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CAPÍTILO 4 DO PÓS-GREVE AOS DIAS ATUAIS

4.2. A LEI 12.830/2013

Poucos dias antes do arquivamento da PEC 37, no dia 20 de junho de 2013, ocorreu a promulgação da Lei nº 12.830/2013. Esse normativo, que ficou conhecido como "PECzinha 37" ou "Lei das Excelências", definiu que ao delegado de polícia, cargo privativo de bacharel em Direito, de natureza jurídica, deve ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados. Em razão disso, a ADPF passou a pressionar Corregedoria-Geral da PF para que fizesse adequação dos sistemas internos da Polícia Federal, em cujos

Figura 4- Campanha contra a PEC 37

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documentos o pronome de tratamento "Vossa Excelência" já deveria vir inscrito em modelos de documentos oficiais; essa medida, segundo Negrini (2014), serviu para "evitar atritos com outras categorias, que resistem em chamar os delegados de 'excelências', conforme manda a lei" (NEGRINI, 2014, p. 135).

A aprovação dessa lei representou um grande abalo para o movimento sindical dos policiais federais, após anos tentando barrar, no Congresso Nacional, projetos que conferiam natureza jurídica ao cargo de delegado de Polícia. Segundo Luís Nassif (2016), a aprovação dessa lei contou com o papel chave do então líder do governo no Senado, o senador Humberto Costa (PT/PE), investigado pela Operação Sanguessuga68. Segundo Nassif, "Costa fechou um pacto político com a Polícia Federal, ajudando a aprovar um conjunto de leis que permitiu à PF um empoderamento inédito" (NASSIF, 2016).

Integrantes dos pólos dessa disputa publicaram, nos mais variados veículos de comunicação, inúmeros artigos em defesa e em ataque a essa lei e a suas repercussões (ou falta delas) nas questões relativas à segurança pública.

No dia 03 de dezembro de 2013, em comemoração ao dia do Delegado de Polícia, a ADPF publica em seu site um artigo exaltando as conquistas para a classe. De início, o texto ressalta que "(...) O ano de 2013 foi emblemático para a categoria com a aprovação da Lei 12.830/2013, que ser tornou uma espécie de estatuto do delegado de polícia. Mas ainda há muitas bandeiras a serem alcançadas" (ADPF, 2013).

A delegada Elster Lamoia de Moraes (2013), em artigo publicado no site Jus Naviandi enfatiza que:

A expressão “tratamento protocolar”, mais do que uma remissão ao pronome de tratamento que deve ser utilizado nos documentos e correspondências dirigidos aos Delegados de Polícia, busca nortear a forma como devem ser tratadas tais autoridades em outros atos oficiais ou solenes (MORAES, 2013).

Na publicação, mediante analogia com o Estatuto da Advocacia e com as leis orgânicas do Ministério Público e da Magistratura, a autora faz referência a uma série de prerrogativas que a Lei 12.830/2013 teria conferido ao delegado de polícia, tais como: ser

68 "O Escândalo dos Sanguessugas, também conhecido como máfia das ambulâncias, foi um escândalo de

corrupção que se tornou público em 2006 devido à descoberta de uma quadrilha que tinha como objetivo desviar dinheiro público destinado à compra de ambulâncias" (OPERAÇÃO SANGUESSUGA, 2018).

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consultado previamente sobre dia, hora e local para testemunhar em processos; retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para o ato após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele; dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, entre outras prerrogativas.

Ao final, a autora arremata:

Por fim, a simples leitura do art. 3º aqui transcrito torna inequívoco que ao Delegado de Polícia, da mesma forma que aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, deve ser dispensado idêntico tratamento pronominal ao dos magistrados (MORAES, 2013).

Na área de comentários à publicação, um leitor que se identifica por Juverto KR, assim se manifesta: "Ao invés de nos preocuparmos com uma maior eficiência e qualidade nas investigações policiais, vamos nos preocupar com o jeito pelo qual o delegado de polícia quer ser chamado? Isso acrescenta o quê ao trabalho policial?" (MORAES, 2013).

No ano seguinte à publicação da lei, o agente Josias Fernandes Alves (2014), publicou um artigo sobre o tema no site Consultor Jurídico:

Há mais de um ano, delegados de polícia estão às voltas com um problema da mais alta relevância para a segurança pública, cuja solução deve repercutir nos alarmantes índices de violência e criminalidade no Brasil. Trata-se do dilema sobre o pronome de tratamento a ser empregado aos nobres ocupantes do cargo: Vossa Senhoria ou Vossa Excelência?

(...)

Enquanto Vossas Senhorias e/ou Vossas Excelências discutem a forma de tratamento, a população sofre os efeitos do aumento da criminalidade e da impunidade. O Mapa da Violência 2014 revelou que mais de 56 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, em 2012 (média de 154 por dia). Estudos também mostram que, em média, menos de 15% dos casos de homicídios são elucidados (ALVES, 2014).

Na área de comentários, um leitor que se identifica pelo nome de Professor Henrique Hoffmann (Delegado de Polícia Estadual), assim se manifesta:

É de espantar a petulância de alguns tiras que, inconformados com sua incompetência em passar num concurso decente, despejam baboseiras na internet.

Só não perceberam que resmungos não possuem qualquer efeito prático, afinal, como se diz, o choro é livre.

Haja paciência aos Delegados. Imagine se todos os operadores do direito tivessem que aguentar subordinados chiliquentos...

Aí o assessor do juiz se acharia no direito de ascender à magistratura sem concurso, o assistente de promotoria exigiria a mesma remuneração do promotor, o estagiário do defensor teria certeza que o cargo de seu superior é dispensável.

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Esses EPAs são tão ingênuos quanto insolentes! (ALVES, 2014).

Em defesa do artigo, um leitor que se identifica por Alysson.ajna (Agente da Polícia Federal), escreve:

Texto irretocável. Pondo o "dedo na ferida" o policial federal expõe uma melancólica realidade na qual os delegados de polícia, cegos pela vaidade e pelo egoísmo, se equivocam naquilo que eles próprios acreditam dominar: a hermenêutica. Típico do cargo que ocupam, essas alegorias da segurança pública beiram o ridículo ao se agarrarem em figuras gramaticais como se fossem uma justificativa pública de que eles existem e são importantes (por favor nos chamem de excelência, nós somos importantes). Revela a visão míope de uma categoria (dispensável) que a todo momento busca satisfazer os interesses pessoais de seus ocupantes em detrimento da sociedade. Dignos de pena... (ALVES, 2014).

No dia 12 de setembro de 2013, a Procuradoria-Geral da República ajuíza uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei 12.830/2013, atacando o parágrafo primeiro do art. 2°, que define o delegado como autoridade policial e atribui a ele a condução de toda e qualquer espécie de investigação criminal, seja por meio de inquérito policial ou qualquer outro procedimento, atual ou futuro (AJUIZADA..., 2013). Além dessa ADI, que recebeu o número 5043, também foram propostas a ADI 5073, proposta pela Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (COBRAPOL) e a ADI 5059, proposta pela Associação Nacional das Operadoras Celulares (ACEL). A FENAPEF e outras entidades de classe foram aceitas como amicus curiae nas duas primeiras ações (BRASIL, 2013b).

Por sua vez, a ADPF contratou o jurista Ives Gandra Martins, que elaborou um parecer jurídico defendendo a constitucionalidade da Lei 12.830/13, que serviu de fundamento para um pedido de ingresso da ADPF como amicus curiae nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade impetradas (MARINI, 2013). A ADPF também constituiu como advogado o ex-ministro do STF, Mário Veloso, que solicitou a admissão da entidade como amicus curiae nos autos da ADI 5073. Na petição, a ADPF sustenta que inexiste carreira única policial e que a lei 12.830/13 é totalmente constitucional (ZAMBONINI, 2014)69.

Não sem um nexo causal com os acontecimentos anteriormente descritos, em junho de 2014, a ANPR emitiu uma Nota Técnica, dirigida ao Senado, propondo a reestruturação da Polícia Federal, com a instituição de uma carreira única e a extinção do cargo de delegado (ANPR, 2014).

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4.3. A FRENTE PARLAMENTAR DE APOIO À REESTRUTURAÇÃO DA