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Capítulo II – Os Desdobramentos da Lei de Terras de 1850 e o Livro de Registro de Terras da Vila de Nossa Senhora de Belém, de Guarapuava

2.2 O Vigário

Os indivíduos que desenvolveram, inicialmente, as práticas judiciais e de representação legal do poder da província no sertão, Freguesia ou Vila do Brasil, foram, portanto, os vigários. Hoje essa função é desenvolvida pelos Notários, Tabeliões ou, popularmente conhecidos como Cartorários. Mesmo sendo uma função encarregada de exercer práticas religiosas nas Vilas do Império, esse cargo religioso, quando da aprovação da Lei de 1850 e, posteriormente do Decreto de 1854. Define-se uma nova designação para o Vigário, tornando-o, também, oficial da lei naquele espaço. Sua prática era regida basicamente pelas leis denominadas de Ordenações Filipinas, importante conjunto de leis que teve sua origem a partir da junção de outras organizações de leis nomeadas de Ordenações Reais. Essas, por sua vez, eram compostas pelas Ordenações Afonsinas de 1446, Ordenações Manuelinas de 1521 e, por fim, como resultado da união das Ordenações Manuelinas com as leis extravagantes em vigência, surgem as leis que nos interessam e que vigoraram até 1916 no Brasil: as referidas Ordenações Filipinas, segundo MOTTA (1998).

De acordo com Oliveira (2002), as Ordenações Afonsinas criadas a partir de 1446, são atribuídas, originalmente a Rui Fernandes, João Mendes e Lopo Vasques, Luis Martins e Fernão Rodrigues. Foram elaboradas sob os reinados de alguns reis como de João I, D. Duarte e Afonso V; uma vez finalizado o reinado desse último, em sua homenagem, o documento recebeu o nome de Ordenações Afonsinas.

Ainda segundo a mesma autora, o outro conjunto de leis que estrutura nosso objeto final de interesse são conhecidas como Ordenações Manuelinas, com período de vigência de 1514 a 1603. Seus compiladores: Rui da Grá, Rui Boto e João Cotrim, que levaram aproximadamente treze anos para finalizar o documento; de 1501 até meados de 1514; mas é possível encontrar outra edição de 1512.

As Ordenações Filipinas, juntamente com as leis extravagantes, tiveram vigência no Brasil de 1603 até 1916. Esta compilação data do período do domínio espanhol, sendo devida aos juristas Paulo Afonso, Pedro Barbosa, Jorge de Cabedo, Damião Aguiar, Henrique de Souza, Diogo da Fonseca e Melchior do Amaral, que começaram seus trabalhos no reinado do rei espanhol Felipe I (1581-1598), terminaram-no em 1603, no reinado de Felipe II (1598-1621). Essas ordenações objetivaram a atualização das inúmeras regras esparsas editadas no período de 1521 a 1600, não produzindo grandes alterações nas fontes subsidiárias exceto transformações de cunho formal103.

As responsabilidades impostas ao Vigário - importante figura no contexto religioso no sertão do Brasil em meados dos oitocentos - eram várias. Uma delas dizia respeito ao registro de terras e posses, acatando tanto a lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, quanto, o Decreto nº 1.318 que, a partir de 30 de janeiro 1854, mandava executar tal lei, onde todos eram obrigados a registrar suas posses ou domínios. Segundo o Decreto de 1854, era função dos vigários de cada Vila, como representantes da lei, receber devidamente as declarações e realizar o registro dos domínios. Precisamente em cada declaração que seria anexada ao livro de Registros, deveria haver duas vias iguais, uma permanecendo com o proprietário e outra a ser anexada ao livro de registro. Nas declarações, deveriam estar presentes detalhes, tais como o nome ou nomes do possuidor ou possuidores, a região precisa da Vila onde se encontram explicada através dos pontos cardeais, ou de alguma outra característica que informe de maneira compreensível sua localização, ou seja, ao norte ou sul do rio, arroio, capão etc, ou que fizesse fronteira com um outro proprietário, a extensão ou a que julgava ser desses domínios forem desconhecidas e sua forma de aquisição.

O nome do vigário aparece nos artigos 97, 98 e 101 até 105. Em cada um desses artigos, fica explícita a função que o vigário deveria cumprir, como, por exemplo, no artigo 97, explica-se que os religiosos são os “encarregados de receber as declarações para o registro das terras, e os incumbidos de proceder a esse registro dentro de suas Freguesias, fazendo-o por si, ou por escreventes, que poderão nomear ou Ter sob sua responsabilidade”104. No artigo

103 OLIVEIRA, 2002 s/p.

seguinte, define-se o prazo que o indivíduo deve cumprir para registrar sua posse e, caso não o faça, medidas cabíveis também se encontram presentes nesse item, se fosse preciso, o vigário daria todas as explicações necessárias para “o bom cumprimento da referida obrigação”105. No artigo 101, aponta-se que o vigário fica responsável por receber os dois exemplares da declaração, como manda o artigo 93, e sendo iguais, deverá o registrador fazer uma nota destacando o dia do registro, uma via fica com o proprietário do domínio, assim comprovando que fez o registro em tempo hábil e, a outra via com o religioso para fins de compor o Livro de Registro Paroquial ou Livro de Registro do Vigário.

No próximo artigo, a lei obrigava o vigário a verificar se as informações ali apresentadas estavam de acordo com o solicitado e, caso não o tivesse, o responsável oficial deveria guiar os que ali se encontravam para registrar seus domínios dentro do solicitado pela lei, caso o declarante se negasse em modificar ou, “se, porém, as partes insistirem no registro de suas declarações pelo modo por que se acharem feitas, os vigários não poderiam recusá- las106”. Ao nos depararmos com o artigo 103, percebemos a preocupação no manuseio dos livros de registros, que deveriam ser “abertos, numerados, rubricados e encerrados. Nesses livros lançarão por si, ou por seus escreventes, textualmente, as declarações, que lhes forem apresentadas107”. Também, nesse momento, é estipulado o valor da declaração, 2 réis por letra, o que nos leva a compreender as razões pelas quais encontramos muitas declarações com poucas palavras ou em folhas de cadernetas.108 Na obrigação seguinte, descrita no artigo 104, temos os encaminhamentos que deveriam ser realizados após o ato de registrar o domínio; assim, seriam pelos vigários “emassados, e numerados pela ordem, que forem recebidos, notando em cada um a folha do livro, em que foi registrado109”.

No último artigo, que trata da função do vigário, temos descritas as punições caso não fossem cumpridos os trâmites solicitados pela lei:

Art. 105. Os Vigários, que extraviarem alguma das declarações, não fizerem o registro, ou nele cometerem erros, que alterem, ou tornem ininteligíveis os nomes, designação, extensão, e limites, de que trata o art. 100 deste Regulamento, serão obrigados a restituir os emolumentos, que tiverem recebido pelos documentos, que se extraviarem de seu poder, ou forem mal registrados, e além disto

105 Idem.

106 Artigo 102 Decreto nº Declaração de terras 1854

107 Idem Ibidem.

108 Observação constatada no Livro de Registros Paroquiais da Vila de Nossa de Belém, que corresponde atualmente a cidade de Guarapuava –Pr.

sofrerão a multa de cinquenta a duzentos mil réis, sendo tudo cobrado executivamente110.