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2. RACIONALIDADE E CORREÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS NA

3.4 Da teoria da argumentação de Toulmin

Após a virada linguística, com a percepção da esfera pragmática da comunicação humana, a argumentação discursiva torna-se a fonte da racionalidade de nossas proposições linguísticas.

Segundo Habermas: “a estrutura de nosso saber é sempre proposicional”110

110 HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: Racionalidade da ação e racionalização social. São

Deixando, por um instante, o todo coletivo do empreendimento pragmático- comunicativo, voltamo-nos, agora, ao nível da comunicação individual de um participante, que expressa atos de fala adstritos a uma pretensão de validade e que justifica suas proposições com argumentos. Afinal, o empreendimento coletivo compõe-se de atividades comunicativas individuais.

Em um processo de entendimento os partícipes tematizam uma pretensão de validade problemática, checando mediante razões, e tão somente mediante elas, se a pretensão defendida pelo proponente tem razão de subsistir ou não. Essas razões que subjazem a fundamentação de uma pretensão de validade são argumentos.

Uma teoria pragmática da busca discursiva da verdade exige, assim, uma teoria da argumentação de estrutura de argumentos individuais. Habermas (e, posteriormente, Alexy), neste ponto, vale-se da teoria da argumentação de Toulmin.

Toulmin parte do modo como o participante de uma interação, através da linguagem comum, argumenta e justifica suas proposições conclusivas.

Toulmin dedica-se a estrutura geral dos argumentos, criando uma teoria da fundamentação das proposições e da expressão dos argumentos. O autor atribui-lhe a qualificação de logica dos argumentos, a qual seria mais abrangente do que a lógica clássica e serviria para qualquer estrutura argumentativa voltada a adesão de uma pretensão de validade proposicional. Se justificam ou se refutam asserções, através de uma estrutura, na qual se verifica as regras (W) justificadoras da passagem de uma fundamentação (G) para uma conclusão proposicional (C).

Segundo ele, todas as argumentações possuem uma estrutura básica igual: uma exteriorização problemática para qual se manifesta uma pretensão de validade (conclusion).

Um argumento compõe-se tanto da exteriorização problemática para qual se manifesta uma pretensão de validade (conclusion), o fundamento (ground) proposto pelo falante como razão para estabilizar essa pretensão, uma regra (warrant) – que pode ser uma regra conclusiva, um princípio, uma lei- asseguradora do fundamento e apoiada em evidências de diversos tipos (backing).

entre racionalidade e saber. A estrutura de nosso saber é sempre proposicional: opiniões podem ser representadas explicitamente sob a forma de enunciados. Pretende assumir como pressuposto esse conceito de saber, sem maiores explicações, pois racionalidade tem menos a ver com a posse do conhecimento do que com a maneira pela qual os sujeitos capazes de falar e agir adquirem e empregam o saber”.

Expliquemos melhor a estrutura dos argumentos através do seguinte esquema: G C W B

Figura 1: Estruturas de argumentos de primeiro nível de fundamentação na Teoria da Argumentação de Toulmin Fonte: ALEXY, 2011, p. 91.

A conclusão (C) refere-se a proposição cuja pretensão de validade quer se justificar. O fundamento (G) as proposições empíricas que justificam (C). A regra (W) representa a regra de inferência que permite passar da proposição G para a proposição C, a qual pode ser questionada e exigir fundamentação por meio de uma nova proposição conclusiva (B). Uma razão G justifica uma proposição N e tem essa passagem justificada pela regra W.

No silogismo lógico tradicional: a conclusão (C) “Sócrates é moral” deriva da razão (G) de ser Sócrates homem e da regra (W) de que “Todo homem é mortal”. Pode-se justificar cientificamente e empiricamente o fato do homem ser mortal (B). Nos discursos práticos a mesma estrutura argumentativa se faz presente. A regra (W) e sua fundamentação (B), no entanto, compõem-se de “conclusões valorativas”, as quais, obtendo discordância, podem ser fundamentadas por meio de novas razões (G´) e novas regras de inferência (W’), encontrando o seu limite no intersubjetivamente compartilhado como norma e valor no mundo da vida. Nas explicações científicas, o acordo intersubjetivo encontra-se nos argumentos acerca da fundamentação da experiência. Já nos discursos práticos, o intersubjetivamente compartilhado refere-se a normas e justificações de ações orientadas. Assim, uma proposição normativa N também poderá ser justificada por uma razão G e por uma regra de inferência (W) intersubjetivamente compartilhada. A fonte da validade é, sempre, o acordo intersubjetivo em torno das razões e das regras de inferência, o qual leva ao acordo racionalmente obrigatório em face da conclusão (proposição cuja pretensão de validade é questionada).

Nos discursos práticos, Toulmin verifica duas formas de argumentação. A primeira forma se dá quando uma ação é justificada porque assim ordena uma regra moral vigente na sociedade do falante.

G) ”Ground”- fundamento C) “conclusion”

W) “warrant” B) “backing”

Figura 2: Estrutura de argumentos de segundo nível de fundamentação na Teoria da Argumentação de Toulmin Fonte: ALEXY, 2011, p. 93.

A segunda forma é aplicada quando na fundamentação de uma ação apontam-se razões que justificam a regra (W). A proposição conclusiva (C) “A agiu errado” fundamenta-se na proposição (G) “A mentiu” e justifica-se a partir da regra de inferência (W) “Mentir é errado”, a qual pode ser fundamentada apontando-se novas razões (B- novos fundamentos) como “mentir conduz ao descumprimento de expectativas comportamentais” ou “mentir conduz a falta de confiança entre as pessoas”, as quais conduzem a um novo nível de fundamentação, no caso de questionamento de sua pretensão de validade, podendo novamente ser fundamentadas por novos fatos (G), novas regras de inferência (W) e novas razões (B), sucessivamente.

A primeira forma de argumentação que envolve fundamentação por apelo a alguma regra moral vigente na sociedade do participante, sendo deontológica.

A segunda refere-se às consequências sociais do comportamento, sendo teleológica, e depende sempre de acordo axiológico- o qual pode ser encontrado através de um ou vários níveis de argumentação acerca do compartilhado no mundo da vida por uma forma de vida- no tocante as regras de inferência implícitas, acerca de conclusões valorativas, para validar a pretensão controversa.

Alexy verifica a semelhança entre regras de inferência (por exemplo, a regra de inferência “mentir é errado”, que conduz o enunciado “A mentiu” à proposição “A agiu errado”) da justificação de proposições normativas pela segunda forma de argumentação de Toulmin com os princípios morais (como, por exemplo, digamos, aqui, o princípio apontado por Dworkin “ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza”). Os princípios morais funcionariam para Alexy como regras de inferência na argumentação moral. Trata-se de averiguação relevante para a aferição dos argumentos de princípios que tecem a argumentação

Primeiro nível de fundamentação

D C

Segundo nível de fundamentação

B (=D) W (= C´)

jurídica em interpretação construtiva111.

A argumentação racional volta-se, assim, a convencer um auditório universal, a comunidade ilimitada dos falantes, e de obter concordância geral em face de uma exteriorização, através do encontro do comum acordo racionalmente motivado. Em todas as esferas discursivas, esforçamo-nos por sustentar uma pretensão com boas razões.

Toulmin verifica um esquema geral, no qual se fixam as marcas invariantes de argumentos.

Toulmin, também, valendo-se da teoria dos jogos de linguagem de Wittgenstein, constrói campos de argumentação, nos quais seria possível aferir especificidades da argumentação nas diversas culturas especializadas, através da descoberta, nelas, de uma regra de inferência geral (W´) qualificadora de regência do jogo de linguagem específico.

Vale ressaltar que Habermas adota a teoria de Toulmin no tocante à estrutura geral da argumentação, mas discorda do autor no que se refere a modo como ele estrutura os diversos campos de argumentação112. Para Habermas, são as pretensões de validade levantadas no

111 Segundo Alexy: “ Pode-se supor não só que todos os princípios morais podem ser concebidos como regras da

argumentação moral, mas também que numerosas regras do discurso moral podem ser consideradas princípios morais. Isso pode ser de considerável importância, já que se pode pensar que regras que, enquanto princípios morais podem ser objeto de uma decisão, são perfeitamente fundamentáveis como regras do discurso racional sobre questões práticas”(ALEXT, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso raciona como

teoria da fundamentação jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p 93)

112 Habermas não discorda que o sentido do respectivo empreendimento, no qual os participantes seguem com a

argumentação, conduza a uma certa direção os respectivos argumentos. Esse sentido do empreendimento deve ser objeto de discussão entre os participantes e deve contribuir com a argumentação em um campo de saber especializado. Contudo, o que levará a especificidades dos argumentos utilizados em dado empreendimento será o tipo de pretensão de validade levantada, o que não desqualifica a existência de saberes culturais especializados, cuja pretensão de validade da proposição adstrita a esse saber adquire também a exigência de obedecer razões institucionalizadas. Nesse sentido: “Na verdade, as argumentações distinguem-se de acordo com o tipo das

pretensões que o proponente tenciona defender. E as pretensões variam de acordo com os contextos de ação. (...)

Assim, Toulmin faz distinção entre o esquema geral em que fixa as marcas invariantes de argumentos, de campo a campo, e as regras de argumentação especiais que dependem de um campo em particular e são constitutivas dos jogos de linguagem ou ordenações da vida nos campos da jurisdição, medicina, ciência, política, crítica de arte, administração de empresas, esportes, etc. Não podemos julgar a força dos argumentos, nem entender a categoria das pretensões de validade a cuja solução eles se destinam, se não entendermos o sentido do respectivo

empreendimento que cabe apoiar por meio da argumentação. (...) Certamente há uma ambiguidade nessa

tentativa de atribuir multiplicidade de tipos de argumentação e pretensões de validade a “empreendimentos racionais” diversos e a “campos de argumentação”, respectivamente institucionalizados. Não fica claro se essas totalidades de direito e medicina, ciência e administração, arte e engenharia podem ser delimitadas entre si apenas de maneira funcional, por via sociológica, por exemplo, ou também de maneira lógico-argumentativa. (...) Afinal, Toulmin concebe esses ‘empreendimentos racionais’ como manifestações institucionais de formas de argumentação que cabe caracterizar internamente, ou ele diferencia os campos de argumentação somente segundo critérios institucionais? Toulmin tende a esta segunda alternativa, sobre a qual incide um ônus da prova menor.(...) Campos argumentativos como medicina, administração de empresas, políticas, etc. referem-se em essência a exteriorizações aptas á validade; eles se distinguem, porém, em sua remisssao à práxis. (...)Essas e outras reflexões depõem contra a tentativa de transformar a manifestação institucional de campos de argumentação em fio condutor da lógica da argumentação. As diferenciações externas tratam antes de enfocar diferenciações internas entre formas diversas de argumentação, inacessíveis a uma consideração que se adapte a funções e fins próprios a empreendimentos racionais. Formas de argumentação diferenciam-se de acordo com pretensões de validade universais; e estas são reconhecíveis somente em meio ao contexto de uma

empreendimento que conduzirão a especificidades na argumentação.

A teoria de Toulmin fornece uma boa sistematização da estrutura de argumentos utilizada na prática argumentativa e de seus níveis de fundamentação. Habermas a utiliza, aprimorando-a, por meio da corporificação da racionalidade cognitiva e instrumental, prático- estética ou de sistemas culturais especializados, através da sua pragmática-universal e da sua sistematização de pretensões de validade, as quais são criticadas ou aceitas através de argumentos adstritos à sua condição de validade, em empreendimentos argumentativo- discursivos.