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A legitimidade estatal e o direito à igual consideração e respeito

2. RACIONALIDADE E CORREÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS NA

2.5 A legitimidade estatal e o direito à igual consideração e respeito

Para o autor a sua concepção de direito seria a que melhor responde a problemática da legitimidade, inerente ao conceito de direito.

A legitimidade é exigência de todas as decisões estatais e cumpre-se, para Dworkin, através do respeito pelo Estado de igualdade especial. O Estado deve garantir o tratamento de todos os indivíduos segundo a igual consideração e interesse.

Assim, como característica do caráter holístico de sua teoria do direito, a concepção do autor está atrelada a uma teoria acerca da legitimidade estatal. Por isso, mencionaremos brevemente está temática, apenas no que vemos essencial para a concatenação de ideias que conduzem a sua visão acerca da racionalidade e correção das decisões jurídicas.

Segundo Dworkin, o positivismo, visto como concepção interpretativa, fundamentaria a legitimidade estatal em uma comunidade fundada em um modelo de regras. Nessa forma comunitária, a coerção estatal conduziria o comportamento individual quando fundada em uma convenção, sem inquirição de base substantiva para seu uso e sem possibilidade de extensão. Esse modelo de regras seria apto, aos positivistas, a legitimar uma comunidade política, já que suficiente à preservação do indivíduo, que teria garantida a sua equidade

processual e a segurança jurídica no Estado86.

Dworkin critica o positivismo por entender insuficiente o modo deste justificar a legitimidade estatal. Conforme alega, por esta concepção, a obrigação política estaria garantida pelo ideal de autogoverno87, no qual as pessoas obedeceriam às regras que foram objeto de aceitação e negociação por seus representantes na democracia indireta. Segundo Dworkin, esse ideal seria uma abstração do iluminismo. Ademais, o convencionalismo não se preocuparia com a substância das regras negociadas, nem com a coerência moral que lhes devem ser substrato. Não haveria, assim, uma consideração estatal a igual consideração e interesse que cada membro deve merecer por participar da associação.

Dworkin fundamentará a legitimidade estatal com base na comunidade de princípios, a qual deve se ater a bases de racionalidade prática aptas a conduzir a coerência de princípios de moralidade política que subjazem um direito legítimo e que centrar-se no princípio da igual consideração e respeito.

Essa concepção- o direito como integridade- é, para Dworkin, a que em melhor luz coloca o problema da legitimidade estatal.

Uma melhor concepção jurídica é posta por Dworkin como aquela que melhor explique por que aquilo que chamamos de direito oferece uma justificativa geral para o exercício do poder coercitivo do Estado, de modo a fundamentar a razão moral e prática que tem o cidadão para obedecer o direito88.

86 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.253.

87 Conforme os ideais iluministas, o homem ser dotado de vontade e razão só aceita obediência ao que der

consentimento, ao que racionalmente concorda. Ele é dotado de autodeterminação. Em uma democracia representativa esse ideal de autodeterminação seria suprido pela representação e o ideal de autogoverno levando ao dever de obediência às leis resultantes de procedimentos democráticos.

88 Ver Dworkin: “Afirmei que o conceito de direito- espaço em que o debate entre as concepções se mostra mais

útil- associa o direito à justificativa da coerção oficial. Uma concepção do direito deve explicar de que modo aquilo que chama direito oferece uma justificativa geral para o exercício do poder coercitivo pelo Estado, uma justificativa que só não se sustenta em casos especiais, quando algum argumento antagônico for particularmente forte. O centro organizador de cada concepção é a explicação que apresenta dessa força justificadora. Cada concepção, portanto, se vê diante do mesmo problema inicial. Como pode alguma coisa oferecer mesmo essa forma geral de justificativa da coerção na política corrente? O que pode conferir a alguma pessoa o tipo de poder autorizado que a política supõe que os governantes possuam sobre os governados? Por que o fato de que a maioria elege um regime específico, por exemplo, dá a esse regime poder legítimo sobre os que votaram contra ele? Esse é o problema clássico da legitimidade do poder de coerção, e traz consigo outro problema clássico: o da obrigação política. Os cidadãos têm obrigações morais genuínas unicamente em virtude do direito? O fato de que um legislativo tenha aprovado alguma exigência oferece aos cidadãos alguma razão ao mesmo tempo moral e prática para obedecer? Essa razão moral é válida mesmo para cidadãos que desaprovam a legislação ou a consideram errada em princípio? (...) Um Estado pode ter boas razões, em algumas circunstâncias especiais, para coagir aqueles que não têm o dever de obedecer. Mas nenhuma política geral que tenha por fim manter o direito com mão de ferro poderia justificar-se se o direito não fosse, em termos gerais, uma fonte de obrigações genuínas. Um Estado é legítimo se sua estrutura e suas práticas constitucionais forem tais que seus cidadãos tenham uma obrigação geral de obedecer às decisões políticas que pretendem impor-lhes deveres. (...) Mostrarei que um Estado que aceita a integridade como ideal político tem um argumento melhor em favor da legitimidade.(...) Oferece-nos, em particular, um forte argumento em favor da concepção do direito que

No decorrer da filosofia política foram elaborados diversos tipos de argumentos sobre a legitimidade estatal. Desde a ideia de contrato social típica do iluminismo, ao dever natural proposto por Rawls de apoiar as instituições que passem no teste da justiça abstrata reconhecidos por todos os cidadãos em uma posição coberta pelo véu da ignorância89 e a proposta liberal do “Jogo Limpo”90, buscam-se fundamentações de razão moral e prática para

justificar os motivos que levam o cidadão a obrigação de obediência às diretrizes estatais. Para Dworkin a justificativa da legitimidade política está em outro ponto: na igualdade de consideração e respeito que uma comunidade deve a seu membro. Para ele se uma comunidade não pretende tratar uma pessoa com igual consideração e respeito, a reivindicação da obrigação política de tal pessoa de obedecer as ordens estatais estará comprometida.

Dworkin apresenta o problema da legitimidade em prol de sua defesa da concepção do direito como integridade, de modo argumentar que ela configuraria a melhor interpretação construtiva das práticas jurídicas e, mais especificamente, da resolução pelos juízes de casos difíceis.

Vejamos a concepção de Dworkin acerca do direito como integridade, o qual no seu sistema de pensamento é o mais apto a zelar pela comunidade de princípios, a qual conduz, ao considera a integridade fundamental, porque qualquer concepção do direito deve explicar por que motivo o direito é a autoridade capaz de legitimar a coerção.” (DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 231-232)

89 Ver John Rawls em sua obra “teoria da justiça” busca a formulação de uma concepção política, com uma

estrutura básica que satisfaz os princípios de Justiça. Segundo ele o objetivo primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social. Para atingir este objetivo formula a abstração da posição original como forma de encontro de princípios de justiça que seriam escolhidos em uma situação de igualdade em que representantes da sociedade, sob “o véu da ignorância”, fixariam as bases de orientação de uma sociedade bem ordenada. Segundo afirma neste capítulo inicial, sua teoria parte da posição original, a qual é o status quo inicial apropriado para assegurar que os consensos básicos nele estabelecidos sejam equitativos. Nesta posição as pessoas racionais, preocupadas em promover seus interesses consensualmente escolheriam seus princípios de justiça, mas estando todos sob o véu da ignorância estariam em situação de igualdade nas quais ninguém é consciente de ser favorecido ou desfavorecido por contingências sociais e naturais. Como menciona, esta suposição da posição original permite que não se tome tendências e inclinações humanas para depois procurar a melhor maneira de realizadas, mas ao contrário, os desejos e aspirações são restringidos desde o início pelos princípios de justiça que especificam os limites que os sistemas humanos de finalidade devem respeitar. RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

90 Nessa proposta, conforme Dworkin: “Se alguém se beneficia na esfera de uma organização política

estabelecida tem então a obrigação de arcar com o ônus desta instituição, inclusive a obrigação de aceitar as decisões políticas, tenha ou não solicitado estes benefícios. (...)O argumento do jogo limpo pressupõe que as pessoas podem incorrer em obrigações simplesmente por receberem o que não buscavam e que rejeitariam se lhes fosse dada a escolha.” Esse princípio não justifica nada para Dworkin. Fácil uma argumentação de que qualquer Estado totalitário pode levar o cidadão a melhores condições do que outro sistema que poderia ter se desenvolvido em seu lugar. No Estado totalitário o cidadão estaria, por exemplo, em melhor situação do que se estivesse, por exemplo, no estado de natureza de Thomas Hobbes. (Ver DWORKIN, Ronald. O império do

direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 235.) Um autor que segue a proposta do jogo limpo é Nozick,

cumprimento do princípio da igual consideração e interesse, base de sua teoria da legitimidade.