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Da existência de respostas corretas a juízos interpretativos

2. RACIONALIDADE E CORREÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS NA

2.3 Da existência de respostas corretas a juízos interpretativos

Dworkin é um interpretativista e é com base nesse enfoque teórico que defenderá a existência de respostas corretas para juízos interpretativos. A existência de respostas corretas a casos jurídicos é resultante de sua base hermenêutica.

Chegará Dworkin à conclusão de que há conceitos interpretativos os quais, embora demandem um certo consenso na etapa pré-interpretativa, não exigem concordância para sua correção, mas sim fundamentação, esta propiciadora de justificativas racionais.

O intérprete pautar-se-á, em um juízo hermenêutico seu, na melhor teoria normativa prévia, que melhor propicie uma dimensão formal - condutora de integridade, coerência e unidade- e uma dimensão substancial- com a melhor realização valorativa da prática- à interpretação.

Ronaldo Porto69 realiza ponderações que nos auxiliam a compreender a atitude interpretativa proposta por Dworkin e sua complexa aferição de objetividade interpretativa.

Quando descrevemos um empreendimento complexo como um empreendimento artístico ou jurídico utilizamos como premissa de análise conceitos que se reportam a práticas socialmente convergentes e compartilhadas de reconhecimento deste mesmo empreendimento. Se queremos entender, por exemplo, o conceito de filme devemos observar as práticas linguísticas e não linguísticas de reconhecimento de filme. Rambo é um filme? Missão Impossível é filme?

Essas práticas convergentes e compartilhadas refletem uma conjunção de parâmetros em cuja ausência não poderíamos afirmar que os indivíduos abordam o mesmo objeto quando usam a palavra filme. Há, assim, um conceito socialmente compartilhado de filme. Poderíamos, então, dizer que Monalisa é um filme? Não, esta análise não passa pelo fit. Devemos pressupor uma teoria da identidade do empreendimento, uma teoria relativa ao que seja um filme. Mas isso não é suficiente em uma interpretação. Vejamos o exemplo que o professor propõe para explicar a atitude interpretativa em Dworkin.

Ronaldo Porto70 propõe como exemplo a aferição de qualidade do filme Laranja Mecânica. Duas pessoas divergem sobre ser Laranja Mecânica um bom filme. Primeiro. Necessitaremos de uma teoria acerca do que é um filme. Além disso devemos entender que Laranja Mecânica é um filme com finalidades artísticas e não um filme de ação. Para que

69 Ver PORTO, Ronaldo. Como levar Ronald Dworki a sério ou como fotografar um porco-espinho em

movimento in GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2010.

70 PORTO, Ronaldo. Como levar Ronald Dworki a sério ou como fotografar um porco-espinho em movimento in

exista sentido nesse diálogo é necessário que partilhemos minimamente o conceito de filme e de filme artístico. Devemos apresentar uma teoria de concepção de filme artístico que seja a mais ajustada, isto é, uma teoria mais abrangente de casos paradigmáticos com correspondência às práticas compartilhadas. Além de fazer menção ao conjunto de casos paradigmáticos, uma boa teoria deve ser capaz de dar a melhor explicação sobre o valor de filme artístico pressuposto por este conjunto de filmes artísticos. Disso resulta que a compreensão de um filme da melhor forma exigirá uma hipótese artística. Essa hipótese artística terá por uma concepção do que seja arte, filme, filme artístico. Dela emergirá o sentido que o intérprete atribui ao empreendimento.

Os intérpretes quando fazem suas análises acham que as suas interpretações são melhores e não apenas diferentes daquelas que rejeitam e são coerentes em suas explanações. Dworkin questiona: quando duas pessoas divergem sobre a interpretação de uma prática é razoável pensar que uma delas está certa e a outra errada? Dworkin pergunta se é possível um ponto de vista interpretativo ser objetivamente melhor do que outro quando eles são não apenas diferentes, mas contraditórios e conclui pela possibilidade de objetividade da correção interpretativa.

Segundo Dworkin, a intelecção adequada de uma prática demandará a consideração de seu point, da teia de intencionalidades que coordena o sentido do empreendimento. A análise de Dworkin acerca da necessidade de ajuste (fit) e consideração do point, da teia de intencionalidades que coordena o sentido do empreendimento levará a possibilidade de interpretações distintas que podem ser avaliadas em sua correção, podendo uma análise ser melhor do que a outra.

Uma interpretação poderá, então, ser melhor do que outra no seguinte sentido: para Dworkin uma concepção é mais adequada do que outra quanto melhor se ajusta aos paradigmas socialmente compartilhados desse mesmo conceito e de maneira que seja capaz de descrever essas práticas paradigmáticas da forma mais coerente. Para Dworkin, a interpretação, com devida atenção do point e através do fit, conduz o intérprete a resposta correta.

No exemplo proposto por Ronaldo Porto duas pessoas discordaram sobre a qualidade do filme Laranja Mecânica. João diz que Laranja Mecânica não é um bom filme pois nele há poucas cenas de ação. Maria não concorda com a posição de João de que Laranja Mecânica não é um bom filme. As duas pessoas adotaram concepções rivais de bom filme. Qual maneira de ver a obra a revela como melhor obra de arte? Devemos reconstruir e testar argumentativamente as melhores concepções. Chegaremos à conclusão de que Laranja

Mecânica é um bom filme não quando visto como filme de ação, mas sim como análise da cultura da violência e do vazio existencial da sociedade contemporânea e esse seria o seu melhor point interpretativo.

Essas considerações nos auxiliam a compreender o que Dworkin entende por interpretação e como isso se articula com sua teoria do direito, a qual, tomando por base a visualização do direito como um conceito interpretativo, busca chegar a melhor concepção dos fundamentos jurídicos que conduza a respostas certas para problemas práticos de interpretação jurídica.

A engenhosidade do pensamento dworkiano parte justamente da concatenação do modo de operar do pensamento hermenêutico segundo sua teorização, com o modo como teoriza o direito como concepção hermenêutica, a qual conduz a uma objetividade, segundo o viés hermenêutico sustentado, como que em uma exigência própria da abstração.

Vemos que em Dworkin o modo de análise da correção de uma interpretação não é determinado pelo consenso ou acordo social prévio, mas a objetividade da correção é feita de forma hermenêutica.

Como bem ressalta Ronaldo Porto71, o próprio critério que determina ser uma interpretação melhor do que outra é também interpretativo, razão pela qual jamais saímos do jogo da argumentação e interpretação.

Dworkin verifica a correção argumentando e defendendo uma teoria acerca de qual seja a reconstrução teórica (concepção) que coloca a prática jurídica em sua melhor luz, sendo no seu ver a mais bem ajustada e coerente.

Dada a importância dessa compreensão para o entendimento da obra de Dworkin, coloquemos na íntegra as palavras de Ronaldo Porto no corpo da presente dissertação:

71 PORTO, Ronaldo. Como levar Ronald Dworki a sério ou como fotografar um porco-espinho em movimento in

GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2010, VI e VII: “Para Dworkin, as controvérsias que podem surgir quando interpretamos um empreendimento artístico são inevitáveis e raramente encontramos um consenso em torno de qual delas seria a melhor interpretação. Isto, contudo, não equivale a afirmar que todas as possíveis interpretações são igualmente boas ou válidas. Mas se não há consenso, como afirmar que alguma delas seria melhor, correta ou superior? Para ele, sempre que descrevemos um empreendimento complexo como o empreendimento artístico ou jurídico, tomamos por base conceitos que se reportam a práticas socialmente convergentes e compartilhadas de reconhecimento deste mesmo empreendimento. (...) Para Dworkin uma concepção é melhor que outra, e não apenas diferente, quando mais se

ajusta adequadamente (fit) aos paradigmas socialmente compartilhados desse mesmo conceito e é capaz de

descrever as práticas paradigmáticas de maneira mais coerente. Coerência e ajuste adequado são, assim, critérios também socialmente compartilhados, que nos permitem avaliar e julgar a superioridade de concepções rivais sobre o mesmo conceito.Dworkin afirma que muitas controvérsias interpretativas giram em torno de divergências teóricas ancoradas em concepções concorrentes de uma mesma prática. Tais controvérsias tem a sua origem em diferenças teóricas e não em meras confusões ou incomunicaçoes (simulacros de comunicações).”

Para ele (Dworkin) não é o mero consenso ou a falta dele que servem de critério para determinar objetivamente o que é a interpretação correta de um empreendimento interpretativo ou mesmo a melhor concepção de um conceito interpretativo. Ainda que seja necessário partir de práticas compartilhadas (paradigmáticas) a interpretação não se exaure nesse momento de reconhecimento de práticas convencionais. Para além delas, é necessário enxergar qual reconstrução teórica (concepção) que melhor a descreve (mais bem ajustada e coerente). O critério para a melhor concepção não é convencional por si mesmo, mas antes argumentativo, muito embora se apoie em regras sociais em algum momento. Uma interpretação é melhor não porque é aceita pela maioria ou se ancora na concepção dominante, mas porque em seu apoio existe a melhor justificação ou argumentação racional. Note-se, contudo, que o próprio critério que faz uma justificação melhor que a outra é ele mesmo interpretativo, razão pela qual jamais saímos do jogo da argumentação e interpretação. A objetividade apresentada por Dworkin não tem exterior, não é definida ‘a partir de lugar nenhum’, a partir de um ponto de vista arquimediano, mas é antes um empreendimento compreensível apenas a partir de seu aspecto interno, isto é, de dentro do próprio jogo argumentativo. (PORTO, 2010) Dworkin sustenta, portanto, ser possível a análise da correção de interpretações criativas. Pode, para ele, haver uma resposta certa a questões de valor estético, moral ou social.

Para Dworkin uma interpretação moral pode ser objetiva, se por objetiva entendermos o sentido de correção. Esta é também uma posição interpretativa. Como sustenta, argumentos a favor da objetividade de argumentos morais são argumentos morais.

A correção de uma proposição, como já dito, não depende de uma teoria da verdade de simples fato, derivada do consenso, nem da imutabilidade do valor. A verdade se avalia através da análise das justificativas que sustentam a proposição, embora, claro, se exija um quase consenso em proposições mais abstratas que conduzam ao raciocínio.

Se Dworkin diz:

Acredito que a escravidão é injusta nas circunstâncias do mundo moderno. Tenho argumentos a favor desta visão, embora saiba que se esses argumentos fossem contestados eu teria de me apoiar em convicções para as quais não tenho nenhum argumento direto. Se por objetividade entendêssemos concordância ou demonstrabilidade física não acreditaria que a escravidão e objetivamente injusta. Mas isso não afeta meu julgamento de que a escravidão é injusta. Nunca pensei que todos concordariam. (DWORKIN, 2007, p.99)

Logo: a escravidão é injusta para Dworkin pois nenhum argumento pode persuadi-lo do contrário, isto é, que a escravidão não é injusta. Sua justificativa também resulta de uma resposta racional que dificilmente um interlocutor, de boa-fé, pelo menos no ocidente, contestaria, manifestando uma posição a favor da escravidão e da aceitação em praticá-la. Se assim o fizesse, seria uma exceção ao quase consenso em torno do paradigma de que a escravidão é exemplo de injustiça e iniquidade.

Dworkin. A escravidão é injusta e as pessoas que no passado acreditavam que a escravidão fosse justa estavam erradas. É o seu posicionamento. O questionamento acerca da origem cultural ou metafísica dos juízos morais é inócua à tarefa argumentativa que se persegue.

Um vegetariano, por exemplo, pode dizer ser errado matar animais para nossa alimentação, pois podemos obter outras fontes de nutrientes e em sua interpretação do empreendimento moral é errado eliminar qualquer forma de vida e impor sofrimento a seres sencientes72. Embora não exista uma regra social acordada nesse sentido para ele esta é a melhor forma de ver este empreendimento, mesmo admitindo que atualmente são poucos os homens que reconhecem tal regra ou tal dever. Não é o fato da maioria achar errado que torna um comportamento errado para ele. Entendemos o vegetariano, seu discurso tem sentido, embora seus paradigmas não sejam hoje dominantes. Pode ser que um dia sua interpretação dê origem a um caso de moralidade concorrente, como é hoje, pelo menos no mundo ocidental, a correção em torno da injustiça da escravidão.

É nesse sentido hermenêutico que entendemos a problemática das respostas corretas para Dworkin.

Desta teoria de objetividade da interpretação criativa, Dworkin argumenta contra a alegação positivista de que não podem existir respostas certas a questões jurídicas polêmicas, pois para ele “na maioria dos casos difíceis existem respostas certas a ser procuradas pela razão e pela imaginação”73.

Como diz o autor, seu posicionamento não quer dizer que nos casos difíceis exista uma resposta certa que possa ser demonstrada para todos como corretas ou que não haja divergência entre os juristas sobre qual a resposta correta. O que enfatiza é que a impossibilidade de demonstração não implica o intérprete que não pode ter ou não razão ao considerar certa uma resposta.

O objeto de uma interpretação construtiva é fazer de um objeto “o melhor” que ele pode ser.

Dworkin quer fazer isso com o Direito. Como prática social que é, a melhor forma de compreender o raciocínio cognitivo da teoria do direito é através da interpretação. Interpretar o direito exige uma teoria prévia que o coloque em sua melhor luz. Esta teoria prévia o conduzirá ao valor político do direito, levando-o a formular uma concepção que melhor propicie a realização da finalidade que vê no direito. Esta finalidade será vista por Dworkin como a concretização de uma igualdade especial, a igual consideração e respeito que

72 Ver DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p.84. 73 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. XIII.

merecem os membros de uma comunidade política. Assim se promoverá, para o autor, em sua melhor luz a legitimação estatal.

Dworkin é um interpretativista. A correção e a objetividade estão relacionadas a uma teoria da verdade hermenêutica. Esta interpretação individual, do ser humano como ser hermenêutico, pode ganhar aderência, concordância e se tornar paradigmática no âmbito comunitário, conforme pela argumentação perceba-se que os ajustes em níveis abstratos de raciocínio conduzam a proposições que ganhem aderência como acordos racionais intersubjetivamente partilhados no mundo da vida da comunidade. Por isso entendemos necessária a passagem do enfoque hermenêutico ao âmbito pragmático discursivo.

Compreendido o seu enfoque interpretativista e o seu método hermenêutico, passemos às suas análises interpretativas do direito. Comecemos com a diferenciação efetuada pelo autor entre conceito e concepção que o leva a formular um conceito de direito, a elencar duas concepções jurídicas dominantes (pragmatismo –realismo- e convencionalismo –positivismo) e a formular uma concepção de direito que entende ser capaz de colocar a prática jurídica em sua melhor luz.

2.4 Conceito e Concepção. A proposta de Dworkin ao conceito e às principais concepções