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Capítulo 3 Brasil: política, economia, educação e psicologia

3.3 Terceiro período (1996-1999): A consolidação do neoliberalismo

3.3.1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996

No cenário do auge da implementação da agenda neoliberal, o Brasil tem promulgada sua nova LDBEN, cujo texto, vale frisar novamente, foi fruto de um substitutivo na Câmara Federal que solapou toda a discussão ampla e democrática travada com a sociedade brasileira. De modo geral, a nova lei garantiu os interesses dos grupos privatistas e conservadores, mas também absorveu algumas das conquistas indicadas na Constituição de 1988.

O enfrentamento histórico entre os privatistas e os defensores da escola pública voltou à cena neste período. Exigia-se do Estado que o investimento público fosse usado essencialmente no setor público, propondo encerrar o financiamento do Sistema S39, das escolas e universidades enquadradas como filantrópicas (encontravam-se nessa definição praticamente todas as universidades confessionais), além de outros tipos de financiamento para o setor privado. Tal reivindicação causou furor e provocou uma reação imediata em segmentos da sociedade que, há décadas recebiam dinheiro público em negócios privados.

Conforme a nova LDBEN, o ensino passa a se organizar da seguinte maneira: educação básica, que abrange o Ensino Fundamental (7 a 14 anos), e o Ensino Médio (15 a 17 anos) e educação superior. A educação infantil abrange a creche (0 a 3 anos) e a pré-escolar (4 a 6 anos) Entre as inovações destacam-se:

- Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria. Isso garante o direito dos jovens e adultos a uma educação gratuita, seja ela na modalidade de educação de jovens e adultos ou não, sendo dever do Estado ofertá-la;

39 Termo que define o conjunto de organizações das entidades corporativas voltadas para o treinamento

profissional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica, que além de terem seu nome iniciado com a letra S, têm raízes comuns e características organizacionais similares. Fazem parte do sistema S: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac). Existem ainda as seguintes entidades: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de Transporte (Sest).

- progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio;

- oferta de ensino para jovens e adultos com características e modalidades adequadas aos trabalhadores dando condições de acesso e permanência,

- proposta de um sistema nacional de avaliação, embora a aplicação no Brasil deste sistema tenha acompanhado, à época, mais aos interesses externos do que ao planejamento e avaliação com vistas à melhoria da educação, tendo sofrido sucessivos boicotes à sua aplicação.

- a indicação da produção de diretrizes norteadoras da educação nacional, - a indicação da criação de um sistema nacional de educação.

A legislação não contemplou muitas das reivindicações feitas pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Ela regulamentou alguns pontos importantes, mas deixou em aberto outros que poderiam propiciar análise e intervenção mais profunda na realidade brasileira.

O governo Fernando Henrique, contudo, apresenta o êxito de universalizar a matrícula no Ensino Fundamental no país, feito alcançado com auxílio de medidas do Ministério Público, via Conselhos Tutelares que assumiram a tarefa de fiscalizar a garantia do direito à educação dos 7 aos 14 anos, imputando responsabilidade legal aos pais e ao poder público que não garantissem o acesso à educação, em consonância com a Constituição de 1988. No entanto, os altos índices de abandono e de defasagem idade-série continuavam alarmantes. Entre 1997 e 2002 o índice de conclusão do Ensino Fundamental aos 15 anos, ainda que tenha melhorado, permaneceu muito baixo, passou de 21,1% para 37,3% (INEP, 1997/2002).

A Síntese de Indicadores Sociais de 2000, publicada pelo IBGE, nos indica que em 1999:

- o índice de analfabetismo para pessoas com 15 anos ou mais era de 13,3 %, um índice alto considerando que vários programas de alfabetização, alguns com financiamentos volumosos, foram realizados no país;

- a taxa de analfabetismo funcional para pessoas com 15 anos ou mais era de 29,4%. Isso significa que o ensino ofertado não tinha a qualidade necessária, havendo escolarização sem acesso ao conhecimento;

- a taxa de escolarização para pessoas de 7-14 anos era de 95,7%, do segmento, com um destaque que para a parte mais pobre da sociedade brasileira a média era de 92,5% e do segmento mais rico 98,9%. Não se observava uma diferença acentuada em função da obrigatoriedade legal do ensino de 7 a 14 anos;

- a taxa de escolarização para pessoas de 15-17 anos era de 78,5%, com um destaque que o segmento mais pobre da sociedade brasileira a taxa era de 68,6%, e da mais rica, 92,5%. Aqui já podemos constatar a desigualdade mais acentuada em função da classe social, demonstrando efetivamente que a escolarização ficou longe de ser possibilitada para todos igualmente;

- a taxa de escolarização para pessoas de 18 e 19 anos era de 51,9%, sendo que para pessoas de 20-24 anos era de 25,5%. Se tomarmos as faixas-etárias anteriores, observamos uma queda abrupta em cada nível que demonstra a seletividade do processo de escolarização;

- a taxa de defasagem idade/série é um dos dados que exemplificam mais as desigualdades educacionais: já aos 8 anos, há uma defasagem significativa de 33,8%, isso corresponde, possivelmente, aos alunos que ficam retidos na 1ª série do ensino fundamental. Aos 9 anos – 45,2%, 10 anos – 49,8%, 11 anos – 55,7%, 12 anos – 62,2%, 13 anos – 66,8, e quando chegamos aos 14 anos de idade, 72,7% dos jovens estão fora da série correspondente para sua idade. Isso é gravíssimo, considerando que ao completar 14 anos, o Estado desobriga o jovem de frequentar a escola. Tal índice de defasagem idade/série explica, em parte, o baixo índice de entrada no ensino médio;

- a média de anos de estudos de indivíduos de 10 anos ou mais era de 5,8 anos.

Além disso, havia o grave problema da formação de professores, pois, à medida que se ampliava as vagas na educação pública, a despeito de terem ocorridos cursos de capacitação coordenados pelo Ministério de Educação, crescia o índice de professores sem formação adequada. Em 1997, com o “primeiro Censo do Professor em âmbito nacional, o número total de leigos que atuavam nas séries iniciais do ensino fundamental do país era de 74.965, isto é, 12,2% do número total de professores que atuavam neste nível” (SUMIYA, 2005, p. 108). Ainda de acordo com Sumiya, no Norte este índice era de 25,7% e no Nordeste de 22,3%, sendo que no Sudeste o índice era de 1,7%, destacamos que em 1999 do total de professores das quatro séries iniciais do Ensino Fundamental, 87.625 tinham apenas o Ensino Fundamental como formação, destes, 57.097 eram do Nordeste, 19.931 da região Norte, e 2.431 no sul. Esses dados de 1997 e 1999 nos mostram a falha da política nacional nestes quarenta anos de expansão do Ensino Fundamental e explicita a dimensão da desigualdade entre as regiões do país. No Ensino Médio, havia 0,2% de professores que não tinham sequer o Ensino Fundamental, os que tinham somente o nível equivalente completo chegavam a 11,9%, estes dados de um total de 401 mil professores. (MEC-INEP, 1999)

Os índices mostram o problema crônico da educação brasileira. Apesar da universalização do acesso, os sistemas mantêm baixa qualidade e não conseguem garantir a

permanência dos alunos. Em síntese, há uma dificuldade, em nível bastante elevado, em se concluir o processo de escolarização da Educação Básica.