• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – AS PRIMEIRAS LEIS AGRÁRIAS

1.4 A Lei de Terras de

Inicialmente, essa lei e o decreto serão apresentados e, a posteriori, serão pensadas tanto a lei e suas funções quanto os possíveis desdobramentos, pós período de declaração junto ao indivíduo responsável.

Para analisarmos a Lei de Terras de 1850, faremos uso de alguns autores. Inicialmente usamos a obra Senhores e Caçadores do inglês Edward P. Thompson72, para interpretarmos os usos da lei na defesa de interesses diante imposições.

Num segundo momento, faremos uso de Motta e Christillino com suas respectivas produções sobre a Lei de Terras, cruzando essas produções junto com o livro de Registros Paroquias de Terras da Vila de Guarapuava.

A Lei que dará início de maneira efetiva aos debates acerca das modalidades de uso e posse da terra, no Brasil, é conhecida como Lei de Terras de 18 de setembro de 1850 e sua gênese segue da seguinte maneira:

Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem, como, por simples título de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara73.

Disponibilizada em 23 artigos, a Lei se dedica, principalmente, em diferenciar as terras devolutas das privadas, entre outros itens; como o uso das terras devolutas entre outros detalhes. Faziam parte da Lei também a medição das terras, as modalidades de usos obrigatórios, a compra e venda, e a definição de quem teria preferência na compra dessas terras.

71 RODRIGUES, 2014 p.63.

72 THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores. Rio de Janeiro, Paz e Terra 2 ª ed. 1997

Após a aplicação da Lei e os registros formalizados, as posses foram classificadas conforme declaradas, surgindo a figura do posseiro. Muitos pleiteavam ser o proprietário legítimo se baseando em títulos sustentados nas sesmarias, o que nem sempre acontecia74.

Quando tratamos da Lei, logo no primeiro artigo obtemos a informação de que os espaços devolutos somente poderiam ser adquiridos por meio da compra, com exceção das áreas fronteiriças, demonstrando a preocupação e a necessidade de povoamento com vistas à proteção e à manutenção das fronteiras do país75. O que na prática causaria um forte impacto na sociedade da época, uma vez que a determinação explicita a tentativa clara de impedimento de lavradores76 e agregados77, com poucos recursos financeiros, terem acesso a um quinhão. Diferentemente da extinta Lei Sesmarial, que possibilitava maior acesso, uma vez que a posse, como já foi dito anteriormente, era possível mediante comprovação de cultivo e morada permanente.

No artigo seguinte temos de imediato a punição para quem se apossasse indevidamente das terras devolutas ou alheias:

[...] e nelas derribarem matos ou lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de bem feitorias, e de mais sofrerão a pena de dois a seis meses do prisão e multa de 100$, além da satisfação do dano causado. Esta pena, porém, não terá lugar nos atos possessórios entre os confinantes78.

74 Como exemplo temos o artigo de Márcia Motta que analisa um processo no qual um documento da época sesmarial é utilizado por um indivíduo para requerer posse, vide: MOTTA, M. Teixeira de Freitas: Da posse e do Direito de Possuir. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, nº 7 Dezembro de 2005.

75 Vale destacar que em menos de 15 anos, após a aprovação da referida Lei, temos o início do que a historiografia chama de Guerra do Paraguai. Vide: DORATIOTO, F. Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia das letras, 2002.

76 Por lavradores entendemos que o termo é flexível e varia segundo cada momento histórico e região do Brasil, mas entendemos como agentes historicamente situados e suas relações com o acesso à terra e a instrumentos, padrão de rendimento e consumo e posição na hierarquia de status social e político, ao passo que no nordeste o individuo chamado de lavrador poderia ser um senhor de engenho na região do Rio de Janeiro a identidade do termo está ligada ao trabalhador rural cuja produção é baseada no trabalho familiar. SANTOS, L. in: MOTTA, M. (org.) Dicionário da Terra. Rio de Janeiro Civilização brasileira, 2005. p. 278, 279.

77 Por agregado compreendemos como aquele indivíduo que é trabalhador livre, mas que mora nas terras de um senhor, mas que não faz parte da família desse potentado e nem do quadro de trabalhadores do senhor, não sendo nem um escravo e nem empregado. A relação existente entre o agregado e o senhor de terras é não-capitalista inserida numa lógica capitalista, que oferece mão-de- obra em troca de um pagamento não-salarial. A falta de títulos legais que lhe garantam poder de posse sobre as terras que recebem apara o cultivo coloca o agregado em uma situação desfavorável, com risco de perder suas posses. MACHADO, M. in: MOTTA, M. (org.) Dicionário da Terra. Rio de Janeiro Civilização brasileira, 2005. p.20.

Em seguida, no artigo 3º, nos é elucidado o que se considera como terra devoluta. A terra que não possui uso público, as que não possuem título legítimo ou por concessão de sesmarias, mesmo não estando ocupada por posse, se legitimará com a presente lei.

No artigo 4º há a revalidação da sesmaria. Essa poderia ser realizada desde que houvesse morada habitual, ou algum representante do proprietário; fosse cultivada ou com princípio de cultura. O que chama atenção é, que a posse era revalidada mesmo se as condições impostas no ato de doação da sesmaria não estivessem sendo cumpridas na sua totalidade. Já no item seguinte, temos a complementação do artigo anterior demonstrando em detalhes os procedimentos e as imposições necessárias para a revalidação. Vale destacar que a terra deve ser mansa e pacífica. Outros pontos compõem o artigo 5º, como: terreno suficiente para alimentar sua criação e a outra parcela restante não poderia exceder as últimas sesmarias doadas na mesma comarca ou na vizinha. Trata também de possíveis disputas que seriam analisadas segundo o caso; as terras de uso comum permaneceriam na mesma condição e função até outra lei dispor o contrário.

O Artigo 6º orienta que o cultivo deveria estar acompanhado de morada habitual. No seguinte, trata dos prazos para as medições das posses requeridas. Caso não respeitassem os prazos de medição, os proprietários poderiam cair em comisso e somente poderiam permanecer com o espaço efetivamente trabalhado, a perda da parcela que não possuía cultura, é o que nos apresenta o artigo 8.

No artigo 9º, delimita-se que, se os prazos para medição não fossem respeitados, o governo procederia com as medições das terras devolutas, respeitando os artigos 4 e 5, não importando possíveis litígios entre possuidores, ou seja, a terra, sendo foco de disputa, seria medida da mesma maneira pelo governo. No artigo seguinte, é explicado sobre o indivíduo que julgará qualquer porvir relacionado à divisão das terras entre privadas e devolutas.

Artigo 11:

Os posseiros serão obrigados a tirar títulos dos terrenos que lhes ficarem pertencendo por efeito desta Lei, e sem eles não poderão hipotecar os mesmos terrenos, nem aliená-los por qualquer modo. Esses títulos serão passados pelas Repartições provinciais que o Governo designar, pagando-se 5$ de direitos de Chancellaria pelo terreno que não exceder de um quadrado de 500 braças por lado, e outro tanto por cada igual quadrado que de mais contiver a posse; e além disso 4$ de feitio, sem mais emolumentos ou selo79.

Percebemos um primeiro mecanismo para a posse do registro obrigatório. Caso não o fizessem, estariam sujeitos às sanções se, por ventura, procurassem algum auxílio financeiro relacionado com a propriedade.

No artigo 12, vemos a finalidade que seria dada aos espaços que não fossem registrados; construção de prédios públicos, colonização indígena, abertura de estradas ou qualquer outra realização de interesse do estado.

Em seguida, temos o artigo 13 no qual se explica que os registros, resultado final das declarações, eram organizados por Freguesias, e, talvez, esse seja o ponto mais descumprido de toda a lei; Previam-se multas e sanções cabíveis a todo aquele que descumprisse o prazo marcado para o registro ou o que estivesse com a declaração inexata.

O artigo 14 trata do desenrolar das terras não declaradas, tocando, provavelmente, nos interesses de muitos. Fica então, o Governo autorizado a vender as terras ditas devolutas quando, como e da maneira que achar mais conveniente, desde que, já estejam devidamente sinalizadas e previamente marcadas. Utilizando os mecanismos adequados para a medição, uma expectativa do tamanho do terreno foi imposto como item obrigatório, cerca de 500 braças80. Na impossibilidade dessa extensão mínima, o terreno poderia ser vendido mesmo assim e sempre com um preço mínimo previamente estipulado. Logo em seguida, no artigo 15, é decidido quem compraria os terrenos citados no artigo anterior. Teria preferência na compra proprietários que já possuíssem fronteira com essas terras vendidas, que possuíssem lavoura, criação e que comprovassem meios de aproveitamento do que estaria comprando.

As terras adquiridas nesse momento da venda estavam sujeitas a algumas imposições, tais como:

§ 1º Ceder o terreno preciso para estradas públicas de uma povoação a outra, ou algum porto de embarque, salvo o direito de indemnização das bem feitorias e do terreno ocupado.

§ 2º Dar servidão gratuita aos vizinhos quando lhes for indispensável para saírem há uma estrada publica, povoação ou porto de embarque, e com indemnização quando lhes for proveitosa por encurtamento de um quarto ou mais de caminho.

§ 3º Consentir a tirada de aguas desaproveitadas e a passagem delas, precedendo a indemnização das bem feitorias e terreno ocupado. § 4º Sujeitar ás disposições das Leis respectivas quaisquer minas que se descobrirem nas mesmas terras81.

80 A diante serão explicados os valores de algumas medidas. 81 BRASIL, Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850.

Na sequência dos artigos, é explicitado que as terras devolutas também serviriam para fins de colonização, e que o estrangeiro que estabelecesse morada em colônias possuiria a condição de naturalizado.

Os artigos 19 e 20 nos trazem informações sobre os trâmites para venda dessas terras de colonização aos “novos” brasileiros. No artigo seguinte, temos a criação do órgão responsável pela medição, divisão e descrição das terras devolutas, a Repartição Geral das Terras Públicas, com penas e multas para quem descumprisse a referida lei.

Para que a Lei nº 601 de 1850 fosse executada e, de maneira efetiva, colocada em prática, e iniciando-se, assim, o processo de demarcação, medição e declaração das posses requeridas, foi aprovado o Decreto de número 1.318 de 30 de janeiro de 1854. Composto por IX capítulos e 109 artigos, destrincha e amplia a referida Lei.