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Capítulo 3 Brasil: política, economia, educação e psicologia

3.3 Terceiro período (1996-1999): A consolidação do neoliberalismo

3.3.2 A psicologia escolar e educacional no Brasil neoliberal

Apesar de a psicologia escolar e educacional ter realizado uma crítica, a partir da década de 1980, sobre as práticas que sustentam a produção de uma sociedade pautada em um modelo neoliberal, extremamente desigual e individualista, as instituições e as práticas na psicologia ainda se mostram fortemente pautadas pelas concepções psicológicas que enfatizam o indivíduo e o biológico, e, consequentemente, as intervenções medicalizantes. Pois, os documentos oficiais que orientam a educação do país, neste período, como o Relatório Delors, têm como fundamento

as concepções de Psicologia que compreendem o sujeito com um ser abstrato e biológico, pressupõem o processo de ensino e aprendizagem como um ato essencialmente individual, embora haja o incentivo à participação em grupo. O relatório propõe processos pedagógicos em que o professor atua como um facilitador da aprendizagem do aluno, responsabilizando, assim, o aluno sobre seu processo de aprendizagem e subtraindo do professor a tarefa do ensino, pois parte-se do princípio que o professor deve somente facilitar e acompanhar, uma vez que nesta perspectiva se compreende que cada um tem seu ritmo interior e seu tempo de aprender, conforme fatores internos e talentos individuais. […]. No Relatório Delors, a lógica neoliberal estabelece uma organização procedimental do desenvolvimento de competências e habilidades constituídas por indivíduos singulares […]. No Brasil, articulam o Relatório à teoria de Piaget, em função da sua concepção biológica de sujeito, que, de certo modo, combinou com a compreensão neoliberal do Relatório. Pois, tanto a concepção de sujeito do neoliberalismo, como a concepção que Piaget apresenta pressupõem um sujeito biológico, abstrato, e mais, que o desenvolvimento deste se dá individualmente. (DIGIOVANNI e SOUZA, 2014, p. 56/57)

Em função do Relatório, as orientações curriculares descritas nos Parâmetros

Curriculares Nacionais, apoiam-se no construtivismo piagetiano e propõem um currículo por objetivos e se apropriam de pressupostos conceituais que visam o individualismo e o desenvolvimento de competências técnicas voltadas ao mercado (BARRIGA, 2006). Podemos afirmar que “a lógica neoliberal é uma lógica que sempre considera o individual sobre o coletivo […] e em maior ou menor grau distancia as questões políticas, sociais e econômicas das análises sobre o sujeito e seu processo de escolarização” (DIGIOVANNI e SOUZA, 2014, p. 58).

Portanto, a psicologia hegemônica no Brasil contribui para a supervalorização do privado em detrimento do público, mais do que isso, opõe o privado ao público promovendo uma dicotomia entre indivíduo e sociedade. Uma dicotomia na qual o meio social é um obstáculo para o desenvolvimento da dimensão psicológica. Para essa psicologia psicologizante, o “mundo social é um mundo estranho ao nosso eu. Um lugar no qual temos de estar; por isso, só nos resta nos adaptarmos a ele” (BOCK, 2000, p.22).

A psicologia subsidia os documentos, fundamentados na pedagogia das competências, do “aprender a aprender”. A partir da teoria de Jean Piaget, que pressupõe estruturas cognitivas que se desenvolvem apartadas e independentes da educação escolar. Nesse sentido, a educação formal não é tratada como imprescindível para o desenvolvimento dos indivíduos. Desse modo, as teorias da psicologia são utilizadas, muitas vezes, para tentar descobrir individualmente os problemas que apresentam aquele grande número de estudantes que não conseguem, por exemplo, acompanhar o ensino na idade correta e engrossam os dados de defasagem idade-série. A centralidade no indivíduo como responsável pelo processo, pelo bom desempenho escolar, coincide com as teorias que compreendem um sujeito universal e abstrato, que possui um desenvolvimento espontâneo.

Vale destacar, porém, que a área da psicologia no Brasil não participou coletivamente da formulação das políticas educacionais, apenas foram utilizadas suas teorias como apoio, quando foi necessário justificar esta ou aquela postura educacional contida nas legislações e orientações curriculares. Nunca houve um debate prévio para examinar se a teoria escolhida poderia contribuir, de fato, com a melhoria da educação no Brasil, isso é plenamente compreensível se levarmos em conta a organização da sociedade.

Por fim, tem-se que admitir que o Brasil encerra o século XX com várias pendências no que se refere à educação. O país avançou muito lentamente em alguns aspectos, conseguiu ao longo de 40 anos universalizar o acesso, mas os desvios no percurso de escolarização são imensos. O país termina o século sem ter implementado um Sistema Nacional de Educação e um currículo básico comum. O modelo de economia dependente trouxe um prejuízo ao desenvolvimento da soberania da nação e do avanço tecnológico, com vistas a melhorias das condições de vida de todo povo brasileiro. O assombro com o comunismo de parte da população brasileira fez com que o país se submetesse, sobretudo, às orientações dos Estados Unidos sobre o modo de fazer educação, e tais orientações foram pouco benéficas para o país. A aliança das elites com o capital internacional da década de 1990 acabou negociando o que ainda restava do país. A autonomia reivindicada pelos movimentos sociais para definir o

futuro da educação foi sabotada neste último período, quando já se vivia a redemocratização do país. A educação pública nacional avançou, mas de forma lenta e desigual.

No Brasil, tal como em Cuba, psicologia e educação foram solidárias uma à outra, só que no Brasil estiveram voltadas para a formação de capital humano direcionado para o crescimento de uma economia capitalista dependente, que se desenvolve atrelada aos movimentos do capital internacional. Uma sociedade ultraindividualista produziu uma psicologia centrada no indivíduo e que compreende o fenômeno psicológico de forma abstrata, que, por exemplo, culpabiliza o indivíduo por seu “sucesso” ou “fracasso” escolar (PATTO, 2009). Pode-se dizer que a psicologia se configurou como uma ciência humana colonizada que analisa de forma abstrata não somente o fenômeno psicológico, mas também sua própria intervenção na realidade. Nesse sentido, no Brasil e na maioria da América Latina “o psicologismo tem servido, para fortalecer, direta ou indiretamente as estruturas opressivas ao desviar a atenção delas para os fatores individuais e subjetivos” (BARÓ, 2011, p. 183).

Temos, portanto, a predominância de uma psicologia colonialista, acrítica, que, de modo geral, não reflete sobre os pressupostos e as consequências políticas e sociais de suas práticas, que atua como coadjuvante na perpetuação da desigualdade, da pobreza e da exclusão, num sistema de ensino injusto e de baixa qualidade.

Neste capítulo procuramos relatar aspectos históricos e políticos do Brasil e suas relações com as políticas públicas no período estudado, o Brasil termina o século XX com muitas dívidas na área social, incluindo as educacionais. No próximo capítulo trataremos dos aspectos históricos e políticos que refletem nas políticas educacionais de Cuba.