Kelseniano estão as normas jurídicas gerais – compreendendo uma categoria de agentes –

e abstratas (contribuição de Norberto Bobbio) -

compreendendo uma categoria de ações179 – do ordenamento jurídico.

Na base dessa formulação do ordenamento jurídico, estão as normas e atos individualizados – para pessoa(s) específica(s) - e concretos – com obrigação ou direito determinados – no extremo da decisão judicial transitada em julgado ou do ato administrativo.

Assim, toda e qualquer norma infraconstitucional destinasse à densificação e especificação daquilo que, superior a ela, depende disso para a sua eficácia180, daí porque é curial que ‘... os preceitos formais e substanciais (da Constituição) são igualmente importantes para caracterizar a inconstitucionalidade.”181, assim como os demais atos e decisões estatais que podem ferir direitos individuais.

Pois se o controle de constitucionalidade também pode ser visto como controle de legalidade dos atos e decisões do poder instituído,

... o princípio da legalidade, num Estado Democrático de Direito, funda-se no princípio da

179 BOBBIO, Norberto.STUDI PER UNA TEORIA GENERALE DEL DIRITTO, editora G. Giappichelli, Italia, 1970, páginas 11 e seguintes.

180 SILVA, José Afonso da. APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, editora Revista dos Tribunais, 1968, São Paulo, página 218:

“12. – Em sentido amplo, tôdas são leis complementares da Constituição. Nessa acepção lata, leis complementares da Constituição são todas as leis que a completem, tornando plenamente eficazes os seus dispositivos, ou desenvolvendo os princípios nêles contidos. ...”

181 BASTOS, Celso Ribeiro. LEI COMPLEMENTAR TEORIA E COMENTÁRIOS, Celso Bastos Editor, 2ª edição, página 137.

legitimidade, senão o Estado não o será tal. Os regimes ditatoriais também atuam mediante leis. Tivemos até recentemente uma legalidade extraordinária, fundada em atos institucionais e atos complementares, embasada no critério da força e não no critério da legitimidade. Prova de que nem sempre a ordem jurídica é justa. O princípio da legalidade só pode ser formal na exigência de que a lei seja concebida como formal no sentido de ser feita pelos órgãos de representação popular, não em abstração ao seu conteúdo e à finalidade da ordem jurídica182

, portanto, em consenso pacificador de conflitos, consciente da momentaneidade de suas decisões e, por conseguinte, da importância do dissenso aprofundador do debate a estabelecer regramento de satisfação geral, combatível pelas regras da eleição democrática, fundada na maioria generalizadora, tudo a permitir a permanência do pacto social e político.