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Capítulo I – AS PRIMEIRAS LEIS AGRÁRIAS

1.3 Lei Orçamentária de

Antecessora da Lei de Terras, a Lei Orçamentária tem sua importância nas reflexões acerca da busca do crédito para as terras.

Essa lei, assim com as outras que dizem respeito ao espaço rural brasileiro, era resultados de brechas encontradas por agentes envolvidos que buscavam defender seus interesses, colocando em lados opostos o agricultor - em busca de crédito, - e de outro o credor para quem a lei se inclinava dando maior proteção. Com a aprovação dessa Lei, tem-se a burocratização do estado visando à maior segurança e garantias ao credor, pois no art. 6º do referido Decreto lê-se:

As pessoas que pretenderem registrar alguma hipoteca, deverão apresentar ao Tabelião do Registro geral da Comarca onde se acharem situados os bens hipotecados: 1º o título que constituir a hipoteca, ou em original, ou em

traslado autêntico: 2º copia duplicada e fiel do mesmo título, assignada pela própria parte, ou seu bastante procurador, e competentemente selada66.

Por muito tempo, as condições de empréstimos se limitavam a enlaces de amizades ou consanguíneos, sob pena de ter a reputação estragada diante da comunidade onde se vivia e correndo risco, também, de ser denunciado aos jornais como mau pagador. Embora pressão de assumir a responsabilidade do pagamento já existisse, ela não era suficiente, e a lei em oposição agia principalmente no sentido de assegurar, aos credores, certas garantias de pagamento. Quando o pagamento era realizado dentro dos acordos, em contrapartida, o bom pagador recebia reconhecimento da quitação do débito nos mesmos veículos de informações. Visando dar cabo nesses entraves, foi aprovada a lei sobre empréstimo que possibilitava iniciar o processo de declaração de posses antes mesmo da Lei de Terras, ficando conhecida como Lei Orçamentária que criava os Registros da Hipoteca; em 1864, criou-se, então, a Lei Hipotecária nº 1237, sendo a qual:

A matrícula deveria ser realizada no município onde ficava o bem dado como garantia, permitindo aos credores consultarem se o imóvel que lhe seria dado para assegurar o pagamento de seus empréstimos, já estava gravado por outra hipoteca. Assim teriam mais segurança no negócio que iriam fazer. [...] Os credores que primeiro registrassem suas hipotecas teriam preferência sobre o bem no momento da sua execução, [...]67.

Contudo, mesmo com o Decreto e a lei, não era exigido no ato da contratação do empréstimo a matrícula das alienações dos imóveis. Dessa maneira, quem emprestava o montante ficava sem poder consultar se realmente a propriedade dada como garantia de pagamento já estaria declarada a terceiros, colocando em pauta a legitimidade da hipoteca requerida.

Diante disso, os legisladores perceberam a necessidade de criar novos mecanismos que possibilitassem a sustentação das alienações imobiliárias, o que certamente garantiria o direito dos credores se fosse necessário cobrar o dividendo emprestado e se caso a propriedade colocada como garantia já estivesse garantida a outro credor como forma de ressarcimento da dívida. Nesse caso, o primeiro registro teria preferência no ato da cobrança, buscando-se coibir a prática do calote por parte de quem solicitava empréstimo, assim, ações para proteção do credor se mostraram necessárias e,

As mudanças sobre as hipotecas introduzidas no texto da Lei Orçamentária de 1843 eram resultado do projeto apresentado na Câmara dos Deputados no

66 BRASIL, Decreto nº 482, de 14 de novembro de 1846.

dia primeiro de abril do mesmo ano por João Manuel Pereira da Silva [...] Ele propunha a criação de cartórios privativos de hipoteca nos estados de Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Nas outras cidades ou vilas do Império a tarefa seria exercida por algum tabelião já existente. Desde a instalação destes cartórios, as novas hipotecas precisariam ser matriculadas no Registro de Hipotecas para não ficarem nulas68.

Não foi por acaso a escolha dos três estados para sediarem os primeiros cartórios, ainda segundo o mesmo autor. Ele destaca que são territórios que já traziam uma longa bagagem histórica de comércio externo, e, também, possuíam uma inclinação ao partido conservador. Nesse momento percebemos as graves contradições do país, pois ainda era escravista, mas se empenhava em absorver e obter vantagens para grupos seletos e se apropriar de características de países já capitalistas e liberais, em regiões com predisposição a sublevações opositoras do poder imperial, visando sua instabilidade.

Entre 1835 e 1849, vários fatores indicavam que a maneira de governar não ia muito bem e, por sua vez, demonstravam o enfraquecimento do poder imperial. Isso se torna explícito com a eclosão de distúrbios em várias partes do país como, por exemplo, a Praieira (Pernambuco), os Cabanos (Pará) e Farroupilha (Rio Grande do Sul). No desenrolar dos fatos, a vitória militar contra essas agitações acabou dando novo fôlego à centralização do poder imperial (GUIMARÃES apud RODRIGUES 2014), e para além dos conflitos temos como pano de fundo as discussões da possível criação da Lei de Terras de 1850.

Uma crise de interesses ganhava força nos bastidores do governo imperial, pois é sabido que a Inglaterra pressionava para o fim da escravidão o que, obviamente, desagradava proprietários escravistas, levando ao ponto de esses senhores serem questionados se cativos ainda poderiam ser usados como forma de assegurar a quitação de empréstimos quando o solicitavam, e inesperadamente, de onde possuíam apoio, surgem declarações divergentes dos interesses desses senhores colocando em terreno incerto o futuro da estrutura escravista mantida até então. O teor das falas oriundas de políticos conservadores elogiava a postura do Império em tentar organizar o universo rural brasileiro, com a aprovação de legislações como o Registro de Hipotecas de 1843 e a Lei de Terras de 1850. Vemos de maneira clara o incentivo e o apoio com relação à vinda de estrangeiros para substituir a mão de obra cativa, como consequência direta do fim da escravidão humana. Segundo Rodrigues (2014), mesmo com a derrota no setor escravocrata, é importante destacar que os mesmos senhores sempre faziam uso de mecanismos legais que pudessem favorecê-los e usavam a lei para defender seus interesses e, caso se tornassem credores, ou buscassem assegurar legitimidade numa 68 Idem.

determinada posse, iniciavam o processo através da Lei de terras 1850, quer dizer, com exceção do fim período escravocrata, as elites rurais brasileiras sempre conseguiram se beneficiar de alguma maneira das leis aprovadas, como observaremos a seguir.

José Cesário de Miranda Ribeiro, mais conhecido como Visconde de Uberaba foi um dos autores da Lei de terras, uma vez magistrado eleito pela província de Minas Gerais, tornou-se conselheiro e amigo de fazendeiros mineiros. Já o segundo responsável pela apresentação da Lei de terras foi Bernardo Pereira de Vasconcelos; ele encabeçou o retorno da ala conservadora ao governo trazendo consigo o poder moderador e o início da centralização política do poder, adotou uma postura com menos ligação com os senhores da terra e, temendo o possível desaparecimento de cativos, buscou de maneira antecipada se preparar e, em alguns momentos, acabou entrando em conflito com interesses de senhores detentores de grandes unidades rurais69.

Diante dos impasses apresentados pela escravidão e para além da tradição de os cativos serem uma segurança para reaver o montante emprestado ou não, o foco da crítica agora é a legitimidade da posse dada como garantia, diferentemente da Lei Orçamentária, a Lei Hipotecária de 1864, sob o número de 1.237, fez constar a matrícula de compra e venda e/ou propriedade declarada como posse, tornando-se, assim, disponíveis para possíveis consultas. Numa tentativa de reformular a lei anterior, estabeleceram-se as bases das sociedades de crédito real.

Em meados de 1864, acaloram-se os debates acerca da legitimidade da posse da propriedade adquirente, pois, como já foi afirmado anteriormente, a Lei de 1850 somente possuía caráter estatístico e não de legitimação da posse, ou seja, a declaração do quinhão ao vigário estaria posteriormente sujeita a ser legitimada, e, após isso, os defensores da Lei hipotecária acreditavam que os credores teriam maior segurança quando a terra disposta como garantia de pagamento da dívida realmente fosse comprovada enquanto bem. Já os contrários à comprovação da propriedade sobre a posse, argumentavam que a incerteza de limites e demarcações presentes nas declarações tornaria inviável reconhecer precisamente a quem pertencia tal posse. Afirmavam, ainda, que “(...) exigir a transcrição da nossa propriedade, no estado dela, incerta sobre títulos, limites e confrontações, e exigir essa transcrição como cláusula de valer como prova plena do domínio, seria uma revolução”70.

69 RODRIGUES, 2014.

70 IHGB. Documentação relativa é reforma hipotecária, compilada por Nabuco de Araújo. Pasta 4. Lata 389. Apud Rodrigues (2014, p 62).

Desta forma, a Lei Hipotecária de 1864 faz parte de uma dupla discussão. De um lado, esteve relacionada aos debates em torno do crédito, da segurança e os direitos de propriedade, do credor hipotecário e da criação de um registro imobiliário capaz de garantir informações importantes para os emprestadores terem confiança nas hipotecas. De outro lado, entendia-se com a segurança dos diferentes direitos de propriedade apresentados durante a promulgação e aplicação da ei de Terras de 1850. [...] Tratava-se de pensar quais direitos – e quais agentes sociais – deveriam ser sacralizados71.