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Capítulo 2 Teorias da psicologia e as políticas educacionais

2.5 Psicologia Histórico-cultural

A diferença fundamental das teorias da psicologia que apresentamos para a psicologia histórico-cultural diz respeito à compreensão de homem advinda do marxismo. A elaboração singular que pode realizar Vigotsky13 (1896-1934),logo após a Revolução Russa, no início do século XX, influenciado pelo fervor revolucionário e pelos escritos de Marx, fundou a psicologia histórico-cultural.

Hurtado (2005), no prólogo do livro Pensamento y lenguaje, explica que nos anos seguintes à Revolução Russa

se desperto gran interés por las ciências naturales: ello se reflexa en el campo de la teoría psicológica, donde se destacán dos líneas fundamentales de trabajo: la aspiración de explicar las bases fisiológicas de la actividad psíquica (I.P.Pavlov, Uvedensky, Ujtonsky) y sus bases físico-químicas (Lazaiev), y la tendencia a seguir, en psicología, las ideas evolucionistas Darwin, por el estudio que hizo de las formas de adaptación del individuo al medio (Severtzov, Barner). Con este panorama general como fondo, se plantea en 1923 en el Primer Congreso de Neuropsicología, la necesidad de aplicar el marxismo a la psicología. En la lucha polémica contra los idealistas se destacan las ideas de K. N. Kornilov acerca de los processos psíquicos como cualidades de la materia altamente organizada, y la necesidad de incluir, como princípio fundamental el método dialéctico en la psicología. [...] No obstante sus errores, Kornilov tiene el gran mérito, en su lucha abierta contra la psicología idealista subjetiva de Shelpanov, de acercarse al marxismo y de agrupar a jóvenes estudiosos, aún sin gran experiencia, pero con el profundo deseo de introducir câmbios radicales en la ciencia psicológica, siguiendo la línea del materialismo y del marxismo. Entre estos jóvenes investigadores se destacaba L. S. Vigotsky; es en este

13 Lev Semenovich Vigotsky nasceu em 1896, em Orsha, uma pequena cidade localizada na Bielo-Rússia. De

1914 a 1917 estudou Direito e Literatura, na Universidade de Moscou. Começou sua carreira aos 21 anos, após a Revolução Russa de 1917. Em Gomel, no período de 1917 a 1923, além de escrever críticas literárias, lecionou e proferiu palestras sobre temas ligados à literatura, ciência e psicologia em várias instituições. Nessa época começou a se interessar também pela pedagogia, e em 1922 publicou um estudo sobre os métodos de ensino da literatura nas escolas secundárias. O interesse de Vigotsky pela psicologia acadêmica começou a partir de seu trabalho com a formação de professores, onde entrou em contato com crianças portadoras de deficiências físicas e mentais, o que se tornou uma motivação para que ele pesquisasse alternativas que pudessem auxiliar o desenvolvimento dessas crianças, oportunidade para que ele viesse a compreender os processos mentais humanos, assunto que viria a ser o centro de seu projeto de pesquisa. Em 1924, aos 28 anos, em função de sua participação brilhante no II Congresso de Psicologia em Leningrado, foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou, quando escreveu o trabalho: Problemas da educação de crianças cegas, surdas-mudas e retardadas. Posteriormente criou o Instituto de Estudos da Deficiência, com o objetivo de estudar o desenvolvimento de crianças consideradas anormais. Após sua morte (1934) teve a publicação de suas obras proibida na União Soviética, no período de 1936 a 1956, devido à censura do totalitário regime stalinista e foi ignorado pela cultura ocidental durante um longo período. Em 1962, foi lançada a primeira edição do livro Pensamento e linguagem nos Estados Unidos e no Brasil, o primeiro contato com uma de suas obras, A

formação social da mente, só se deu em 1984. Disponível em:

contexto histórico que surge su teoria. (HURTADO apud VIGOTSKY, 2005, p. VI)

Vigotsky, em sua análise da psicologia tradicional, explicita uma crise em que a mesma se encontrava, em função da dificuldade em definir seu método e objeto de estudo. Ele pretendeu desenvolver uma análise científica da realidade com a intenção de compreender claramente a essência da psicologia, tanto individual como social, como uma ciência única. Descartou a ideia de fazê-lo por meio de um raciocínio abstrato, como era realizada, muitas vezes, pelas teorias da época. Compreende que, da mesma forma que o político extrai suas regras de atuação da análise dos acontecimentos, deve-se, a partir de análises, encontrar regras para organizar uma investigação metodológica dentro da perspectiva do materialismo histórico; uma investigação “que se baseia no estudo histórico das formas concretas que a ciência foi adotando e na análise teórica destas formas para chegar a princípios generalizadores, comprovados e válidos” (VIGOTSKY, 1999, p. 210). Para Vigotsky, é exatamente aí que se encontra a semente capaz de fecundar uma ciência da psicologia e que instaura uma possibilidade concreta de se pensar em uma psicologia geral, ou seja, uma nova psicologia.

Por conseguinte, as regras metodológicas dessa nova psicologia serão construídas para superar o dualismo existente, entre as visões materialista e a metafísica do homem. Segundo Arias, Vigotsky partirá da proposição fundada no materialismo histórico,

de que el ser humano es un producto personal de su tiempo, de los hechos que ocurren e influyen sobre él, [...] es un producto de las condiciones históricas que determinan su formación pero al mismo tiempo, éste contribuye, activamente, de uma otra forma, a mantener, transformar y revolucionar esas condiciones e incluso a sí mismo. (2005, p. 34)

Movido pelo momento histórico da União Soviética, logo após a Revolução Socialista, que procurava reorganizar a sociedade com vistas ao bem comum, Vigotsky procura apontar problemas metodológicos e indicar construções conceituais que possa dar conta de superar a crise da psicologia da sua época. Propõe-se a respondê-la através de uma definição clara de um método para apreender o objeto da psicologia, ou seja, o homem em seu processo histórico. Para o teórico russo a crise se configuraria pela impossibilidade de se constituir uma psicologia geral, dada sua diversidade de objetos e métodos que cada corrente teórica da psicologia reivindicava para si, desde a sua criação como ciência. Destaca que a psicologia já nasce dual, pois nasce no interior da filosofia, mas se apropria do método das ciências

naturais. Este dualismo instaurado, desde a sua origem, acompanha todo o percurso do seu desenvolvimento, todas as formulações teóricas até o momento em que Vigotsky empreende a sua análise.

Vigotsky pretendeu desenvolver sua pesquisa sempre fiel a uma compreensão materialista dialética, partindo do princípio fundante de que a realidade determina a experiência, “o objeto da ciência e seu método, e que é impossível estudar os conceitos de qualquer ciência prescindindo das realidades representadas por estes conceitos” (VIGOTSKY, 1999, p. 246). Nesse sentido, forma-se uma possibilidade de se construir uma psicologia científica a partir da análise crítica da psicologia em seu percurso histórico. É nesta direção que investe todo o esforço para desenvolver os conceitos necessários para uma metodologia que atinja tal fim. Vigotsky, fundamentado em Engels, pontua “que para a lógica dialética a metodologia das ciências é a metodologia da realidade” (Ibid., p. 246). Quando se classificam as ciências se estabelece a “hierarquia da própria realidade” (Ibid., p.246).

Vigotsky afirma que para se chegar a uma psicologia geral, é necessário que se compreenda e se assuma a dialética da psicologia, que ele define como “a ciência das formas mais gerais do devir tal como se manifesta no comportamento e nos processos do conhecimento, isto é, assim como a dialética da ciência natural é, ao mesmo tempo, a dialética da natureza, a dialética da psicologia é, por sua vez, a dialética do homem como objeto da psicologia” (Ibid., p. 247). Portanto, para o autor só é possível estudar o homem em sua dimensão histórica, através de uma compreensão materialista, histórica e dialética da realidade. Conclui que as funções psíquicas elementares ou naturais (sensação, percepção, memória involuntária, etc.) se transformam em funções psíquicas superiores (memória voluntária, atenção, pensamento, linguagem, afetividade, etc.) a partir das práticas sociais imersas na cultura, isto é, sustenta o papel dos aspectos social e cultural no processo de desenvolvimento. Tal concepção fornece o substrato a uma compreensão da educação como promotora de desenvolvimento, por meio do domínio da aprendizagem dos conteúdos e meios da cultura.

Afirma, ainda, que o

desarrollo cultural del niño sólo puede ser comprendido como un proceso vivo del desarrollo, de formación, de lucha y, en ese sentido, debe ser objeto de un verdadero estudio científico. Al mismo tiempo, ha de introducirse en la historia del desarrollo infantil el concepto de conflicto, es decir, de contradicción o choque entre lo natural y lo histórico, lo primitivo y lo cultural, lo orgánico y lo social. (VIGOTSKY, 1995, p. 302)

A elaboração realizada por Vigotsky do conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é que nos permite compreender o lugar da educação e as tarefas de ensino e de aprendizagem nas instituições escolares e na comunidade, para o desenvolvimento humano integral. Cabe àquele indivíduo com mais experiência, no caso da escola, o professor e a professora, ensinar e auxiliar nas atividades em que os educandos necessitam de apoio para realizá-las, aquelas que estão situadas na ZDP, mas que em breve poderão realizar sozinhos, além de instigar novas aprendizagens que gerem novas necessidades mobilizando e motivando-os sempre a partir das relações externas, a partir das aprendizagens realizadas. Dado que

um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança. Desse ponto de vista, aprendizado não é desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. Resumindo o aspecto mais essencial de nossa hipótese é a noção de que os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal. (VIGOTSKY, 1991, p. 101-102)

Arias assinala que, possivelmente, a melhor definição para o que pensava Vigotsky sobre o desenvolvimento e formação das funções psicológicas superiores e o papel da cultura neste processo, seria um “conjunto de conocimentos que permite a alguien desarrollar su juicio critico” (p. 168). Conforme sua análise, “a ideia de cultura es todo aquello que há construído el ser humano [...] lo que no se encuentra de forma natural en la naturaleza, sino que el hombre, lo tuvo que construir para poder adaptar-se al medio, adaptando al medio sus posibilidades” (2005, p. 170).

Neste sentido, cultura é tudo aquilo que foi construído pela humanidade como consequência de sua interação com a natureza para sobreviver e satisfazer suas necessidades básicas e culturais, e, de modo geral, o compromisso da educação é justamente fazer com que os indivíduos apreendam a cultura construída historicamente pela humanidade - tanto a educação da sociedade, família, comunidade, quanto à educação escolar, que trata de repassar

às novas gerações os conhecimentos científicos. Ambas as formas de educação estão intrinsecamente relacionadas, porém precisam ser tomadas na sua especificidade para que família (comunidade) e escola possam compreender, precisamente, o papel fundamental que cabe a cada uma na educação integral dos indivíduos em seus diferentes momentos da vida.

A partir de Vigotsky, Arias ressalta ainda que os homens no decorrer da sua existência desenvolveram a capacidade de memorizar e utilizar suas memórias, para criar e satisfazer novas necessidades e experiências, que permitiram também o ato de criar fantasias, ideias, comparar, generalizar e transmitir o que criaram para as novas gerações. Inclusive, em um dado momento, puderam fazer uso da língua escrita como um instrumento capaz de transmitir conhecimentos e formas de viver, de controlar e alterar a natureza, criando assim um modo específico e ímpar de produzir sua própria existência, produzindo cultura e ao mesmo tempo sendo produzido por ela, ou seja, o homem, em um determinado tempo de seu desenvolvimento, se tornou um sujeito histórico e social. Isso só foi possível porque o cérebro humano permitiu e permite uma série de conexões neuronais que, por sua vez, também são produtos da cultura (2005, p. 170-171, tradução nossa). Tal perspectiva nos faz compreender como, e em que medida, a educação formal ou informal impacta naqueles que, pelas mais diversas razões, tiveram seu desenvolvimento prejudicado ou são diagnosticados como dentro de um fator de risco de apresentarem alterações em seu desenvolvimento. Isso vale também para todas as manifestações de déficits, inclusive os transtornos e problemas afetivos e comportamentais.

Com efeito, o ato de ensinar deve ser necessariamente um ato consciente e intencional. A educação, de acordo com Vigotsky, é

la influencia e intervención planificadas, adecuadas al objetivo, premeditadas, conscientes, con los processos de crecimiento natural del organismo. Por lo tanto, sólo tendrá carácter educativo el establecimiento de nuevas reacciones que en una o otra medida intervengan en los procesos de crecimiento y los oriente. No todos los nuevos vínculos que se cierran (forman) en el niño, por consiguiente, serán actos educativos. (2001, p. 124)

Cabe à escola, por intermédio do ensino, a transformação das funções psíquicas naturais em superiores, o controle da atenção e da memória, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem, sendo que o papel do social e do cultural neste processo é a base possível para uma educação que produza o desenvolvimento. A aprendizagem dos conteúdos e meios da cultura são a garantia de uma educação integral que possibilite o acesso ao conhecimento mais complexo já produzido pela humanidade.

Ao concebermos a aprendizagem como promotora do desenvolvimento integral, atribuímos à escola e a sociedade um papel fundamental, o de humanizar, ou seja, educar e ensinar. À escola cabe prioritariamente o ensino dos conceitos científicos, da arte e da filosofia, por sua vez, a sociedade, incluindo aqui a família, cabe fundamentalmente à educação para as relações sociais, mediados pela cultura. Uma vez isso compreendido em sua profundidade, o acesso à formação integral oriunda de uma educação de qualidade transforma-se em uma das políticas públicas mais importantes para o desenvolvimento de uma sociedade, e torna-se, inclusive, o eixo central de articulação intersetorial com vistas a atingir um mesmo objetivo: desenvolver uma consciência social que prima pelo bem comum.

Para a psicologia histórico-cultural, “a realidade deve ser o ponto de partida e de chegada da psicologia” (GABORIT, 2011, p. 10), tratando-se, pois, de uma psicologia crítica e comprometida com a realidade. Uma psicologia crítica, em contraposição à positivista, na medida em que a “crítica” consiste num recuo da positividade, num recuo e reflexão daquilo que está posto. Ademais, a psicologia histórico-cultural não hesita em assumir posição ética e política, pois compreende que não há perspectiva teórica que seja neutra.

Essa carga política presente na psicologia histórico-cultural repousa, é claro, sobre sua concepção de fenômeno psicológico. Conforme tal teoria, o fenômeno psicológico necessariamente reflete a condição social, econômica e cultural da sociedade, de modo que o âmbito psicológico não preexiste ao ser humano. Tal fenômeno é interpretado como algo que apenas se funda na relação do sujeito com o mundo material, que é, por sua vez, produto da atividade humana. A psicologia histórico-cultural, dessa forma, dissolve uma falsa dicotomia entre indivíduo e sociedade ao não compreender a realidade social como algo exterior e estranho ao fenômeno psicológico. Indivíduo e sociedade não apenas possuem “contato” um com o outro, mas são produzidos um pelo outro. De acordo com tal perspectiva, a realidade social é, antes de tudo, constitutiva da forma como o ser humano aprende, trabalha, pensa, fala, age, se emociona, se relaciona consigo e com os demais homens: logo, a realidade social é constitutiva da forma como o homem percebe o mundo e a si mesmo.