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2.4 Políticas públicas de informação

2.4.1 A Lei de acesso à informação

O direito de acesso à informação é um tema relativamente novo no cenário internacional e nacional e, portanto, ainda encontra-se em fase de consolidação. Dada a importância do tema, nas últimas duas décadas, houve um crescente movimento de criação, revisão e atualização das leis de acesso à informação em países das Américas, da Europa, da África e da Ásia.

O primeiro país que se tem como certo o acesso à informação é a Suécia, com a sua Lei de Liberdade de Imprensa, promulgada em 1776. Porém somente no início do século XX é que se intensifica pelo mundo a discussão sobre o direito de acessar informações em poder do Estado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas – ONU em 10 de dezembro de 1948 é assim, o primeiro instrumento normativo a tratar de forma mais incisiva o direito à informação, ao estabelecer em seu artigo 19 que:

Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, Art. 19)

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos6, instrumento firmado em 1966, e constituinte da Carta Internacional dos Direitos Humanos ao lado da Declaração Universal dos Direitos Humanos, também assinala em seu artigo 19 que:

Toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de toda a índole sem consideração de fronteiras, seja oralmente, por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo que escolher. (Resolução N.º 2200-A (XXI), de 16 de Dezembro de 1966.)

O reconhecimento do direito de acesso à informação pública pela Declaração Universal dos Direitos Humanos levou diversos países a adotarem suas regulamentações nacionais. Até o final do século passado, somente 32 países contavam com Leis que garantiam aos cidadãos o direito de acesso à informação pública. Porém é no início desse século que há um avanço na consecução dessas políticas pelas diversas nações ao redor do mundo.

6 Ratificação em adesão pela Assembleia Geral das Nações Unidas pela Resolução N.º 2200-A (XXI), de 16 de

Em 2009, 70 leis dessa natureza já haviam sido adotadas em nível global. Hoje mais de uma centena de países (mais precisamente 111) já contam com uma legislação nacional que permite o acesso à informação pública, com destaque para a América Latina que é o continente que mais avançou neste tema, superando até mesmo certos países da União Europeia, de acordo com o recente relatório da Unesco "Acesso à Informação: Lições da América Latina" (ORME, 2017).

Sri Lanka, Togo, Vietnam e Filipinas foram os últimos países a adotarem as suas leis de acesso à informação, isso em 2016.

Com grande atraso em relação aos países centrais e da América do Sul, o Brasil foi o 90º país a sancionar a sua Lei de Acesso à Informação (LAI). Embora a Constituição Federal promulgada em 1988, previsse como direito dos brasileiros o acesso à informação produzida e em posse do Estado, inexistia, até 2011, instrumento legal que regulamentasse efetivamente essa matéria da carta magna.

Instituída 26 anos após o retorno do país ao regime democrático, a Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011, regulamentada pelo Decreto 7.724 de 16 de maio de 2012, também conhecida como Lei de Acesso à Informação, passou a vigorar seis meses depois e veio a regulamentar o artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal, que diz:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (CF, 1988, Art. 5º)

A Carta Magna, promulgada em 1988, oferece ainda, dispositivos fundamentais à instalação de um novo patamar jurídico para o acesso à informação governamental: os direitos do cidadão têm como contrapartida os deveres da administração pública no sentido de viabilizar o acesso à informação, tal como previsto no Art. 216, parágrafo 2º que diz: “Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”.

Com o advento da LAI o Brasil agora possui uma legislação infraconstitucional que regulamenta esse direito de forma mais completa. A Lei legitima o acesso à informação como um direito, entendido como parte dos conjuntos dos Direitos Humanos. Dotti (1980) aponta que:

O Direito à Informação é um direito universal, inviolável e inalterável do homem moderno, posto que está fundado na natureza humana. Ele se movimenta na forma ativa e passiva: de uma parte a procura de informações e, de outra a possibilidade em favor de todos de receber. (DOTTI, 1980, p. 165).

A lei brasileira de acesso à informação é considerada uma das leis mais avançadas do mundo em função de, pelo menos, três aspectos:

O primeiro alude a sua abrangência, considerada muito ampla por incorporar em seu escopo os órgãos e entidades públicos dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) da esfera federal bem como aqueles que integram os governos estaduais e municipais, além das entidades não governamentais que recebem recursos públicos por meio de convênios ou termos de parceria.

O segundo aspecto refere-se à obrigatoriedade estabelecida pela Lei Brasileira de que os dados e informações públicas sejam disponibilizados ao cidadão em formato aberto, não proprietário, a fim de viabilizar um acesso livre de impedimentos legais, via software público.

Finalmente, o terceiro aspecto, que a coloca no conjunto das mais avançadas do mundo, concerne à determinação de que a disponibilização das informações públicas cumpram os requisitos de acessibilidade para permitir que todos os cidadãos, independentemente de sua condição, possam acessá-las. (CGU, 2011).

De acordo com o Global Rith to Information Rating, atualmente o Brasil encontra-se classificado em 22º lugar dentre os 111 países7 que possuem leis nacionais de acesso à informação, superando nações desenvolvidas como a Suécia (berço ideológico do Direito à Informação), Canadá, Alemanha e Portugal. Ressalta-se que essa classificação se limita a qualificar o texto da Lei, não avaliando, portanto, a qualidade da sua execução. Sublinha-se que nesse ranking a lei do México é a melhor posicionada.

O direito à informação e o acesso às informações públicas são temáticas que estão atualmente em destaque em diversas áreas do conhecimento, dentre elas a Administração Pública, Arquivologia, Ciências Sociais, Ciência da Informação, Direito e outras, Sobretudo nos últimos seis anos com a aprovação da LAI e a criação da Comissão Nacional da Verdade, em novembro de 2011, que evidenciaram a notoriedade deste tema não só no campo acadêmico, mas na grande mídia.

Considerando o Estado como uma instituição ou organização pública, entende-se que as informações por ele produzidas também constituem um insumo básico a ser gerido, haja vista, facilitar as decisões a serem tomadas e a efetiva elaboração de políticas, programas e gestão governamental. O Estado é produtor de uma grande quantidade de informações que interessam a sociedade e não deve agir como proprietário e sim como uma espécie de

depositário, já que as informações produzidas e guardadas por ele foram criadas para atender as finalidades públicas.

Jardim (1999) aponta que Estado e informação são elementos indissociáveis ao afirmar que:

[...] o Estado moderno constitui-se numa das maiores e mais importantes fontes de informação. Seu complexo funcionamento relaciona-se diretamente com a sua ação produtora, receptora, ordenadora e disseminadora de informações. (JARDIM, 1999, p. 29).

No entanto, a informação produzida e gerenciada pelo Estado, diferentemente das organizações privadas, devem servir como prova das decisões estatais em favor de melhorias para a população. O Estado deve tornar públicas suas informações no sentido de garantir que os direitos e deveres dos cidadãos sejam efetivados (FÍGARO, 2000).

A autora acima citada disserta que a informação, sobretudo, a informação produzida nos órgãos públicos, deve ser considerada um bem público, devendo estar disponibilizada e sendo acessada pelos cidadãos, uma vez que representa as bases fundamentais para constituição da cidadania. Esse é o cerne da LAI.

O processo de implementação da LAI no Brasil vem exigindo a modernização de vários mecanismos de gestão da informação nos órgãos públicos. Segundo Silva e Souza (2012, p.17), destacam- se, dentre outros:

1) a revisão e o aprimoramento da política de gestão documental; 2) a necessidade de implantação de gestão eletrônica de documentos;

3) a sistematização de medidas mais transparentes para a classificação de informações sigilosas;

4) a profissionalização do atendimento aos pedidos de solicitação de acesso à informação pelos cidadãos; e

5) a ampliação da utilização de tecnologia da informação na relação intragentes públicos e entre esses e os cidadãos, a exemplo dos Governos Eletrônicos e da utilização de formatos abertos para disponibilizar as informações públicas

No recente processo de implantação da Lei na Administração Pública Federal, todos esses processos foram mobilizados, demonstrando elevado potencial para o desenvolvimento de oportunidades de melhorias no processo da gestão da informação, que, por meio de um círculo virtuoso, é capaz de contribuir com a melhoria da qualidade da gestão pública.

Na administração pública brasileira há uma crescente utilização de recursos informacionais para a geração de produtos e serviços demandados e ofertados à sociedade. Não obstante a necessidade cotidiana de implantar mecanismos eficientes para a gestão de

seus processos e projetos, as organizações públicas se viram obrigadas, com a entrada em vigor da Lei a produzir, organizar e fornecer à sociedade informações públicas em prazos consideravelmente exíguos para a tradição do Estado brasileiro.

Vale salientar que a Lei não usa o termo “informação pública”; apenas “informação” como sendo os “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato” de posse de órgãos públicos. (BRASIL, 2011). Também não faz distinção entre informação governamental e pública, talvez por prever o acesso às informações de setores não-públicos que recebem verba pública. Caso, por exemplo, das entidades da sociedade civil.

Após o surgimento da Lei, as demandas de acesso à informação tiveram maior visibilidade pelos usuários, tornando-os mais exigentes em suas solicitações, consequentemente, cobrando do serviço público um atendimento mais completo e de acordo com a legislação. O Estado, por outro lado, teve que aprimorar a qualidade dos seus serviços, atendendo aos preceitos legais, garantindo direitos fundamentais aos cidadãos, de modo a viabilizar o acesso e acessibilidade às informações públicas com maior transparência e rapidez.

Jardim (2013) considera que no Brasil a LAI atingirá seus objetivos se houver, primeiramente, uma gestão efetiva das informações públicas, sendo necessário para tal a consolidação de políticas direcionadas para a questão da disponibilização, acesso e uso da informação pública solicitada. Porém, para o autor, a nova legislação, se não for acompanhada por uma política pública de fiscalização de sua implementação, dificilmente será suficiente para a ampliação do acesso às informações governamentais.

Segundo o Centro de Arquivos e Acesso à Informação Pública (CAINFO8) existe um consenso sobre a necessidade de que as leis de acesso à informação venham acompanhadas de um esquema institucional adequado não apenas para o cumprimento coativo do direito, como também para coordenar os esforços de implementação e orientação de políticas no interior da administração e de disseminação na sociedade, de modo a assegurar coerência e sustentabilidade a esta política (CAINFO, 2012, p. 14).

Com a aprovação da Lei, abrem-se as condições para a implementação de uma política pública capaz de garantir esse direito no contexto do Estado brasileiro. Entretanto, a legislação é condição necessária, porém insuficiente para garantir esse direito. Restam ainda

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O CAINFO é uma organização Uruguaia, sediada em Montevidéu, sem fins lucrativos. Desde a sua fundação em 2008, dedicou-se à promoção e defesa do direito à informação, à liberdade de expressão e à participação dos cidadãos.

muitas regulamentações, que possibilitem a existência (de fato) de uma política pública que garanta o direito de acesso à informação.

Segundo Cury (2000), a legislação apresenta-se como “uma forma de apropriar-se da realidade política por meio de regras declaradas, tornadas públicas, que regem a convivência social de modo a suscitar o sentimento e a ação da cidadania”. (CURY, 2000, p.14-15).

O grande desafio que o país enfrenta agora é o de assegurar sua efetiva implementação, enfrentando questões culturais, técnicas, administrativas e políticas para a operacionalização de um sistema eficiente de acesso às informações públicas.

Destacamos aqui que a LAI trouxe uma contribuição positiva à área da informação, especificamente, na discussão sobre o acesso de documentos públicos pelo cidadão quando necessário.

A LAI foi bem avaliada por estudiosos de uma forma geral, tendo como principais pontos positivos a abrangência das esferas, incluindo os três Poderes e níveis de governo, e a afirmação de que o acesso passa a ser regra e o sigilo é a exceção.

O ponto negativo mais citado é a inexistência de um órgão externo e isento para tratamento dos recursos e para normatizar o acesso às informações, além de função especializada no campo da informação, conforme previsto pelos padrões internacionais.

Por outro lado, os estudos que avaliam a execução da lei apontam que melhorias podem ser implantadas, especialmente no que diz respeito à conformidade do direito de acesso à informação, isto é, ao atendimento dos objetivos da lei, indo além do cumprimento das normas, buscando a efetivação do direito de acesso.

Dentre outros pontos a serem observados destacamos que ela gera uma discussão acerca da capacidade que os órgãos públicos têm em dar acesso a essas informações, uma vez que para que esse direito seja exercido são necessárias políticas de gestão eficientes, que possibilitem a recuperação da informação de forma rápida e segura, assim como profissionais capacitados para gerenciá-las.

Outra questão diz respeito à “mudança cultural” da burocracia. Essa mudança envolve uma série de fatores necessários à implementação da referida Lei. Dentre algumas, podemos citar a capacitação dos servidores, estabelecimento de metas, recursos físicos, financeiros e materiais, tecnologia dentre outros.

A nova Lei de Acesso à Informação é só um passo de todo um processo de formação de uma política de acesso à informação que começa a se desenhar no cenário nacional, por clara influência da comunidade internacional e da burocracia estatal (PAES, 2011).

Adentrando na discussão da Lei na administração pública, percebemos que há uma preocupação das instituições em promoverem o acesso à informação pelos cidadãos, as quais fazem uso dentre outras coisas, das tecnologias disponibilizadas no mercado, facilitando e agilizando essas informações.

Analisando o problema da gestão da informação no âmbito das instituições públicas, a situação é bastante alarmante e tem sido encaminhada com seriedade pelas instituições brasileiras. Considera-se para tanto o fato da escassez de estudos que comprovem a eficácia ou não da LAI, apesar de uma Lei bem recente, bem como a possível falta de políticas de gestão da informação em organizações públicas.

Dentre as muitas instituições públicas encontram-se as universidades e especificamente as IFES, que também possuem obrigações para com a população, no que se referem ao papel fundamental na garantia do acesso à informação, recebendo influências diretas da LAI.

Além desses aspectos, deve-se ressaltar a ausência de políticas informacionais no Estado Brasileiro. Esta situação leva à produção, sem critérios, de volumosos estoques informacionais que, insuficientemente gerenciados, comprometem a qualidade do processo político-decisório governamental e o direito de acesso do cidadão às informações.

A Controladoria Geral da União considera dois grandes desafios para implementação do acesso à informação pública no Brasil: primeiro, o aprimoramento dos processos de gestão da informação; o outro desafio diz respeito à cultura organizacional das instituições públicas que tratam a informação governamental como se fosse de acesso restrito, o que desfavorece o seu acesso. (CGU, 2011).

Batista (2010) elenca três dificuldades que inviabilizam o acesso às informações no âmbito dos órgãos públicos brasileiros: A primeira relaciona-se com a dificuldade de acesso físico ao documento público, devido à falta de padronização em sua organização, bem como ao fato da grande quantidade de informações produzidas e sem qualquer gerenciamento; A segunda refere-se à linguagem de difícil compreensão utilizada nos documentos públicos, o que dificulta ao cidadão a apropriação intelectual dessas informações. Por fim, a autora menciona a dificuldade nos mecanismos utilizados pelo Estado para comunicar ou publicizar seus atos à sociedade, que, por vezes, é ocioso e marcado pelo excesso de informações, impossibilitando ao cidadão a adequada assimilação.

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