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Capítulo 2 Teorias da psicologia e as políticas educacionais

2.2 Pragmatismo

O pragmatismo norte-americano na educação é representado, sobretudo, por John Dewey6 (1859-1952), que foi uma das mais importantes influências das primeiras décadas do século XX na América Latina, e perdura, ainda que com novas versões, até os dias atuais. Influenciado pelas ideias liberais de seu tempo, baseia-se na premissa de que democracia é liberdade individual e de que a racionalidade se constrói na experiência concreta, de tal modo que, ao experimentar a democracia, o indivíduo tende a desenvolver uma racionalidade prática e se torna capaz de compreender as relações necessárias para agir sobre as situações reais.

Cunha esclarece que, nos anos 30,

a política do New Deal surgia como tentativa de reorganização da vida econômica dos Estados Unidos, trazendo financiamento às empresas e programas sociais de combate à miséria e ao desemprego. Foi nesse ambiente que John Dewey escreveu e publicou suas obras, posicionando-se sempre em favor de uma nova ordenação social, a sociedade democrática, e de uma escola sintonizada com o movimento incessante do mundo. (2001, p. 87)

No Brasil, os conceitos deweyanos chegam na mesma década de 1930 pelo movimento conhecido como Escola Nova, protagonizado por educadores como Anísio Teixeira7 (1900-1971), Lourenço Filho8(1897-1970) e Fernando de Azevedo9 (1894-1974)

6 John Dewey nasceu em Burlington, a principal cidade do estado americano de Vermont [...] Com 15 anos

terminou os estudos secundários e, em seguida, ingressou na Universidade de Vermont, para estudar artes. Lá realizou estudos na área de fisiologia, tomando contato com as teses darwinistas. Nessa época, Dewey despertou para a filosofia. Em 1879, bacharelou-se em artes, exercendo em seguida o magistério em pequenas escolas da região. Em 1882, iniciou seus estudos na Universidade Johns Hopkins. Nesse momento, o Estados Unidos vivia o fim da guerra civil, o desenvolvimento da indústria e do comércio. Essas características influenciaram muito o novo ensino e o pensamento de Dewey. Doutorou-se em filosofia em 1884, defendendo uma tese sobre a Psicologia de Kant. Dewey teve uma longa trajetória de vida, faleceu em 1952. Ao longo de uma existência de 92 anos produziu inúmeros trabalhos acadêmicos. Destaca-se, entre as muitas obras, “Democracia e Educação”, de 1916, texto de grande importância para o pensamento pedagógico deweyano. Já para a noção de pensamento reflexivo, é de fundamental importância o livro “Como Pensamos”, 1933. Lecionou em várias universidades americanas, sobretudo em Chicago e na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde permaneceu por mais de 30 anos até a sua morte. Em inúmeras viagens, Dewey proferiu conferências e tomou contato com diferentes idéias e culturas, inclusive na antiga União Soviética, onde conheceu o modelo comunista de educação. Do ponto de vista epistemológico, tomou como referência o pragmatismo como filosofia de base para o seu pensamento. (SOUZA e MARTINELLI, 2009, p. 160).

7 Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité, Bahia em 1900, se formou em direito em 1922. Aproximou-se da

educação em 1924, quando foi convidado pelo governador da Bahia para assumir a direção da Inspetoria Geral de Ensino. Em seguida cursou Ciências da Educação na Columbia University nos Estados Unidos, onde foi aluno de Dewey e entrou em contato com suas ideias pela primeira vez. Ao retornar ao Brasil, entusiasmado com a filosofia deweyana, Anísio Teixeira, junto com outros pensadores como Lourenço Filho e Fernando de Azevedo, foram protagonistas do Manifesto dos pioneiros da Escola Nova de 1932. (CARVALHO, 2001)

cujas ideias estão sintetizadas no documento denominado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, no manifesto apresentam uma análise educacional e apresentam propostas renovadoras, tinham em mente uma transformação da educação para alcançar uma transformação da sociedade. O país começara a se integrar ao processo de industrialização e urbanização, e

o ideário da modernização tomava conta dos meios intelectuais indicando a necessidade de urgência nas transformações que deviam abranger os setores produtivos tanto quanto a mentalidade da população. A idéia modernizadora tornava imprescindível e inadiável uma total renovação de hábitos, comportamentos e modos de pensar do homem brasileiro, meta que se traduzia pelo esforço de reforma dos mecanismos de formação das elites e, principalmente, pelo intento de disciplinar o povo (Carvalho, 1998). Nesse contexto, a escola era vista como espaço privilegiado para a inserção do ímpeto transformador; uma escola transformada, evidentemente, uma educação nova, como se pôde ver no Manifesto dos Pioneiros de 1932. (CUNHA, 2001, p. 87)

A visão modernizadora iniciada nos Estados Unidos levou Dewey a construir sua teoria para a educação assentada nos moldes da democracia daquele país, cujas bases estavam sobre dois pontos, primeiro, a liberação da economia, segundo, as decisões coletivas deveriam ser tomadas através do voto, a liberdade individual, a formação de hábitos adequados e o desenvolvimento moral, são a tônica da sua teoria. Dewey, influenciado pelo funcionalismo e pelos acontecimentos de seu tempo, criou uma filosofia própria onde se reconhece o positivismo de Comte, conforme o próprio autor assinala. A intenção de uma cientificidade e a utilização da empiria são pontos comuns entre os dois teóricos.

posteriormente entrou em Medicina, mas abandonou e foi para o Direito na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920 passou a lecionar educação cívica e pedagogia na Escola Normal Primária, em 1921 Psicologia e Pedagogia na escola de Pedagogia de Piracicaba, em 1934 psicologia educacional na USP, em 1935 na Universidade do Distrito Federal e, posteriormente, em 1937 na Universidade do Brasil. Dedicou-se à psicologia desde 1920, contribuiu com a organização e criação de vários serviços e orientou a reorganização de alguns sistemas de ensino e publicou vários artigos e livros sobre a temática, além da criação do Teste ABC de prontidão para ler e escrever. Biografia Lourenço Filho, Ciência e Profissão n17, v. 1, 1997. Disponível em: ˂http://www.scielo.br/pdf/pcp/v17n1/09.pdf)˃. Acesso em: 06 Ago. 2016).

9 Nasceu em 1894, em São Gonçalo do Sapucaí (MG). Desenvolveu a primeira pesquisa sobre a situação da

educação em São Paulo. Integrou o movimento reformador da educação pública, iniciado na década de 20, que ganhou o país e foi impulsionado pela Associação Brasileira de Educação, fundada em 1924. Entre 1927 e 1930, promoveu ampla reforma educacional no Rio de Janeiro, com a proposta de extensão do ensino a todas as crianças em idade escolar; articulação de todos os níveis e modalidades de ensino – primário, técnico profissional e normal; e adaptação da escola ao meio-urbano, rural e marítimo. Fundou a Biblioteca Pedagógica Brasileira. Como diretor-geral, promulgou o Código de Educação do Estado de São Paulo (1934) e participou da

fundação da Universidade de São Paulo (1894 -1974). Disponível em:

<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_b_fernando_azevedo.htm>. Acesso em: 10 Ago. 2016.

De acordo com Robert Westbrook e Anísio Teixeira, para Dewey, as pessoas se realizam quando contribuem com seus talentos para o bem-estar da sua comunidade, quando o fazem já teriam desenvolvido um conjunto de hábitos e virtudes (2010, p. 19). Os educadores deveriam integrar os conteúdos da psicologia ao programa de estudos propiciando um ambiente em que os alunos se confrontem com situações problemáticas da realidade. Ainda para os autores,

o programa de estudos está aí para lembrar ao educador “quais são os caminhos abertos ao educando no âmbito da verdade, da beleza e do bem e para dizer-lhe: compete a você conseguir que existam as condições que estimulem e desenvolvam, todos os dias, as faculdades ativas de seus

alunos. Cada criança há de realizar seu próprio destino tal como se revela a

você os tesouros das ciências, da arte e da indústria” (Dewey, 1902, p. 291). Se os educadores ensinarem dessa forma, orientando o desenvolvimento do educando de maneira não diretiva, teriam de ser, como reconhecia Dewey, profissionais bem capacitados, perfeitamente conhecedores da disciplina ensinada, formados em Psicologia da criança e capacitados em técnicas destinadas a proporcionar os estímulos necessários à criança para que a disciplina forme parte de sua experiência de crescimento. Como assinalaram dois educadores que trabalhavam com Dewey, um educador dessa índole tem de poder ver o mundo com os olhos de criança e com os de adulto. (WESTBROOK e TEIXEIRA, 2010, p. 18/19, grifo do autor).

Nesse quadro teórico, a escola é vista com um espaço que deve proporcionar aos educandos a vivência da democracia, cabendo ao professor organizar o espaço escolar para proporcionar essa experiência. Essa perspectiva não diretiva de desenvolvimento das capacidades do educando se articula à concepção liberal de liberdade e democracia, e a escola se torna o lugar potencial de mudança para uma nova sociedade. Devido a isso, os renovadores, entre eles Anísio Teixeira, defendem que todos tenham acesso à escola pública que, deve ser o local onde se pode formar as virtudes democráticas nos indivíduos, preparando-os para a sociedade liberal e para acompanharem as exigências do desenvolvimento do mercado econômico.

Dewey defende o uso da experimentação, pois sustenta que só se aprende o que se experimenta. Acredita em uma organização “purificada” do ambiente escolar, para possibilitar uma correção dos vícios e dos hábitos adquiridos em sociedade. Para Westbrook e Teixeira, os princípios deweyanos explicitam que “não há, pois, nenhum meio direto de controlar ou governar a educação que a geração infantil recebe, salvo o de preparar o ambiente em que a criança age, pensa e sente. Não se educa diretamente, mas indiretamente pelo meio social” (2010, p. 45). Esta concepção coloca o foco do processo de aprendizagem essencialmente na

criança, cabendo ao professor adequar o ambiente para que o aluno possa se desenvolver, devendo criar metodologias não diretivas para o aprender. Nessa perspectiva, para eles a escola

primeiro, deve prover um ambiente simplificado, para permitir o acesso da criança. Longe vão os tempos em que a própria vida ainda era tão simples que as crianças nela podiam diretamente participar. Hoje, a civilização ganhou inexprimível complexidade, constituindo-se de uma série de artes, de ciências e de instituições que somente anos de estudo nos habilitam a compreender e a praticar. A escola deve simplificar o ambiente complexo para que a criança gradualmente venha conhecer os segredos e nele participar. Segundo, deve organizar um meio purificado, isto é, de onde foram eliminados certos aspectos reconhecidamente maléficos do ambiente social. A escola não visa a perpetuar na sociedade os seus defeitos. Em uma sociedade progressiva, ela é o órgão específico de uma constante melhoria, pela qual desejamos legar a nossos filhos a possibilidade de uma vida mais feliz que a nossa. Terceiro, deve prover um ambiente de integração social, de harmonização de tendências em conflito, de larga tolerância inteligente e hospitaleira. Influências antagônicas, isolamentos familiares ou religiosos, espírito de clã ou de partido, ameaçam as sociedades heterogêneas dos dias de hoje, dividir, separar, desunir os membros da família social. A escola deve ser a casa da confraternização de todas as influências, coordenando-as, harmonizando-as, consolidando-as para a formação de inteligências claras, tolerantes e compreensivas. (WESTBROOK e TEIXEIRA, 2010, p. 46)

Nestes termos Westbrook e Teixeira assumem que a civilização avança para a complexidade, ao passo que a educação do passado era mais fácil, pois as atividades sociais eram menos complexas, e a “vida era simples”. A escola não reflete a realidade social, mas pode ser o ambiente neutro para fins de educação prática para a complexidade da vida. Prepondera uma visão de que a educação pode superar todas as diferenças sociais, desde que bem preparada como um ambiente experimental.

A respeito dessa relação entre escola, educação e sociedade na teoria deweyana, Henning comenta que,

parece que Dewey fundamenta sua teoria na concepção adaptacionista de influência marcadamente naturalista de tipo darwinista, que indica a necessária continuidade entre o natural e o social, uma vez que é na escola, por exemplo, que se vão reconstruir as experiências obtidas no ambiente natural e primário (metafísico) no qual vivemos e com o qual interagimos.[...] Para ser mais explícito fornece um exemplo: uma pessoa verdadeiramente saudável não é uma pessoa cuja saúde é completa para sempre, mas as suas atividades devem seguir em busca da preservação constante da sua saúde. “Do mesmo modo, uma pessoa educada é a pessoa que tem poder de continuar e obter mais educação ... nos seres humanos existem capacidades latentes as quais, se deixadas por si só, dificilmente floresceriam ou frutificariam” (DEWEY, 1964, p. 04). Percebemos que no

caso de Dewey, os conceitos de experiência e de crescimento fornecem contornos definidores para a proposta filosófico-educacional, se constituindo em princípios cuja carência de entendimento obstrui a compreensão de toda a sua formulação teórica sobre educação. (2009, p. 7/8)

Dessa forma, para Dewey a escola, por meio de um ambiente experimental, educa o sujeito para que ele se torne uma pessoa bem educada para uma sociedade democrática e liberal, sendo que uma pessoa bem educada tem o poder de continuar e obter mais educação. Isso só é possível porque Dewey compreende que os seres humanos possuem capacidades latentes a serem desenvolvidas através da estimulação promovida pela educação. Disso decorre sua concepção de que basta inserir os indivíduos em um ambiente adequado, neutro, democrático, livre de influências negativas para despertar no educando bons hábitos e virtudes. Assim sendo, conforme Westbrook e Teixeira, Dewey considera que é “natural que somente sociedades democráticas, que procurem dar a maior liberdade aos membros que as constituem e criar o mais largo espírito de solidariedade social e de comunhão de interesses” (2010, p. 54), se adequem a essa perspectiva teórica.

Para o autor, a escola deve substituir a disciplina por interesse, o ponto de vista lógico pelo psicológico, defende também, liberdade, iniciativa e espontaneidade como objetivos da educação, considerando que é necessário deixar os indivíduos habilitados para continuarem sua educação

em que o objetivo ou recompensa da aprendizagem é a capacidade de desenvolvimento constante. Entretanto, essa ideia não pode ser aplicada a

todos os membros de uma sociedade, mas apenas quando a relação de um

homem com outro é mútua e existem condições adequadas para a reconstrução de hábitos e instituições sociais por meio de amplos estímulos originados da distribuição equitativa de interesses. Isso significa sociedade democrática. Assim, em nossa busca dos objetivos da educação, não estamos preocupados em encontrar um fim externo ao processo educativo, ao qual a educação esteja subordinada. Toda a nossa concepção nos impede isso. O que nos interessa, antes, é a diferença entre os objetos intrínsecos ao processo em que operam e aqueles estabelecidos externamente. E esse último estado de coisas se constitui quando as relações sociais não são equilibradas. Nesse caso, os objetivos de alguns grupos da sociedade serão determinados por uma autoridade exterior, não surgirão do livre desenvolvimento das próprias experiências, e os supostos objetivos desses grupos serão meios para fins alheios muito distantes, em vez de verdadeiramente seus. (WESTBROOK e TEIXEIRA, 2010, p. 73, grifo do autor)

De acordo com tal perspectiva, configura-se, pois, uma educação pragmática, uma educação para a vida e com um fim em si mesmo, no entanto, vale destacar ela só será efetiva

se a desigualdade entre os grupos sociais que geram interesses e necessidades diferentes não prevaleça. Além disso, só da prática deriva a aprendizagem,

seja uma habilidade, seja uma ideia, seja um controle emocional, seja uma atitude ou uma apreciação, só aprendemos o que praticarmos. [...] Não basta praticar. – A intenção de quem vai aprender tem singular importância. Aprende-se pela reconstrução consciente da experiência, isto é, as experiências passadas afetam a experiência presente e reconstroem para que todas venham influir no futuro. [...] Toda a aprendizagem deve ser integrada à vida, isto é, adquirida em uma experiência real de vida, em que o que for aprendido tenha o mesmo lugar e função que tem a vida. (Ibid., p. 57/58/59)

Nessa direção, a escola deveria reconstruir artificialmente espaços democráticos onde pudessem ser ensinados modos de viver em democracia e em liberdade, esta possibilidade é a aplicação do pragmatismo, pois, o conhecimento trata de reconhecer as “conexões que ligam os objetos com um fim útil” (SOUZA, 2012, p. 230). Tendo em vista seu contexto histórico, o pensamento deweyano “quer a solidificação da medida prática no pensamento, quer justificar e racionalizar a medida prática. O princípio de continuidade de Dewey afirma que a mente tem lugar e função na natureza” (SOUZA, 2012, p. 232). Conforme Araújo, a finalidade da educação pragmática é

justamente promover processos de adaptação dos indivíduos. [...] Dewey, ao negar uma teleologia da educação, tendo em vista a “impossibilidade de associação entre processos formativos com ideias de um futuro distante” (DEWEY, 1936), vinculou-a ao imediato, à “atividade atual”. Para tanto, propunha que os processos formativos fossem estruturados sobre os interesses e as realidades dos alunos, considerados individualmente. (ARAÚJO, 2004, p. 509)

Em síntese, a educação, nessa perspectiva pragmatista em geral e dos renovadores brasileiros, é centrada nos interesses do aluno, que é considerado portador de capacidades latentes a serem desenvolvidas pelo professor que organizará o ambiente escolar. Para isso, a escola deve ser autônoma para planejar suas ações, ter um ambiente puro e neutro para que ali possam se estabelecer as relações adequadas entre os indivíduos, de forma que se desenvolvam hábitos e virtudes democráticas voltadas para se adaptar a um mercado em transformação. Cabe esclarecer que a defesa da autonomia é que, em grande medida, vai fundamentar a legislação educacional brasileira na defesa da descentralização do sistema educacional.