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CAPÍTILO 4 DO PÓS-GREVE AOS DIAS ATUAIS

4.5. A MARCHA DOS ELEFANTES BRANCOS E O PROJETO DE LEI 7.402/2014

No mesmo contexto pós-greve, os policiais federais realizaram, no dia 12 de março de 2014, uma passeata na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, por reposição salarial e reestruturação da carreira e definição das atribuições de seus cargos (G1DF, 2014). Esse evento ocorreu durante de uma paralisação de 72 horas iniciada no dia anterior e foi um marco simbólico contra a burocratização da investigação criminal e a gestão da segurança pública no Brasil (FENAPEF, 2014b).

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O elefante branco simbolizava o inquérito policial, criticado por sua ineficiência. “É como quando há obras grandiosas que não servem pra nada, inacabadas, no Brasil. O inquérito policial é grande, é pesado e lento” (SILVA apud FENAPEF, 2014b).

Figura 5 - Marcha dos elefantes

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Figura 6 - Marcha dos Elefantes

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom. Futura Press71

Em decorrência das discussões acerca do modelo de investigação criminal, uma equipe de juristas e investigadores policiais de campo, sob a supervisão da diretoria da FENAPEF, elaborou uma proposta que foi encampada pelo Deputado Zequinha Marinho (PSC/PA), que a apresentou sob a forma do Projeto de Lei 7.402/2014. O projeto propunha o fim do inquérito policial e regras para a atividade investigatória da polícia e do Ministério Público, resguardando os direitos fundamentais do investigado. Manifestando-se sobre o tema, a matéria publicada no site da FENAPEF dizia que o projeto:

coloca os investigadores no local do crime, consagra o relatório circunstanciado elaborado pelos policiais de campo e situa a autoridade de investigação como compilador do trabalho dos vários cargos, dando a este, que poderá ser ocupante de qualquer cargo da carreira policial, algumas atribuições específicas para a coordenação da investigação, sem tornar-se atravessador e despachante do trabalho alheio (FENAPEF, 2014c).

Na justificação do projeto, o Deputado Zequinha Marinho, dissertava:

71 Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/policia/agentes-da-policia-federal-protestam-na-

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A proposta também traz, finalmente, para o mundo jurídico e retira da informalidade, o nobre e abnegado trabalho dos investigadores policiais, cujos relatórios e depoimentos prestados em juízo têm sido um dos principais elementos probatórios utilizados pelos juízes para a condenação nos processos criminais, juntamente com as provas periciais. O projeto buscou a construção de um modelo de investigação policial no qual se prestigia a experiência, a meritocracia e a formação acadêmica multidisciplinar, sem perder, obviamente, o viés jurídico (BRASIL, 2014c).

Tão logo foi publicado o projeto, o delegado João Thiago Oliveira Pinho (2014), diretor da ADPF, publico artigo no blog do jornalista Fausto Macedo, criticando a medida. Segundo o autor:

O mencionado projeto de lei pretende valorizar os agentes policiais não inovando e reconhecendo o valor de seu trabalho, e sim resgatando uma das figuras mais deploráveis da história brasileira que é o “delegado calça-curta”, isto é, o policial que assumia o cargo de Delegado irregularmente, sem concurso público e qualificação jurídica para tanto, por indicação política ou por favores prestados aos poderosos locais. O Código de Processo Penal e a legislação declaram que o Delegado é a Autoridade Policial apta a presidir os inquéritos policiais e demais procedimentos investigativos. O referido projeto de lei, em dois artigos, propõe acabar com o Delegado de carreira e criar o delegado calça-curta, substituindo a expressão “Autoridade Policial” consagrada na legislação pela “autoridade policial de investigação”:

(...)

Essa mudança é terrível para o país. Inicialmente, porque o delegado calça-curta – agora denominado “autoridade policial de investigação” – não tem conhecimento jurídico, apenas breves noções dadas em um curso de formação. Ou seja, todos os cinco anos do curso de Direito vão ser resumidos em um curso presencial de 15 dias ou, até mesmo, em um curso à distância pela internet, e a aprendizagem vai ser verificada por uma prova cuja tendência será a aprovação automática, pois ninguém obstará um membro da própria corporação de progredir na carreira, ainda que não tenha absorvido totalmente o conteúdo. Dessa forma, um cidadão de bem poderia ter sua vida pessoal devassada por uma “autoridade policial de investigação”, formado em Educação Física, Odontologia, Veterinária ou qualquer outro curso de nível superior (já que a exigência é somente essa), sobre supostos crimes, cuja própria subsunção da norma ao fato é de difícil averiguação até para os operadores do Direito.

(..)

No entanto, o pior é a segunda parte. Hoje, os Delegados de Polícia Federal (de carreira, frise-se) lutam por um aumento de suas prerrogativas justamente para poder investigar com mais autonomia e independência, tal como já ocorre com os juízes e membros do Ministério Público. Estamos, por exemplo, realizando eleições para Diretor-Geral justamente para diminuir o fator político em tal escolha – o que já ocorre em outros órgãos,como o MPF – e conseguimos, com a lei 12.830/2013, proibir a avocação de inquéritos. Essa proposta do Deputado Zequinha Marinho justamente acaba com a Autoridade Policial concursada, de carreira, imparcial e imune à influência política, para colocar em seu lugar um policial indicado casuisticamente para cada caso, o que pode dar azo à corrupção policial (PINHO, 2014).

Em resposta àquela publicação, no mesmo espaço, publiquei o artigo intitulado "As Excelências da Polícia com medo de uma Polícia de Excelência", do qual extraio os parágrafos a seguir:

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Na contramão dos anseios da sociedade, as entidades representativas dos delegados de polícia – em especial, a dos delegados de Polícia Federal – têm defendido que a concentração de poder na mão dos delegados é fator que pode contribuir para o combate à corrupção e ao crime organizado, garantindo poder e independência aos ocupantes desse cargo. Entretanto, nos últimos anos, graças ao forte lobby dentro do Congresso Nacional, diversas leis conferiram mais poder aos ocupantes deste cargo, sem que isso representasse qualquer avanço nos números do combate à criminalidade no Brasil. Pelo contrário, o distanciamento dos delegados de polícia dos demais integrantes da carreira policial apenas fez ruir o relacionamento organizacional dentro da Polícia Federal, fazendo com que a produtividade do órgão despencasse. Além disso, o número de casos de assédio moral e de suicídio de policiais federais transformou-se em funesta estatística que deu lugar aos resultados apresentados pelo órgão no início da década passada.

(...)

Atualmente, o delegado de polícia (que exige ser chamado de Vossa Excelência) é visto pelos demais policiais como um “despachante policial”, pois não participa das investigações e ocupa uma posição de gabinete, transformando o que deveria ser um trabalho técnico e científico, num amontoado de papel, cujo único mérito é produzir as estatísticas da ineficiência da investigação criminal brasileira, que tem índice de elucidação de homicídios próximo aos 8%. Portanto, está claro que não é com a concentração cada vez maior de poder nas mãos do delegado de polícia que esses índices risíveis serão superados (MOREIRA DA SILVA, 2014).

O Projeto, juntamente com outros que tratam da mesma matéria, foi apensado ao PL 5776/2013 (que regulamenta o poder de investigação do Ministério Público) o qual, por sua vez, foi apensado ao PL 8.045/2010, que trata da reforma do Código de Processo Penal.