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Robson Luiz de Bastos Silvestri - Márcia Motta

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Academic year: 2021

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DA LEI DE TERRAS AOS PERCURSOS DA POSSE: ANÁLISE DO LIVRO DE REGISTROS PAROQUIAIS DA VILA DE GUARAPUAVA - PR

Irati 2016

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ROBSON LUIZ DE BASTOS SILVESTRI

DA LEI DE TERRAS AOS PERCURSOS DA POSSE: ANÁLISE DO LIVRO DE REGISTROS PAROQUIAIS DA VILA DE GUARAPUAVA - PR

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História, Curso de Pós-Graduação em História. Área de concentração "História e Regiões", da Universidade Estadual do Centro – Oeste -UNICENTRO-PR.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Maria Menendes Motta

Irati 2016

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Catalogação na Fonte Biblioteca da UNICENTRO

SILVESTRI, Robson Luiz de Bastos.

S587l Da lei de terras aos percursos da posse: análise do livro de registros paroquiais da Vila de Guarapuava – PR / Robson Luiz de Bastos Silvestri. – Irati, PR : [s.n], 2016.

113 f.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Maria Menendes Motta

Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em História. Área de Concentração: História e Regiões. Universidade Estadual do Centro-Oeste, PR.

1. História – dissertação. 2. Leis agrárias. 3. Vigários. 4. Brasil rural – oitocentos. I. Motta, Márcia Maria Menendes. II. UNICENTRO. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Esse momento é o mais complexo de todos, o medo de esquecer algum nome, toma a mente e dificulta qualquer gratidão adequada, mas vamos lá.

Primeiramente agradecer com palavras não será o suficiente para quem me aguentou em todos, ou na maioria dos momentos, sem chão, totalmente nervoso ou ausente, seja por consequência de uma leitura, trabalho ou escrita. Devo muito à flor mais linda do meu jardim, Jessyka, fiel escudeira e companheira de tantas horas. Agradeço aos intermináveis papos e principalmente ao incentivo dado nos momentos que não possuía mais motivação, por acreditar na minha pessoa e estar presente quando estava desanimado. A inspiração vinda do Heitor, meu filho, que ainda não nasceu, mas que já me inspira a pensar e ser diferente.

Minha mãe Rosana por tudo.

Pai Roberto (Beto) pelo incentivo aos estudos desde a época graduação. Aos Irmãos por tudo.

A família Lopes que me adotou carinhosa e pacientemente tolerando meu Veganismo e infinitas manias.

Minha querida avó Leoni, a mulher mais incrível a batalhadora que conheci, puro sangue bugre, que lutou pela sobrevivência e pela terra, que me despertou o amor pelo campo e pelas coisas simples da vida.

Aos grandes companheiros cujos primeiros passos rumo à Pós-Graduação demos juntos, as viagens semanais ao lado dos compadres Maycon (Facadaaa) e Jorge, e das Giseles, a Vargas e a Sperandio, rumo à Irati para assistir as aulas do Professor Claércio, saudoso mestre com uma didática que não se acha fácil na academia. Aos amigos que incentivaram e auxiliaram no processo de aprovação e entrada no Programa. Eder, pelas ótimas dicas, Gerson, Mari e Rodrigo dos Santos pelas rodas de conversa nas geladas manhãs de Irati. Gratidão à Kety pelas sábias dicas durante o processo da escrita.

Agradeço também Professora Beatriz (Bia), que leu e releu mil vezes esse trabalho, pacientemente me atendeu da melhor maneira que pôde, pelas dicas, empréstimos e doações de livros, foi minha orientadora original, mas no percurso me encaminhou para as mãos da Professora Márcia Motta, que aceitou me orientar e acreditou no potencial da pesquisa. Ao Professor Marcos Stein pelas valiosas considerações na banca de qualificação.

Aos demais amigos durante a árdua caminhada, André (punk), Rodolfo, Rodrigo Renauer, Sérgio, pelos papos, ideias, sofrimento mútuo e aos Professores ministrantes dos

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créditos Rosimere Moreira, Fernando Franco Neto, José Miguel Arias Neto e Aldo Nelson Bona.

Aos amigos que mesmo de longe incentivaram na caminhada, como a comadre Grazi Eurich pela bela dissertação e incentivo e o compadre China (André Bonsanto).

Aos amigos de profissão companheiros nas escolas que passei durante caminhada, Sidnei pelas longas conversas, Enderson pelo revezamento 2x2 nas caronas. Não posso esquecer daqueles que me recebem todos os dias na escola, os queridos alunos. Na impossibilidade de agradecer nominalmente a cada um, deixo meu reconhecimento à todos.

Agradeço a piazada – Professores - do colégio Sesi, Germano, Marcelo, Mauro e Fábio que animam e facilitam a árdua tarefa de lecionar diariamente. Agradeço as meninas – Professoras - do Sesi, Carol, Fer, Josi, Juci, Jessica e Estela pelo companheirismo e ajuda.

Pela dedicação da Denise Gabriel Witzel que pacientemente leu e corrigiu da melhor maneira, dentro de um curto espaço de tempo, o presente trabalho, minha gratidão.

Meu sincero perdão por aqueles que esqueci de nominar e que provavelmente não foram poucos, mas assim que tiver a oportunidade o farei pessoalmente.

Obrigado novamente pessoal, sem cada um de vocês aqui citados essa pesquisa não teria o mesmo resultado.

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"Nóis não tem direitos de terra, tudo é para as gente da Oropa." Garatujada num pedaço de papel manchado de sangue, encontrado no bolso de um sertanejo morto durante a Guerra do Contestado

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Resumo

Nesta dissertação, apresentamos questões acerca da história agrária do Brasil dos oitocentos, partindo da Lei Orçamentária de 1843, passando pela Lei de Terras de 1850 até chegarmos no Decreto de 1854. Realizamos uma discussão historiográfica sobre as versões do Brasil dos oitocentos e sobre uma possível gênese da desigualdade surgida no rural brasileiro, tendo em conta considerações indispensáveis para entendermos as ações de grupos organizados em defesa da constituição de suas propriedades. Para tanto, abordamos uma figura importante nesse processo - o Vigário - e a consequência da sua ação oficial legitimada pela Coroa - o Livro de Registros Paroquiais de Terras da Vila de Guarapuava – Pr. Com a análise desse livro, pretendemos compreender a dinâmica do processo de legitimação de posses no território que hoje corresponde ao município de Guarapuava-Pr.

Palavras-Chave: História Agrária; Leis Agrárias; História dos Oitocentos; Vigário; Livro de Registros de Terras.

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Abstract

In this dissertation, we present questions about the agrarian history of Brazil of eight, starting with the 1843 Budget Law, through the 1850 Land Law to get the Decree of 1854. We conducted a historiographical discussion of eight of Brazil the versions and on a possible genesis of inequality emerged in the Brazilian countryside, taking into account essential considerations to understand the actions of organized groups in defense of their property. Therefore, we expanded our perception with regard to the agents involved in rural and approach an important figure in this process - the vicar - and the consequence of their official action legitimated by the Crown - Parochial Records Book Land of Guarapuava Village - Pr. With the analysis of this book, we aim to understand the dynamics of possessions legitimation process in the territory that today corresponds to Guarapuava-Pr.

Keywords: Agrarian History; Agrarian laws; History of the Nineteenth Century; Vigário;

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LISTA DE IMAGENS

Imagem1: Mapas de Guarapuava... 30

Imagem2: Mapa dos Principais Grilos de Terras do Paraná... 34

Imagem3: Legenda do mapa dos Principais Grilos de Terras do Paraná... 35

Gráfico1:... 57 Gráfico2:... 58 Gráfico3:... 60 Gráfico4:... 61 Gráfico5:... 62

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Sumário

Capítulo I – AS PRIMEIRAS LEIS AGRÁRIAS 1.1 O Regime Sesmarial

1.2 A Sesmaria no Paraná os Campos de Guarapuava e o mito da legitimidade da posse 1.3 Lei Orçamentária de 1843

1.4 A Lei de Terras de 1850

1.5 A Lei Hipotecária nº1237 de 24 de setembro de 1864

Capítulo II – OS DESDOBRAMENTOS DA LEI DE TERRAS DE 1850 E O LIVRO DE REGISTRO DE TERRAS DA VILA DE NOSSA SENHORA DE BELÉM DE

GUARAPUAVA

2.1 O Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854...51 2.2 O Vigário

2.3 Registros Paroquiais de Terras 2.4 A Produção de Verdades Jurídicas

Capítulo III - ANÁLISE DA LEI DE TERRAS E AS VERSÕES DO BRASIL AGRÁRIO DOS OITOCENTOS

3.0 A Historiografia da Esquerda Brasileira Sobre os Oitocentos Agrário 3.1 Sobre a Lei

3.2 Análise da Lei de Terras e suas Disputas Considerações Finais

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Introdução

O presente trabalho trata de algumas questões sobre o universo agrário brasileiro dos oitocentos, mais especificadamente da região que hoje corresponde, em sua maior parte, ao município de Guarapuava – Pr.

Com a aprovação da Lei conhecida como Sesmarias1, sob a justificativa de promover o povoamento e manutenção das fronteiras, a acumulação legal de bens imóveis é iniciada no Brasil. Como desdobramento dessa Lei, várias porções consideráveis de terras são doadas a quem pudesse comprovar morada fixa e cultivo. Dessa maneira, chegamos ao território compreendido atualmente como Estado do Paraná onde se delimitou o espaço da cidade de Guarapuava. Chegamos, igualmente, aos primeiros indivíduos que receberam terras nesse espaço e às mudanças no mapa dessa cidade.

Em meio a esse intricado, complexo e duvidoso processo de doação de terras, surgem outras leis que visavam atender às necessidades específicas do meio agrário. Nesses oitocentos, aparecem as leis agrárias que sucedem o regime de Sesmarias que vigorou desde tempos coloniais até quase o final do período Imperial, vigente no Brasil até meados de 1843 quando da aprovação da Lei Orçamentária2.

Na sequência da Lei Orçamentária, após intenso debate, é aprovada a Lei que guia as discussões do presente trabalho: a Lei de Terras de 1850. Nosso intuito é compreender os mecanismos utilizados principalmente por determinados grupos ao defenderem seus interesses e, consequentemente, o acúmulo de bens presente no processo de registrar o que alegavam lhes pertencer, cumprindo a determinação prevista na Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, também conhecida como Lei de Terras de 1850. Essa lei, que visava obter uma prévia da situação agrária no Brasil dos oitocentos, é aprovada pelo Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854, composto por IX capítulos e 109 artigos.

Como resultado da aprovação da Lei de Terras de 1850 e seu Decreto de 1854, temos os registros de bens junto ao vigário, indivíduo responsável por receber e deixar arquivado a solicitação do requerente. Com o objetivo de dar visibilidade a uma parte de como eram organizados e estruturados os registros de terras de Guarapuava – PR, este trabalho se debruça

1 Segundo MOTTA, “Instituto de origem portuguesa que pressupunha a doação de terras mediante a comprovação do cultivo. Depois de cultivadas, deveriam ser medidas e finalmente confirmadas, o que dava ao seu detentor pleno direito de posse. Caso não fossem cultivadas, as terras seriam devolvidas à Coroa e redistribuídas a quem efetivamente as tornasse produtivas.” ALVEAL, C. MOTTA, M. in MOTTA, M. Dicionário da Terra. Rio de Janeiro Civilização brasileira, 2005, p. 427.

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sobre a fonte histórica presente no Arquivo Histórico da Catedral Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, notadamente sobre o Livro de Registros do Vigário ou Livro de Registros Paroquiais da Vila de Guarapuava – PR3. Seguindo o cumprimento da Lei, os registros de posses eram realizados junto ao vigário do local onde o requerente residia.

Na linha cronológica de sucessão das Leis agrárias, temos a Lei Hipotecária nº1237 de 24 de setembro de 1864, que previa a reforma do sistema hipotecário brasileiro. Com o objetivo de estimular o crédito imobiliário de maneira segura, toma o bem empenhorado como garantia, considerando-o fonte de riqueza tanto pública quanto privada e visando auxiliar o crescimento da lavoura. Antes desse momento, as garantias de pronto reembolso do montante emprestado eram mínimas; com o penhor, as possibilidades de o credor reaver a quantia creditada eram reais. Com isso, o primeiro capítulo se encerra e iniciamos o segundo momento das pesquisas do nosso trabalho.

O segundo momento de reflexão deste trabalho apresenta o Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854 e suas disposições que deveriam ser cumpridas caso o declarante requeresse presunção de posse. Composto por IX capítulos e 109 artigos, esse Decreto leva a cabo a aplicação da Lei de Terras aprovada quatro anos antes, determinando: a maneira adequada de fazer o registro da posse; a diferenciação das terras devolutas, particulares e fronteiriças; os possíveis usos e os trâmites legais para processo de legitimação da posse.

Posteriormente, temos a contraditória e complexa figura que permeia todo o processo de registro de posses: o Vigário. Inicialmente incumbido de propagar a fé católica apostólica romana, no espaço que compreendia a Vila que lhe cabia – ele era o responsável por práticas religiosas nas comunidades do Império sendo uma pessoa pública conhecida - tornou-se, em decorrência, uma espécie de representante legal do Império, acumulando a função de receber os registros de terras, quando da aprovação da Lei de 1850 de Terras e seu decreto em 1854. Como oficial da lei a serviço da coroa naquele espaço, tornou pública e conhecida a presença da coroa nos rincões brasileiros onde o poder público limitava-se, ao máximo, na presença de algum contingente militar, tendo sua prática regida pelas Ordenações Filipinas - importante conjunto de Leis com sua origem a partir de outros conjuntos judiciais conhecidos por Ordenações Reais, Afonsinas (1446) e Manoelinas (1521)4. Como consequência das ações desse indivíduo, temos o Livro de Registros Paroquiais, ou como trivialmente foi chamado Livro de Registros do Vigário.

3 VECCHIA, Z. H. D. (org.) Registro do Vigário da Vila de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava (Prelo) Guarapuava, Ed Unicentro.

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O Livro de Registro do Vigário contém as declarações levadas ao clérigo em duas vias: uma permanecendo com o requerente e outra com o religioso. Uma vez com os domínios devidamente registrados, os requerentes poderiam iniciar o processo de presunção de posse. Esse rico material composto por detalhes e silenciamentos - propositais ou não – é composto por descrição de fronteiras de reconhecimento ou não de confrontantes, e em alguns casos com descrição minuciosa do espaço geográfico recheada por pontos de orientação que separavam e possibilitavam, talvez, algum mínimo sentido ao complexo cenário aqui analisado, os oitocentos brasileiro.

A transcrição dos documentos originais para arquivos digitais foi iniciada com a Professor Zilma H. D. Vecchia iniciado em 2010. Fui convidado a fazer parte dessa transcrição, que resultou no livro a ser lançado pela editora UNICENTRO, sob o título de Registro do Vigário da Vila de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava. Durante o processo diversas dificuldades foram encontradas, como, principalmente, a letra do Vigário Braga, responsável por registrar as declarações. As declarações foram registradas conforme uma tabela previamente organizadas tentando elencar os principais dados, como: nome(s) do proprietário(s), meio de obtenção do bem, local onde está localizado o item registrado e tamanho do mesmo. Outras informações também são encontradas, e para registrá-las um espaço na parte inferior do arquivo digital foi reservado.

Ao registrarem “seus” domínios, os declarantes consolidavam uma prática que se tornou comum ao longo dos oitocentos e que adentrou o século seguinte, na tentativa de obter domínio sobre posses nem sempre legítimas. A construção de documentos em forma de declarações de terras passou a ser um dos itens indispensáveis no processo de consolidação efetiva da posse. Nesse processo, os mais diversos indivíduos estavam envolvidos, desde requerentes ou proprietários até aliados dedicados em dar segurança ao processo corriqueiramente ilegítimo. Dentre os envolvidos encontramos juízes, tabeliões, políticos, militares e, se houvesse algum tipo de parentesco, os mecanismos para burlar a lei eram mais eficazes.

Diante do apresentado, focalizamos dois pontos fundamentais para a prática do registro e para o resultado de sua ação: o Vigário e o Livro de Registros Paroquiais ou Livro de Registros do Vigário.

Segundo o Decreto de 1854, era função dos Vigários de cada vila, como representantes da lei, receber devidamente as declarações e realizar o registro dos domínios. Precisamente em cada declaração, que seria anexada ao livro de Registros, deveria haver duas vias iguais, uma permanecendo com o proprietário e outra anexada ao livro de registro. Nas

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declarações, deveriam estar presentes detalhes, tais como o(s) nome(s) do(s) possuidor(es);, a região precisa da Vila explicada por meio de pontos cardeais ou de alguma outra característica que informasse de maneira compreensível sua localização, - ou seja, ao norte ou sul do rio, arroio, capão etc – sua fronteira com outro proprietário, sua extensão, caso fosse conhecida, e igualmente, um dos itens mais importantes sua forma de aquisição.

Os livros de Registros Paroquiais têm sua origem a partir da segunda metade do século XIX, quando passaram a ser importantes fontes de pesquisa e de conhecimento sobre o rural brasileiro, mesmo que de forma genérica. Esses Registros nos incitam a lançar um olhar atento e crítico, opondo-se a uma visão limitada voltada para uma verdade absoluta, questionando a possível situação das terras declaradas.

Esses livros foram produzidos por meio das mãos detentoras, naquele momento, da fé pública outorgada temporariamente ao Vigário. Tal documento se mostra como uma suposta verdade concretizada ou como a construção de uma verdade; a sua manipulação poderia ser utilizada em ação requerente de posse como uma das provas de domínio por parte de quem possuísse tal declaração, ou seja, declarar o item como propriedade perante o Vigário era um importante passo para se obter a posse efetiva. Mesmo se não fosse verdade, o falsificador poderia iniciar o processo de reconhecimento de posse através da declaração realizada.

Nossa fonte – o Livro de Registros do Vigário ou Livro de Registros de Terras da Vila de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava –ainda está por ser explorada de maneira minuciosa. Neste trabalho, faremos uma provocação inicial de reflexão, sem a pretensão de esgotar as leituras críticas acerca de uma fonte tão rica quanto complexa.

Dentre as 396 declarações contidas no Livro, algumas foram feitas a rogo de terceiros ou atendendo solicitação de analfabetos ou impossibilitados de comparecerem junto ao religioso para realizar sua declaração. Alguns declarantes possuíam mais de um domínio, totalizando 632 declarações, perfazendo um total de 672 locais declarados no período de 22 de maio de 1855 a 31 de maio de 1857. O responsável por escrever nossa fonte foi o Vigário Antônio Braga de Araújo, contando com um total de 369 pessoas registradas como declarantes5. As designações dos locais que mais aparecem nas declarações são Jordão, Pinhão e Rocio da Vila6.

5 Sabemos que esse não é o número total de declarações que deveriam constar na fonte, pois em carta enviada ao Vice-Presidente da província o padre relata que alguns não compareceram na paróquia para atender a imposição da Lei.

6 Todas essas informações serão retomadas adiantes com elaboração de gráficos para melhor visualização dos dados para que fiquem mais compreensíveis as informações.

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De maneira breve, nas declarações analisadas, encontramos diversas informações que reafirmam a concentração de terras e a formação de latifúndios, característica comum na história agrária do Brasil. Os documentos confirmam, em parte, as teorias elaboradas pela esquerda brasileira que tentaram explicar o Brasil daquele momento histórico7.

Colocando em prática a Lei que impunha ao “proprietário” o registro de sua posse, a prática legal se inicia sob a égide da legitimidade de bens, ou seja, a lei propriamente dita beneficiava um grupo que possuía acesso ao modelo mais aceitável de aquisição da posse: a compra, não acessível a todos. Uma lei que impedia à maioria o acesso e possibilitava acúmulo de bens por parte de quem possuía condições para “comprar” terras ou sob a alegação de as ter comprado.

Ao pensar a constituição das leis e seu jogo tanto de interesses quanto de verdades explícitas e construídas, temos que pensar quais os mecanismos presentes na fabricação dessas verdades materializadas na forma de registros de garantia de posse, isto é, as declarações de terra.

Foucault8 nos auxilia a compreender o caminho da construção das leis com indispensáveis pontos a serem considerados, como, por exemplo, a verdade e o poder. Pensando um conjunto de regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder, exerce-se um poder pelas mãos dos legisladores defensores dos poderes reais, mas que para atender potentados regionais buscavam de alguma maneira não os enfrentar. Na tentativa de fortalecer seus enlaces, colocavam suas demandas em pauta, demonstrando, também, que não se tratava de um combate entre forças locais e a coroa, mas de interesses locais que aumentavam a possibilidade de junção de interesses em torno do estatuto da verdade e do papel econômico-político que ela desempenhava. A isso o autor chama de “invenção” – Erfindung9, invenção de interesses em comum na busca por fortalecimento de ambas as partes.

Segundo o mesmo autor, são os legisladores que detêm o conhecimento ou a invenção, Não se trata da expressão da verdadeira natureza humana, na medida em que a entende como o resultado de um jogo, de um confronto entre forças10.

7 As teorias explicativas elaboradas pela esquerda brasileira sobre o Brasil agrário dos oitocentos serão abordadas adiante.

8 FOUCAULT, M. A Verdade e as Formas Jurídicas. Trad. Eduardo Jardim e Roberto Machado Rio de Janeiro. 4ªed NAU, 2013.

9 Esse termo será abordado adiante.

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Do jogo de forças, temos o poder ou uma rede de poder de indivíduos que exercem e sofrem sua ação11. Para Foucault, os poderes periféricos e moleculares não estão necessariamente do Estado, mas estão nas mãos de indivíduos grupos ou entidades etc, são exercidos em níveis variados e possibilitam o surgimento de micro-poderes, distribuídos nas práticas dos potentados locais em diálogo com a coroa firmando enlaces e construindo um emaranhado interligado de relações de poder. Essa rede de poder também perceptível no ato de declarar seu bem requerido junto ao Vigário, quando o declarante reconhece ou não fronteiras com terceiro, esse simples ato num processo de requerimento de posse pode vir a ajudar ou a prejudicar o requerente12.

Através das leituras teóricas serão analisadas as declarações presentes no Livro de Registro do Vigário da Vila de Nossa Senhora de Belém, hoje município de Guarapuava – Pr, bem como as leis e normas que vigoraram nos oitocentos concernentes a obtenção de imóveis..

Ao tratar do livro de Registro Paroquiais de Terras como um dos meios para compreensão do complexo universo agrário dos oitocentos, lançaremos mão das interpretações e pesquisas realizadas por Motta em seu livro, O Rural a la Gauche13. Nessa obra de fôlego bibliográfico, a autora se debruça sobre as principais produções que se empenharam ou tentaram explicar a dinâmica do processo de ocupação de terras e de produção de bens, implicando acúmulo de riquezas e de posses. Analisa, ainda, as possibilidades de uma história rural compreendida pela ótica marxista, a que foi seguida pelo Partido Comunista Brasileiro quando iniciava sua caminhada intelectual e ideológica, pinçando conceitos que, naquele momento, supostamente explicariam as relações e as contradições presentes no campo brasileiro com ênfase em encaixar o modelo nacional em moldes europeus.

As explicações majoritariamente apoiadas em argumentos econômicos não respondem, por completo, as relações impostas pelo complexo oitocentos agrário brasileiro. Assim, na sequência, contaremos com as contribuições de Thompson presentes na obra

Senhores e caçadores14. Contribuições preciosas que nos auxiliam no compreender como os agentes envolvidos se apropriam das Leis para atenderem seus interesses, sejam os potentados ou os pequenos proprietários, ambos buscando legitimar o que julgas lhes pertencer.

11 FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 16ª ed. 2001. P. 183.

12 Esse ponto será analisado adiante quando será feita a análise da Lei de Terras de 1850.

13 Adiante será detalhado das correntes presente nas tentativas de compreender o agrário dos oitocentos pela esquerda brasileira.

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O acesso a terras para produção de bens ou acúmulo de riquezas teve seu início com Lei de Sesmarias e seu término 30 anos antes da Lei de Terras de 1850. Em sua maior parte, impedia-se que camponeses e lavradores obtivessem posses, uma vez que essas posses deveriam ser registradas principalmente pela compra, mas também era possível registrá-las mediante revalidação da sesmaria ou herança.

A lei que beneficiou potentados a acumularem mais imóveis, também possibilitou aos pequenos proprietários que possuíam alguma condição de defesa jurídica a manterem seus domínios, ou seja, mesmo a Lei de terras sendo um impedimento ao acesso a terra, a mesma Lei acabou sendo utilizada em alguns casos como mecanismo para entrada de pedido de presunção de posse, fazendo com que alguns pequenos proprietários mantivessem suas casas de morada. Essa prática foi comum segundo as interpretações propostas por Thompson, teórico da Nova Esquerda Inglesa, uma corrente historiográfica que começou a valorizar novos itens para pesquisa e análise histórica, reconhecendo o potencial dos trabalhadores enquanto agentes de mudança. A partir da obra de Thompson, compreenderemos e traremos para a reflexão a percepção da criatividade nas práticas dos agentes envolvidos no processo de apropriação da Lei, com foco na legitimação dos bens requeridos, tanto por pequenos quanto por médios e grandes proprietários.

Como foco principal, nossa análise se debruçará sobre as declarações presentes no Livro do Registro de Terras da Vila de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava15. Dentre os detalhes e os silenciamentos, buscaremos traçar itens que possibilitam compreensão acerca dinâmica imposta pelos indivíduos ao colocarem em prática seu poder para proteger seus domínios ou para angariar novas posses. Nesse sentido, recorreremos novamente a Foucault e a suas pesquisas para entendermos como os diversos discursos encontrados em um documento – no nosso caso nas declarações de terra ou ainda em um determinado grupo social, detentor ou que pretende ser um possuidor de terras – exercem funções de controle sobre outros, limitando e validando regras específicas, o que para nós significou a falência da Lei de Terras e a dificuldade imposta aos pequenos proprietários quando da sua aprovação, uma vez que essa era legitimada principalmente pela compra16.

15 Área correspondente em fins do século XIX ao centro-oeste paranaense, adiante será demonstrada com detalhes fazendo uso de mapas. Atualmente a cidade de Guarapuava está localizada na região centro-sul o Estado.

16 Vale destacar novamente que o simples ato de declarar o bem não dava direitos plenos de posse, mas desde que a declaração fosse sustentada através da compra desses imóveis o declarante possuiria maiores chances de ser considerado real proprietário.

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No último capítulo, serão abordados temas referentes à historiografia da esquerda brasileira sobre as interpretações que intelectuais produziram antes do período de fechamento do partido quando relegado à clandestinidade.

Com relação às visões presentes, mesmo que destoantes, dentro da esquerda brasileira, serão utilizados importantes nomes como: Sodré (1982)17, figura marcante no ISEB18, em cuja obra procura explicar os motivos que levaram ao subdesenvolvimento ou ao atraso do Brasil. Afirma, esse autor, que a significativa quantidade de terras concentradas nas mãos de poucos indivíduos, sob influência imperialista, somada à prática do regime escravista, fomentaram o surgimento do feudalismo brasileiro. Para além da concentração acarretando disputas de terras entre libertos e estrangeiros, os litigantes não estavam no mesmo patamar de disputa por posses. Isso implicou mais desigualdades após o regime escravocrata ter sido abolido, na medida em que impôs aos libertos o regime de servidão ou semi-servidão. Sua obra é construída por meio de uma leitura atenta e de diálogos com autores não marxistas, buscando encontrar uma razão para nosso atraso19 que coloca o país numa estrutura de ideologia carente e retrógrada20.

O alagoano Guimarães (1968), nascido em 1908, propôs em sua obra Quatro séculos

de latifúndio21 refletir sobre as ações do intruso ou do pequeno posseiro. São ações transformadas em foco da resistência ao latifúndio cujas práticas enfatizadas aceleraram o término do regime conhecido como sesmarias, iniciando demanda, por parte das autoridades do Brasil colônia, no sentido de providenciarem medidas cautelares que visavam defender os privilégios da propriedade latifundiária22.

Guimarães aprofunda as reflexões de Sodré. Segue e amplia a mesma linha de pesquisa chamada de feudal ou de resquícios feudais, mas a altera porque muda o foco das disputas pela terra. Enquanto a visão de Sodré resumia os entraves entre potentados e escravos, Guimarães destaca o “pequeno posseiro” e demonstra sua resistência e obstinação

17 Esse debate historiográfico já foi realizado por Márcia Motta em seu livro O Rural a la gauche (campesinato e latifúndio) nas interpretações da esquerda (1955/1996). Niterói: Editora da UFF, 2014 18 Instituto superior de Estudos Brasileiros, nas palavras de MOTTA, 2014: “[...] fundado em 1955, tinha como objetivo lanças as bases de um pensamento brasileiro, na consolidação de uma ideologia capaz de permitir que a Nação tomasse consciência de seu desenvolvimento[...], Espaço de publicação de livros e realização de debates, o ISEB também se consagrou como lugar onde oferecia cursos para vários grupos sociais” MOTTA, M. O Rural a la gauche (campesinato e latifúndio) nas interpretações da esquerda (1955/1996). Niterói: Editora da UFF, 2014 p. 32.

19 Idem, p. 26.

20 Idem, p. 33.

21 GUIMARÃES, A. P. Quatro séculos de latifúndio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 22 Idem, p.77

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na luta pela posse da terra23” o que rompe, segundo o autor, com o que ele chama de “intangível monopólio colonial e feudal24”. Ao aperfeiçoar a ideia de feudalismo em território brasileiro, ele dá relevo às origens das consequências da extrema concentração de terras no Brasil25.

Alberto Passos Guimarães defendeu a visão de um Brasil possuidor de histórias distintas em relação à expansão territorial, histórias desiguais. Em suas pesquisas, priorizou o enfoque sobre o nordeste e defendeu arduamente a reforma agrária, sob a justificativa de ser condição imprescindível para o desenvolvimento do capitalismo em bases nacionais26. Também foi pioneiro em analisar conflitos agrários do século XIX.

Outro intelectual fundamental que teoriza e reflete acerca da complexa desigualdade de terras e busca explicar os trâmites da história agrária no Brasil é Caio Prado Júnior. Nascido em São Paulo, em berço de família tradicional, bacharelou-se em direito pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1928, e, uma vez filiado ao Partido Comunista do Brasil em 1931, foi praticamente a única voz a negar a possibilidade histórica do feudalismo o Brasil27. O máximo que o pesquisador aceitara na utilização do termo feudalismo era enquanto figura de retórica, pois, no seu entendimento, o Brasil se configurava capitalista desde suas origens. A fala sobre feudalismo em terras brasileiras era um esforço demasiado que visava traçar um paralelismo – inexistente, segundo ele – entre as economias do Brasil e as da Europa feudal28. Principal opositor das ideias hegemônicas do PCB, Prado Júnior focou seus argumentos no sentido de desmantelar a estrutura teórica dos autores feudais brasileiros, sustentados basicamente na dicotomia campesinato e latifúndio. Prado não reconhecia a luta de classes no seio das relações coloniais, como veremos mais a diante. Para o autor, a teoria marxista sobre a revolução foi elaborada por meio de signos de abstrações, criticando o modelo brasileiro de análise empreendida pelos feudalistas nacionais que buscavam adequar fatos e encaixá-los na realidade concreta29.

23 MOTTA, M. Caindo por terra: um debate historiográfico sobre o universo rural do oitocentos. Lutas & Resistências, Londrina, v.1, p. 42-59, set. 2006. p.44.

24 GUIMARÃES, 1977, p.113 apud MOTTA, M. Caindo por terra: um debate historiográfico sobre o universo rural do oitocentos. Lutas & Resistências, Londrina, v.1, p. 42-59, set. 2006. p.44.

25 MOTTA, M. Caindo por terra: um debate historiográfico sobre o universo rural do oitocentos. Lutas & Resistências, Londrina, v.1, p. 42-59, set. 2006. p.43.

26 MOTTA, M. O Rural a la gauche (campesinato e latifúndio) nas interpretações da esquerda (1955/1996). Niterói: Editora da UFF, 2014 p. 57.

27 Idem, p.89.

28 Ibidem.

29 PRADO JÚNIOR, C.P. A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense,1966, p. 33 apud MOTTA, M. Caindo por terra: um debate historiográfico sobre o universo rural do oitocentos. Lutas & Resistências, Londrina, v.1, p. 42-59, set. 2006. p. 45.

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Caio Prado compreendia a economia do Brasil como uma empresa comercial que visava explorar o território colonial para o enriquecimento europeu. Inserindo-se no plano internacional, marcadamente capitalista, a colônia brasileira seria também capitalista. Buscavam-se servir aos interesses comerciais europeus cuja estrutura era organizada por grandes empresas monocultoras movidas pelo cativo que, na sua grande quantidade, impedia a luta do campesinato. Somente com o advento imigracionista foi possível a expansão da pequena propriedade; e, a partir da proibição da escravatura, surgiram as ameaças ao poder dos potentados30.

Outra pesquisadora fundamental para compreender o debate historiográfico do Brasil agrário é Emília Viotti da Costa, nascida em São Paulo em 1928. Em sua obra Da Senzala à

Colônia, a autora analisa o que chama de marcha avassaladora do latifúndio, focando em

processo de desapropriação de terras de pequenos proprietários. Alguns ficaram apáticos perante a injustiça e tornaram-se agregados da grande propriedade; outros, por sua vez, mobilizaram-se contrários aos desmandos dos potentados o que gerou resistências e conflitos31.

Ciro Cardoso é, segundo Linhares, o grande nome responsável por novas interpretações que romperam com a teoria explicativa até então sustentada na defesa de que o desenvolvimento econômico da colônia brasileira alicerçava-se no capitalismo comercial, seguindo as reflexões de Caio Prado e, posteriormente, adensada por Novais32. Dentre seus maiores legados, está a pioneira definição da economia camponesa na estrutura interna da colônia. Ao ressaltar a importância do estudo das estruturas internas das colônias, o autor enfatiza que o mundo latino-americano não era resultado apenas da expansão mercantil do mundo moderno33.

Outra figura importante nas reflexões e debates sobre o modo de produção vigente durante o Brasil colônia foi Jacob Gorender, nascido em Salvador em 1923. Ele se dedicou às leituras marxistas e refletiu sobre a economia do Brasil colonial. Descontente com as interpretações teóricas até então dominantes, fixou olhos na figura dos agregados. Na sua obra de maior expressão, O Escravismo Colonial, evidencia que os agregados teriam se estabelecido nas periferias dos latifúndios, mantendo-se através da economia local limitada. 30 MOTTA, M. Caindo por terra: um debate historiográfico sobre o universo rural do oitocentos. Lutas & Resistências, Londrina, v.1, p. 42-59, set. 2006. p.44 e 45.

31 Ibidem.

32 MOTTA, M. O Rural a la gauche (campesinato e latifúndio) nas interpretações da esquerda (1955/1996). Niterói: Editora da UFF, 2014 p. 177.

33 MOTTA, M. Caindo por terra: um debate historiográfico sobre o universo rural do oitocentos. Lutas & Resistências, Londrina, v.1, p. 42-59, set. 2006. P. 49.

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Observa que os pequenos lavradores que não possuíam escravos estavam estabelecidos em pequenas porções de terras, e tinham como meta, basicamente, satisfazer as necessidades básicas para sua sobrevivência34.

Sobre a lei que obrigava os “proprietários35” a registrarem seus domínios requeridos, conhecida como Lei de Terras de 1850 e seu de decreto de 1854, várias prerrogativas eram obrigatórias e são perceptíveis as tentativas por parte da coroa em conhecer como o sertão36 brasileiro estava organizado ou se organizando. Foi Motta37 quem apresentou interpretações que ampliaram as percepções sobre a Lei de 1850 e seu Decreto de 1854, na região do Rio de Janeiro e, posteriormente, Christillino38, no Rio Grande do Sul.

Motta, em sua tese, analisa um conflito envolvendo os agregados da fazenda do S. Barão do Piabanha (Paraíba do Sul-RJ), ocorrido ente 1854 e 1858. Em suas reflexões, dedica-se em identificar os paradoxais entendimentos referentes às leis e ao direito a terra, confrontando declarações nos registros paroquiais. A historiadora mostra as implicações do ato de registrar que regulariza seus domínios ou o revés, implicando, se caso regularizasse sua posse, em limitar a extensão de seu bem, ou seja, declarando seu domínio o potentado estaria ao alcance dos braços da lei, possibilitando questionamento por parte do estado ou por terceiros da extensão da sua propriedade. A saída seria realizar as alianças apresentadas a seguir.

Christillino, com sua análise meticulosa do contexto e dos enlaces formados durante o processo de confecção da lei, apresentou-nos uma complexa gama de acordos firmados no período que antecede a República. Enfatiza a descentralização do processo de regularização fundiária como um item fundamental desses enlaces, deslocando boa parte do poder central, nas mãos das elites locais, visando seu fortalecimento. Após essa injeção de poder nas elites 34 Idem, p.50.

35Usamos o termo entre aspas, em consequência da Lei de Terras não possibilitar a posse do bem requerido, a lei apenas visava um levantamento estatístico e o impedimento a determinados cidadão de obterem posses, esse item será abordado com mais detalhes adiante.

36 Sob sertão o compreendemos segundo o entendimento de Barros: “Termo de difícil precisão conceitual, presente em documentos científicos e históricos, na linguagem literária e no senso comum [..] terras mais distantes da costa, referência de quem chega ao país pelo mar. Numa caracterização de distância geográfica e do controle do governo colonial, sertão designa terras ignotas. Nos séculos XVIII e XIX, sertão indica ora profundidade – a distância dos fundos de uma propriedade em relação à testada- ora lugares distantes do centro da cidade. MOTTA, M. Dicionário da Terra. Rio de Janeiro Civilização brasileira, 2005, p. 425.

37Fruto da sua Tese temos: MOTTA, M. Nas Fronteiras do Poder: Conflito de terra e Direito à Terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro Vício da Leitura Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998.

38CHRISTILINO, C. L. Litígios ao Sul do Império: A Lei de Terras e a Consolidação política da Coroa no Rio Grande do Sul (1850-1888). Orientadora Márcia Motta. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2010.

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locais cria-se uma rede de tratos e obrigações recíprocas39. O poder central forjava mecanismos para se sobrepor às redes de poder local criando uma dependência desta a ele, mas sem desestruturá-las, pois o apoio da elite local era vital40.

Com o advento da lei de Terra e do decreto supracitado facilmente é possível se enganar supondo ao serem cumpridos os trâmites estipulados, os conflitos e as disputas por terras se findariam. Contudo, na análise de Motta (1998), o suposto final dos desentendimentos não passou de uma grande ilusão. Exatamente o contrário ocorreria e o insucesso da lei seria perceptível após os relatórios apresentados junto à Repartição Geral de Terras Públicas, presentes nos Relatórios do Ministério da Agricultura, servindo meramente como uma lei que atenderia estatísticas imprecisas sobre as modalidades de domínios de terras e sua provável extensão.

Com olhar minucioso, Motta (1998) nos demonstra por quais razões a Lei de 1850 falhou, citando a riqueza de detalhes presentes em algumas declarações o silêncio em outros registros, as incertezas ao cumprir uma lei que pouco ou muito pouco se sabia, quais seriam seus desdobramentos. Quais ações o poder público tomaria com aqueles cujas posses foram concedidas na doação das Sesmarias e não cumpriam mais com os preceitos estipulados? E os intrusos nas terras indígenas? Ou aqueles que visavam garantir sua posse declarando no registro paroquial muitos detalhes, esmiuçando seus domínios buscando demonstrar conhecimento e intimidade sobre os mesmos? E se essa riqueza de detalhes estivesse omitindo ou legitimando domínio sobre posses em litígio? As incertezas eram várias relacionadas ao que seria feito após o término do prazo de registro. Em meio a tantas perguntas, cabia à coroa, de alguma maneira, atender às expectativas de terratenentes e os seus próprios, mas se a criação da Lei de Terras para alguns foi um ato para buscar legitimar o que alegava possuir, correndo-se o risco de ter que comprovar posteriormente o bem declarado, para outros seria uma limitação de seus bens e consequentemente de seu poder e foco de influência. Como consequência, da busca em conciliar interesses nas esferas locais junto à Coroa e os desdobramentos da Lei de Terras, fazemos uso de historiadores que se dedicaram em explicar o período conhecido como Imperial, focando nas desigualdades presentes na gênese do sistema fundiário brasileiro, a presença de alguns personagens, a influência marxista e bem como os percursos da posse ao longo dos oitocentos brasileiro.

39 Idem.

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Capítulo I – AS PRIMEIRAS LEIS AGRÁRIAS

Na tentativa de organizar ou apresentar critérios para obtenção de posse e povoamento de áreas situadas distantes do litoral brasileiro, são pensadas as primeiras Leis agrárias no Brasil. Neste momento, o presente trabalho apresentava somente as primeiras leis parecem quase o mesmo momento da chegada do homem branco em solo hoje representa o Brasil.

Serão apresentadas a Lei no que tange às Sesmarias, regime que impunha algumas condições como prover a agricultura nas terras doadas, sob a condição de os interessados comprovarem morada fixa entre outras condições. Também essa Lei possuía como objetivo primordial povoar rincões até então ausentes de habitantes fixados.

Posteriormente, será apresentado como ocorreu a doação de sesmarias no território correspondente ao atual Estado do Paraná até os desdobramentos que possibilitaram a fundação do povoado da cidade que hoje corresponde à região de Guarapuava – Pr.

Em seguida e na ordem cronológica, temos a Lei Orçamentária de 1843, delimitando as condições e imposições previstas quando da busca do crédito para cultivar terras, por exemplo.

Visando atender às expectativas tanto de credores quanto de agricultores, a lei atendia os interesses de um lado, do agricultor que buscava crédito e, de outro, o credor que tinha na lei maior proteção.

Na sequência, temos a Lei de Terras de 1850 e seu Decreto de 1854.

A Lei de Terras surgiu aproximadamente 30 anos após o fim da validade da Lei Sesmarial; nesse período, o meio jurídico rural brasileiro permanece num limbo, esquecido e sendo palco de incontáveis conflitos em busca da terra.

Em 18 de setembro de 1850 é aprovada, então, a primeira Lei que facilitaria ao Estado Brasileiro a imposição de condições, mesmo que fossem excludentes, de obtenção de posses, determinando que todo interessado em se tornar dono de um determinado domínio, deveria iniciar o processo de obtenção do bem requerido registrando o que alegava ser dono junto ao Vigário na paróquia a qual frequentava. O Decreto aprovado quatro anos mais tarde, em 1854 delimitava as ações das leis que o requerente à posse deveria percorrer assim como as consequências impostas àqueles que a descumprissem. Também são apresentadas as divisões das terras em devolutas e particulares, as marcações e terras fronteiriças.

A última Lei que nos interessa e que faz parte do nosso recorte cronológico é a Hipotecária, de 24 de setembro de 1864. Tal Lei faz parte de uma discussão maior naquele contexto, delimitando lados diferentes de atuação. Inicialmente, temos um lado relacionado

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aos debates em torno do crédito, da segurança e os direitos de propriedade, principalmente a Lei que, da mesma maneira, 10 anos antes, seria sua antecessora no tocante ao crédito hipotecário e impunha a criação de um registro imobiliário capaz de possibilitar maiores garantias e informações importantes para os credores possuírem maior confiança nas hipotecas. Na outra interpretação possível dessa Lei de 1864, o quesito segurança estava previsto nos registros e, das diferentes modalidades de propriedade que eram apresentadas durante a obtenção de crédito, é possível vislumbrar, de certo modo, a promulgação e aplicação da Lei de Terras de 1850, pois o indivíduo que havia registrado quando da determinação da Lei possuiria maior direito sobre o bem dado como garantia e, ao credor, também aumentava a garantia, caso são fosse quitada a dívida.

1.1 O Regime Sesmarial

Compreende-se por sesmarias a prática lusitana que possibilitava a doação de terras a quem pudesse comprovar condições de cultivo, sendo posteriormente a doação confirmada somente a quem cultivou, obtendo plenos direitos de posse. Caso não fosse comprovado o efetivo cultivo do domínio, a terra seria devolvida à Coroa e redistribuída a quem pudesse garantir a determinação da lei. A obrigatoriedade do cultivo teve origem em fins do século XIV em Portugal, após uma grave crise de alimentos41.

No caso da colônia portuguesa no Novo Mundo, a obrigatoriedade do cultivo também foi imposta sendo complementada com a necessidade de povoamento. No decorrer do tempo, as tentativas da coroa de fiscalizar e confirmar o efetivo cultivo das terras doadas foram em vão. Por vários motivos, a coroa não conseguiu frear o processo de expansão protagonizado por sesmeiros e outros indivíduos42. Diante do exposto, a constituição de 1824 se opunha às normas inicialmente estipuladas, a de cultivo e confirmação de morada fixa para obtenção de sesmarias43.

Tal política lusitana desembarca nas Américas com as instruções reais datadas de 1548. Essa prática tornou-se a única forma legal de fixar pessoas na terra. Essas pessoas eram fundamentais para a prática de projetos de lavouras de caráter comercial e instrução religiosa,

41 ALVEAL, C.; MOTTA, M. Sesmarias in: MOTTA, M. (org.) Dicionário da Terra. Rio de Janeiro Civilização brasileira, 2005, p. 429.

42 Idem.

43 Maiores detalhes na obra de MOTTA, M. Direito à terra no Brasil. A gestação do conflito 1795-1824. São Paulo: Alameda, 2009.

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sustentados basicamente na agricultura sedentária, a qual reforçava a prática cristã em oposição aos hábitos nômades dos não cristãos44.

O foco principal da lei estaria relacionado à nova possibilidade de obtenção de posse efetiva através do cultivo e não da compra, diferentemente do que veremos em 1850 com a Lei de Terras. Diante da cultura já realizada, o responsável pelo cultivo, sabendo da obrigatoriedade imposta pela referida lei, alegava já possuir plantações em terras devolutas ou não e, diante disso, solicitava carta de sesmaria do espaço lavrado. Uma vez obtido o domínio real o proprietário, poderia vender a posse a ele doada.

Esses desdobramentos no Brasil colonial possibilitaram uma nova perspectiva de enriquecimento fácil, mas, para além do enriquecimento, o prestígio social conquistado pelos senhores de terras era foco de muitos naquele momento45.

Até o Brasil dos oitocentos, o sistema jurídico não apresentava praticamente nenhuma lei agrária devidamente estruturada e com riqueza de detalhes, visando a alguma mudança significativa no cenário estabelecido desde a chegada de europeus, salvo apenas o regime conhecido como Sesmarial, sendo assim

A história territorial do Brasil tem início em Portugal, onde encontramos as origens do nosso regime de terras. A ocupação das terras brasileiras pelos capitães descobridores, em nome da Coroa, trouxe o modelo português de propriedade para o Brasil. [...] Uma sesmaria media, em média, 6.500m.2. Esse costume vigorou em Portugal e foi transplantado para as terras portuguesas ultramar, chegando ao Brasil46.

De maneira muito breve, o sistema de sesmarias possibilitava a um indivíduo receber uma determinada extensão de terras sob concessão a quem assumisse responsabilidade de colonizar o espaço que recebeu, fazer dela sua morada habitual e praticar culturas permanente. Devia demarcar os limites e pagar tributos, caso não o fizesse, como citado anteriormente, estaria sujeito a perder a terra que recebeu e o domínio voltava a integrar os patrimônios da Coroa. Tais concessões eram ofertadas aos mais próximos e aliados da Coroa, o que facilitava o descumprimento das condições impostas no ato da doação; quando muito, cumpria-se o pagamento de impostos.

Muitos portugueses recém-chegados ao Brasil, possuindo contatos com o Governador-Geral ou com algum senhor que possuísse cargo público ou desfrutasse de alguma influência, 44 HOLSTON, J. Legalizando o Ilegal: propriedade e usurpação no Brasil Rev. bras. Ci. Soc. v.8 n.21 São Paulo fev. 1993, p. 17.

45 Idem p. 430.

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colocavam em prática ações irregulares de ocupação de terras e invasão de áreas facilitadas. Isso tudo possibilitou o nascimento de minifúndios que se fortaleceram ao longo dos anos no Brasil, tornando-se uma característica de forte desorganização que, somada à fiscalização mínima desses novos domínios, contribuíram para aprofundar as desigualdades sociais da época.

Para se obter uma sesmaria, o interessado deveria comprovar ser capaz de cultivar o quinhão desejado e nada mais, ficando impossibilitado de alugar ou vender o que de fato pertencia ao estado Português.

Para colonizar o Brasil, Portugal lançou mão do instituto jurídico das sesmarias, mas, no Brasil, as sesmarias eram aplicadas de forma diferente. Após o período pré-colonial, o Governo português resolveu criar o sistema com quinze capitanias hereditárias, doando-as aos nobres portugueses que receberam o título de Capitão Donatário e uma carta de doação de terras; porém, como condição principal, o sesmeiro devia obediência ao rei e tinha como obrigação prosperar.

Esse sistema de doação de terras durou 17 anos e possibilitava grande autonomia aos capitães donatários. Diante dessa situação, o Rei de Portugal resolveu substituir o sistema de capitanias pelo sistema de Governador Geral, que durou mais ou menos três séculos, período que ficou conhecido como Colonial.

Em 20 de novembro de 1530, Dom João III outorgou a Martim Affonso de Souza o direito de conceder sesmarias no Brasil. Mas foi somente através da Carta Foral de 06 de outubro de 1531, que o regime de sesmaria foi oficialmente introduzido no Brasil. As primeiras sesmarias no Brasil foram dadas em 1532.

Diferente do que se aplicava em Portugal, o regime Sesmarial brasileiro caracterizou-se pela transferência do domínio útil da terra não cultivada ao caracterizou-sesmeiro para que a colonizasse, tendo nela sua morada habitual e a cultura permanente, demarcando os limites das áreas e pagando os tributos devidos. O regime Sesmarial vigorou no Brasil até ser extinto em 1822.

Quando da sua extinção, os acontecimentos que a sucederão nos demonstram terem sidos piores que na sua gênese. Considerando sua extinção em 17 de julho de 1822, temos um grave silenciamento jurídico sobre as terras, período onde domínios estipulados se mantiveram sem controle algum.

Essa sucessão de incertezas envolvendo terras se agravou pelo silenciamento ocorrido em termos legislativos que visassem organizar a complexidade agrária do Brasil, aprofundando desigualdades de posses que, de forma mínima, se apresentarão após três

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séculos nos Livros de Registros Paroquiais de 1854 com o advento da obrigatoriedade de registrar seus domínios47.

Mesmo a coroa criando normas e buscando mecanismos para controlar o avanço e a expansão territorial dos sesmeiros, não foi possível atingir o almejado, pois uma das principais dificuldades era encontrada na;

[...] implantação de um sistema jurídico que promovesse o cultivo e assegurasse a colonização. Além disso, a obrigatoriedade do cultivo acabou levando à formação de novos personagens entre os sesmeiros, dentre eles a figura do posseiro48.

Os documentos nas mãos dos sesmeiros se mostravam imprecisos e o modo pelo qual foi realizado o trâmite e o aproveitamento das posses, bem como o modelo de suas doações em muitos momentos, foram realizadas de forma desorganizada e irregular.

[...] a Coroa deliberadamente concedia sesmarias pouco definidas não por ignorância nem por falta de mapas precisos do território e muito menos devido à carência de técnicas de pesquisa, mas para manter os agricultores "nervosamente brigando entre si, em vez de brigar contra a Coroa"49.

Dessa maneira, a gênese judicial agrária no Brasil se estrutura numa aparente confusão proposital, ou paradoxalmente numa minuciosa organização complexa, que somente aqueles que já estavam dentro do processo e fazendo uso das terras poderiam se beneficiar das ações jurídicas impetradas capazes de impossibilitar a ascensão de outros agentes à posse de terras. Assim sendo, o sistema jurídico brasileiro se apresentou ineficiente do ponto de vista prático que buscava tornar as terras doadas produtivas e colonizar o novo mundo até o momento desconhecido. Sua estratégia não foi a de negar a lei - como é frequentemente assumido nas afirmações de que "o Brasil sempre foi terra sem lei". Ao contrário, o intuito era criar um excesso de leis.50

No caso da origem do Estado do Paraná, ao ser desmembrado de São Paulo, as relações não foram muito diferentes da realidade de outros rincões do Brasil.

1.2 A Sesmaria no Paraná: Os Campos de Guarapuava e o mito da legitimidade da posse

47 SANTANA, R. M. Registro Torrens um Instituto Desconhecido. Revista de Direito; Procuradoria Geral do Estado de Goiás, 21 (1- 1): 269 -276, Jan./Dez. 2001. p. 270.

48 DINIZ, M. Sesmarias e posse de terras: Política fundiária para assegurar a colonização brasileira, Revista Histórica, ed. nº 2 de junho de 2005. p.4.

49 DEAN, 1971, p. 607 apud HOLSTON, 2010, p.12.

50 HOLSTON, J. Legalizando o Ilegal: propriedade e usurpação no Brasil Rev. bras. Ci. Soc. v.8 n.21 São Paulo fev. 1993, p. 13.

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No atual espaço geográfico do Estado do Paraná, a origem da concessão de Sesmarias, iniciou com a figura de Diogo Unhate, um pioneiro que, em 1608, por ter participado de guerras na Capitania 40 anos, antes, solicitaria Carta de Sesmarias. Essa sesmaria era justificada como prêmio pelas máculas deixadas no pós-guerra, isto é, porque recebera muitas “frexadas e feridas”, ficando manco e aleijado do braço direito e mão direita. Argumentava, o requerente, que derramou seu sangue muitas vezes e por essa razão, pedia “terras devolutas ‘tão longe’ para ir roçar, a 15 léguas de Santos, em frente à ilha de S. Sebastião”51.

Nos anos seguintes, especificamente em 1614, Unhate seria o primeiro português a requerer e a obter terras no que seria o território paranaense, no espaço que atualmente corresponde as cercanias da cidade de Paranaguá, litoral do Estado, especificamente localizada entre os rios Ararapira e Superagui, litoral do atual município de Guaraqueçaba52.

Após vários desmembramentos e divisões da primeira grande sesmaria, temos outras solicitações de posses, como nos fala detalhadamente Barleta53. Esse historiador cita os nomes dos seguintes beneficiários: Baltasar Carrasco dos Reis que no ano de 1661 conseguir a sesmaria na região da atual Curitiba; e Luciano Carneiro Lobo que recebeu terras que hoje representam a cidade de Castro, no ano de 179754.

Antes de todo o processo de emancipação ocorrer, temos a forte presença, assim como em praticamente em todo o país, de nativos da região, o que exigiu esforço significativo por parte da coroa para aldear os primeiros habitantes, no caso do espaço que hoje represente Guarapuava era chamado pelos nativos de Koranbang-rê (MOTTA 2011). Tal esforço se confirma no relato de Alvar Nunez Cabeza de Vaca ao descrever que sua expedição desviara territórios Kaingang em Guarapuava e Palmas. É o primeiro documento a informar que, no interior do Paraná habitavam muitos nativos, sendo necessária uma volta no Vale do rio Iguaçu. Isso nos dá uma breve noção da extensão do território dominado pelos Kaingang nos

Koran-bang-rê (Campos de Guarapuava)55. As reações da coroa foram várias diante de relato do desbravador, afirmando que as localidades ao sul do Brasil estariam infestadas de 51SÃO PAULO, Sesmarias, Documentos Publicados pelo Arquivo do Estado de São Paulo. Vol. I Tipografia Piratininga, SP, 1921, disponível em: . 23:22.

52 PÉREZ, M. S. Comunidade Tradicional de Pescadores e Pescadoras artesanais da vila do Superagüi - Pr na disputa pela vida: Conflitos e resistências territoriais frente à implantação de políticas públicas de desenvolvimento, Orientador: Jorge Ramón Montenegro Gómez. Dissertação (Mestrado) Pós-Graduação em Geografia, curso de Mestrado, Setor de Ciências da Terra da Universidade Federal do Paraná. Curitiba Pr, 2012. p. 22

53 BARLETA, L. B. O Sertão Partido – a formação dos espaços no planalto curitibano (séculos XVII e XVIII). Dissertação (Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª. Drª. Maria Luiza Andreazza. Curitiba 2013.

54 Idem p. 220.

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selvagens56. Desde a Carta Régia de 1808 já eram conhecidos os ataques generalizados em toda extensão do sul do Império, principalmente nos Campos Gerais de Curitiba e de Guarapuava.

Com a chegada de D. João VI no Brasil, uma nova roupagem de ação relacionada ao enfrentamento dos nativos foi tomada: o combate direto, devendo os “selvagens” serem catequizados, “civilizados” e seus territórios deveriam dar espaço às prósperas fazendas, para prática da pecuária. Escalando para a difícil tarefa, o militar era tido como:

[...]disciplinado, duro, experiente e conhecedor dos Campos de Guarapuava, pois ali estivera com o capitão Paulo Chaves em 1774. Era o perfil ideal para realizar o empreendimento, e em 1809 já se encontrava nos Campos Gerais, refazendo o antigo caminho das expedições de Afonso Botelho57.

Não sendo diferente de outras partes do país, a história de Guarapuava é pautada em conflitos e mortes. Nessa cidade, porém, o marco da ação real aconteceu em 1810, quando da chegada aos campos de Guarapuava de uma grande expedição, com mais de 300 pessoas, dentre as quais havia cerca de 200 soldados, com o objetivo de garantir o sucesso das fazendas de gado da região.

No dia dois de julho, acampam no lugar denominado Atalaia, último ponto alcançado pelo capitão Paulo Chaves em 1774. No dia 29 de agosto, os Kaingang fizeram um ataque em massa ao acampamento. Diogo Pinto e o padre Francisco das Chagas Lima atestaram a firme defesa do tenente Antonio da Rocha Loures. Sustentou corajosamente a defesa deste Aquartelamento da Atalaia por espaço de seis horas [...] Na batalha foram mortos e feridos muitos índios, ocorrendo na força militar de Rocha Loures apenas ferimentos leves. Os Kaingang sofreram uma forte derrota e dispersaram-se pelos campos ao sul e a oeste da fortificação de Atalaia. Mas continuaram a atacar as forças de Diogo Pinto. Foram três meses de guerra contra uma tropa de mais de 200 soldados armados, inclusive com peças de artilharia, e acantonados na fortaleza de Atalaia, o primeiro nome da futura vila de Nossa Senhora do Belém de Guarapuava58.

Após o processo de fixação inicial, Guarapuava foi desmembrada de Castro em 1818, quando foi criada a Freguesia com o nome de Nossa Senhora de Belém, através do decreto de 19-08-1818, no município de Castro. Foi elevada à categoria de vila, com a denominação de Guarapuava, pela lei provincial de São Paulo da Aldeia da Atalaia. Foi elevada, por sua vez, à condição de cidade pela lei provincial nº 271 de 12-04- 1871. Abaixo, vemos as mudanças no

56 Idem p. 94.

57 MOTA, 2011 p. 95.

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território correspondente a Guarapuava, desde sua emancipação até seu último desmembramento em 1995.

Imagem I: Mapas de Guarapuava. FONTE: GOMES, M. de F. V. B. Cartografias da Paisagem: Trajetória socioambiental de Guarapuava. Guarapuava UNICENTRO, 2012, p. 28.

A partir desses mapas, é possível concluir que na região de Guarapuava, uma grande extensão de terras foi divida em outros rincões, diminuindo o espaço geográfico da atual Guarapuava. Seus antigos domínios, foram desmembrados e elevados à condição de municípios.

A ocupação dos campos de Guarapuava também não aconteceu de maneira pacífica e harmoniosa. Podemos considerar essa máxima como um panorama nacional, pois conflitos entre nativos e nacionais, nativos e estrangeiros, nacionais e estrangeiros ou nativos e outros nativos, pela posse de domínios, eram corriqueiros.

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Como exemplo, temos a Real Expedição e Colonização dos campos de Guarapuava que possuía como função “estabelecer um povoado nesse território; criar caminhos que ligassem ao sul do império; incentivar o comércio e a criação de animais e, por fim, civilizar índios moradores desses lugares59”.

Em carta Régia datada de 1818, o capitão Antônio da Rocha Loures recebe ordens para fundar uma nova Freguesia na região que hoje corresponde a Guarapuava. O então abarracamento Atalaia se tornaria aldeamento Atalaia60. Carta Régia, lembremo-nos é o documento com determinação para cumprir a vontade expressa do Rei ou Imperador.

Na fixação desses estrangeiros, temos vários desentendimentos, dentre os quais a mais grave data de 1825 no aldeamento Atalaia que sediou o enfrentamento de brancos e nativos aldeados contra nativos não aldeados; um conflito sangrento que resultou na morte de 28 nativos aldeados. Numa clara expressão de resistência contra a conversão ao cristianismo e a perda de sua identidade cultural, o grupo de nativos não aldeados atacou tanto o fortim Atalaia quanto a imposição cultural por parte dos não indígenas, e, como consequência, atacaram os próprios nativos que haviam “abandonado” seus costumes e iniciavam um processo de simbiose entre as duas culturas. Também é possível perceber a tentativa de expulsar os forasteiros de solo indígena. Os sobreviventes migraram até a Freguesia de Guarapuava se misturando à população; nesse momento, outra disputa se apresenta: o interesse pela terra abandonada pelos aldeados agora faz parte dos anseios dos moradores da Freguesia.

Na maioria das vezes, os conflitos envolvendo terras se limitavam à esfera jurídica, mas não eram raros os momentos de grandes tensões ao longo da história nacional e local. De maneira breve, relembraremos alguns eventos de litígio de conflito e de confronto armado marcantes da nossa região notadamente nos domínios que interessam a pesquisa, ou seja, -território que hoje corresponde à cidade de Guarapuava- Pr.

Outro conflito nessa região, mas distante 80 quilômetros do conflito anterior, é o que ocorreu na Vila de Pitanga: um massacre em 1923, que levou Kaingang e colonizadores a confrontar-se por demarcações de terras. Envolveu de um lado, aqueles que eram conhecidos como os “índios da Serra da Pitanga” e, de outro, os imigrantes com seu apossamento de

59 Uma importante análise e maiores detalhes desse conflito é possível encontrar em: DURAT, C. A. Terras de Aldeamentos: trajetórias de Atalaia e sepultura nos campos de Guarapuava (Século XIX). Revista Semina Revista dos Pós-Graduandos em História da UPF v.9 - nº1 – 2010, p. 4.

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grandes porções de terra recebidas como doação. Mas esses domínios já possuíam donos, ou seja, já eram habitados por nativos61.

Na sequência cronológica temos mais um conflito envolvendo terras novamente na região da Vila de Pitanga, conhecido como a Revolta do Tigre. Ela possibilitou o desenrolar de acontecimentos que marcariam indelevelmente a história do pequeno município de Pitanga, no interior Paraná. Em linhas gerais, os acontecimentos na cidade se agravam na data de 26 de abril de 1955, quando sitiantes invadem o município em busca de solução para seus conflitos relacionados com a posse de terras em litígio, originadas a partir do grilo do Imóvel Tigre, numa área estimada de duzentos mil hectares. Numa complexa disputa envolvendo terras demarcadas e territórios voltados para fixação de recém-chegados, aparece a figura de grileiros. Assim, indígenas e grileiros confrontavam-se por haver interesses por tais posses, valendo-se da violência como estratégia de sobrevivência e pressão diante do impasse. Armados e com ânimos alterados, indígenas e outros moradores da região obrigaram o juiz de Direito a entregar documentos referentes às áreas em litígio, buscando deslegitimar forasteiros que estavam a grilar esses domínios62.

Envolto entre sérias disputas territoriais, os campos de Guarapuava foram palco de conflitos conhecidos pela historiografia local e nacional. Dentre os principais, podemos citar a disputa judicial que se arrasta nos tribunais federais de remanescentes Quilombolas da Invernada Paiol de Telha, que afirma seu direito pelas terras, a partir da herança deixada aos seus antepassados libertos no século XIX. Trata-se de uma parte da fazenda Capão Grande, localizada no município de Reserva do Iguaçu, nas proximidades de Guarapuava, região centro-sul paranaense, também conhecida como Fundão. Essa localidade que teve seus direitos adquiridos pelo delegado da cidade que os revendeu à Cooperativa Agrária Mista em 1974, gerando vários confrontos judiciais sob a alegação dos herdeiros de que jamais haviam vendido ou doado seus direitos sobre a herança a quem quer que fosse63.

61 Para maiores detalhes vide: EURICH, G. O índio no banco dos réus: historicizando o conflito entre índios Kaingang e colonos na Vila Pitanga (1923). Orientador: Prof. Dr. Lúcio Tadeu Mota. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em História – PPH. Guarapuava 2012.

62 Uma análise detalhada do conflito encontra-se em: IURKIV, J. E. A revolta do Tigre (1955), posseiros, proprietários e grileiros: uma luta de representação. Orientadora: Prof. Dr. Joana Maria Pedro. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina. UFSC Florianópolis 1999.

63 Mais informações em: HARTUNG, Miriam Furtado. O sangue e o espírito dos antepassados: escravidão, herança e expropriação no grupo negro Invernada Paiol de Telha – Paraná. Florianópolis: NUER, 2004;

HARTUNG, M. F. “Ser E não ser”, eis a questão: relatórios antropológicos, categorias nativas e Antropologia. Revista de Antropologia, São Paulo, USP 2013, v.56 nº2.

Referências

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