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Capítulo 3 Brasil: política, economia, educação e psicologia

3.2 Segundo Período (1971-1995): Dos anos de chumbo à redemocratização do país

3.2.5 O lugar da psicologia nesse processo

O país, entre a LDBEN de 1971 até véspera da LDBEN de 1996, apresentou inúmeras mudanças de governo que acabaram refletindo em mudanças de encaminhamento das políticas educacionais. Essa fase foi regida inicialmente por uma perspectiva pragmática e, em seguida, por um longo período, por um viés fortemente tecnicista, fundamentando-se, respectiva e prioritariamente, em Dewey e no behaviorismo, sendo que, ao final, as políticas públicas educacionais aproximam-se do neoliberalismo, e o tecnicismo vai cedendo lugar para o construtivismo piagetiano. Outras teorias da psicologia que possuíam aportes teóricos semelhantes também eram utilizadas na educação, porém de forma individual e não como intervenção de um grupo organizado da própria psicologia.

A psicologia brasileira, de modo geral, foi pautada por teorias produzidas em países cuja condição social e econômica pouco tem a ver com a realidade latino-americana, e encontrava-se, muitas vezes, às voltas com uma concepção de sujeito descolado da realidade material. Cabe ressaltar que o fato de teorias terem sido produzidas em outras sociedades que não têm as mesmas características que o Brasil teria pouca relevância se as teorias passassem pelo crivo da crítica nacional e se aproveitasse delas aquilo que auxiliaria para transformar a realidade nacional. Não foi isso, porém, o que ocorreu, como pudemos observar no caso da Matemática Moderna que, sem um aprofundamento maior, lançaram-se livros, que, por anos, despontavam na lista dos mais utilizados e nunca foram avaliados. Apenas deixaram de ser usados quando começaram a divulgar o fracasso da Matemática Moderna. No entanto, o efeito do uso desses livros no ensino e os impactos na aprendizagem não foram ainda devidamente analisados.

Cabe observar, de acordo com o que já foi debatido no capítulo anterior, que a perspectiva pragmática deweyana pretende uma educação como um fim em si mesmo, pressupõe um sujeito descontextualizado de sua história e que pode ser formado adequadamente, estabelecendo relações democráticas a partir de instituições escolares que sejam modelos de relações democráticas e onde as virtudes morais estejam presentes. A perspectiva behaviorista pretende modificar os comportamentos através de reforços externos, produzindo um indivíduo ajustado, pela racionalidade técnica, para a produtividade. O construtivismo piagetiano concebe que deve ser dada liberdade a quem aprende e que o professor deve estabelecer condições para que o aluno busque e construa seu conhecimento.

Em todas as perspectivas, o professor enquanto agente externo torna-se um mediador, um facilitador, um estimulador dos conhecimentos que o aluno vai adquirir. Com tais perspectivas, era quase impossível empreender uma reflexão acerca da realidade nacional que pudesse exercer grandes impactos nas políticas públicas educacionais. Segundo Bock, no Brasil,

há anos a Psicologia tem contribuído para responsabilizar os sujeitos por seus sucessos e fracassos; [...] A Psicologia tem reforçado formas de vida e de desenvolvimento das elites como padrão de normalidade e de saúde [...]. Tem transformado em anormal o diferente, o ‘fora do padrão dominante’. A Psicologia não tem sido capaz de, ao falar do fenômeno psicológico, falar da vida, das condições econômicas, sociais e culturais nas quais se inserem os homens. A Psicologia tem, ao contrário, contribuído significativamente para ocultar essas condições. (2000, p.25)

Gradualmente, ainda que de modo desordenado e implicitamente, a psicologia passou a dar suporte à educação para o desenvolvimento do projeto de sociedade previsto para o Brasil, durante todo o período estudado. Pois se tornou relevante uma escola para formar indivíduos para ocuparem as funções necessárias para o processo de industrialização do país, bem como para a elite ocupar funções diretivas. Uma escola neutra que pretende, independentemente das condições sociais, alcançar êxito, desde que a pessoa tenha “vontade”, que por sua vez é tomada como um desejo individual e a-histórico. Segundo Coimbra:

tais discursos que se afirmam “científicos” e “neutros” produzem na família e na sociedade em geral, “verdades” dotadas de efeitos poderosíssimos. Essas múltiplas falas dos especialistas “competentes” geram um sentimento individual e coletivo de incompetência, poderosa arma de dominação. (…) O surgimento de tais especialistas e seu fortalecimento no mundo capitalístico não se dá pela necessidade de modernização e desenvolvimento da sociedade, mas pela sua função de melhor controlar, disciplinar, normatizar e naturalizar a divisão social do trabalho estruturada sobre a dominação e submissão. (1995, p. 37)

Desenvolveu, pois, uma psicologia que, ao seu modo, contribuiu com a organização do Estado ditatorial e, posteriormente, neoliberal. Em ambos os casos, o privado adquire importância central na organização da sociedade, ao passo que no neoliberalismo o ultraindividualismo encontra território fértil para seu crescimento e consolidação. A psicologia prestou suas contribuições para a manutenção do regime de governo ao sustentar teorias que compreendem um sujeito como responsável por seu “sucesso” ou “fracasso”, a despeito das relações sociais, econômicas e culturais que o constituem e que são por ele constituídas. Tal

perspectiva individualista e biologizante reforça a compreensão de que o “sucesso” ou o “fracasso” estão vinculados diretamente ao desejo do sujeito, e à sua suposta baixa capacidade intelectual.

De acordo com Proença,

as discussões advindas da década de 1980 passaram a repensar a tarefa do psicólogo, defendendo a necessidade de mudança nos referenciais teóricos na compreensão das questões escolares, com vistas a promover o desenvolvimento de práticas pedagógicas de melhor qualidade. Esse movimento de crítica fortaleceu-se no campo da Psicologia Escolar e atualmente podemos considerar que temos, no Brasil, um conjunto de trabalhos de intervenção e de pesquisa que: a) rompe com a culpabilização das crianças, adolescentes e suas famílias pelas dificuldades escolares; b) constrói novos instrumentos de avaliação psicológica e de compreensão da queixa escolar; c) articula importantes ações no campo da formação de professores e de profissionais de saúde. (2009, p.179)

Destacam-se, ainda na década de 1980, os estudos de Martin Baró na América Latina, e, no Brasil, as produções de Sílvia Lane na Psicologia Social que juntamente com Maria Helena Souza Patto na Psicologia Escolar e Educacional, passaram a lutar para constituir uma psicologia que denunciasse sua contribuição no processo de exclusão social e sua suposta posição de neutralidade científica, e passou-se a discutir de forma sistemática os problemas históricos e políticos vivenciados pelo povo latino-americano. Iniciou-se um movimento por uma psicologia social enraizada nas temáticas sociais e nos direitos humanos, em oposição à psicologia social norte-americana, marcada por um forte traço adaptacionista (behaviorista) do indivíduo à sociedade. Emerge, então, uma psicologia comprometida com a emancipação do povo da América Latina e que luta pelo rompimento do pensamento colonialista instalado no continente.

Algo marcante diz respeito à psicologia escolar, na década de 1980, fazer sua autocrítica. Era o período de redemocratização do Brasil em que todas as áreas das ciências humanas debruçam-se para compreender as condições históricas em que o país se encontrava e os porquês que o levaram àquela condição. O momento de redemocratização é também quando teóricos que se fundamentam em Marx e no marxismo passam a ser mais lidos na academia, inclusive os textos de Vigotsky. Tudo isso culmina em produções críticas nas áreas de psicologia escolar, social, comunitária, entre outras. O problema reside no fato de que a autocrítica, em função das condições históricas e sociais, não alcança as políticas públicas, que são historicamente formuladas no país por pequenos grupos conservadores ou pelas

diretrizes internacionais de entidades ligadas ao poder econômico e político internacional. Mas, ao lançar um olhar mais atento acerca do que ocorre na maioria das instituições educacionais e nas políticas públicas instituídas à época estudada, conclui-se que houve um avanço muito tímido na direção de romper o pensamento hegemônico da psicologia que impera desde meados do século XX.