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CAPÍTULO 3 A GENEALOGIA DO CONFLITO ENTRE "AGENTES" E

3.7. A GREVE DE 2012 E SEUS PRECEDENTES

3.7.3. ECLODE A GREVE DE 2012

Findo o prazo estabelecido pelo governo, nenhuma proposta que contemplasse as negociações em curso foi apresentada (FENAPEF, 2012b, FENAPEF, 2012c). O Executivo continuava a sinalizar apenas com uma reposição salarial de 15,8%, oferecida a várias carreiras do funcionalismo (FENAPEF, 2012b, FENAPEF, 2012c). Em decorrência disto, e após três anos de negociações infrutíferas, e em razão do descumprimento do prazo estabelecido para o encerramento das negociações, em 07 de agosto de 2012, foi deflagrada o que viria a ser a mais longa greve dos policiais federais.

A proposta de reajuste oferecida pelo governo era rejeitada pelos policiais federais, pois o movimento reivindicava a reestruturação da carreira policial federal, com o reconhecimento, em lei, do nível superior dos cargos de agentes, escrivães e papiloscopistas e das atribuições que exerciam informalmente. Além dos aspectos objetivos do movimento,

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essa greve representou um movimento de resistência e contestação contra a apropriação do trabalho imaterial, que foi a questão central da greve (FENAPEF, 2013b).

Inicialmente, os delegados ficaram divididos entre aceitar ou não a proposta oferecida pelo Governo. Porém, em razão dessa divisão, a ADPF decidiu concordar, "pois a categoria não teria força o suficiente para partir para um movimento grevista" (NEGRINI, 2014, p. 64). Na avaliação de Negrini, "para uma decisão assim, mais do que maioria, é preciso unanimidade" (idem).

Além da paralisação das atividades, durante a greve, a FENAPEF institui um movimento denominado “Campanha PF legal. Pela legalidade, cidadania e proteção dos direitos humanos”. Esse movimento, fundado sobre um “manual de procedimentos funcionais” (que ficou conhecido pelos policiais como Cartilha), consistia numa compilação de normas e orientações sobre como o policial federal deveria proceder, dentro dos limites da estrita legalidade, a fim de perseguir uma mudança normativa e institucional, e garantir eficiênfenapefcia, legitimidade e respeito aos direitos humanos (FENAPEF, 2012d).

O documento também justificava que as posturas nele descritas eram “decisivas para uma desejável evolução de conceitos e quebra de paradigmas, que podem [poderiam] resultar em avanços institucionais, condições adequadas de trabalho e dignidade profissional para os ocupantes de todos os cargos da carreira policial federal” (FENAPEF, 2012d).

O texto apregoava que os policiais federais deveriam deixar de atuar informalmente em suas atividades e que realizassem somente as atividades descritas na Cartilha, deixando para os delegados as atividades afetas ao planejamento, direção, supervisão, coordenação, assessoramento e controle. Assim, caracterizava-se o que João Bernardo chama de greve de zelo (BERNARDO, 1991, p. 320).

Nessa época o Facebook já era utilizado como uma poderosa ferramenta de comunicação entre policiais, que criaram um grupo fechado chamado "Exclusivo aos EPAs65". Assim, as ações desencadeadas durante a greve eram dinâmicas, ordenadas e ocorriam em todo o país. Muitas delas tomadas por iniciativa dos próprios policiais, sem a coordenação dos sindicatos. Os grandes protagonistas dessa greve foram os policiais que atuavam na área de inteligência, conhecidos como "analistas" que, por iniciativa própria,

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passaram a elaborar relatórios de interceptação telefônica que não continham a parte analítica, ou seja, as chamadas interceptadas eram simplesmente transcritas, sem o trabalho de análise, pois isso, formalmente, era atribuição do delegado. Dessa forma, o delegado teria que inteirar-se de toda a operação para, então, avaliar as medidas que seriam solicitadas ao Judiciário, tais como, a inclusão de novos telefones a serem interceptados, a exclusão de números que não geravam dados úteis à investigação, a adoção de outras medidas como a quebra de sigilo bancário, a solicitação de mandados de busca e até mesmo da decisão de se realizar ou não uma ação de campo. Tais medidas, até então, eram "sugeridas" pelos analistas em seus relatórios, embora não tivessem atribuições legais para isso. O resultado dessa ação foi uma maciça redução nos números das operações policiais, principalmente aquelas feitas por meio de interceptações telefônicas, que eram realizadas em setores inteiramente controlados por agentes, sem a participação de delegados (GREVE..., 2013). Nessa época, eu era lotado no Núcleo de Inteligência da Delegacia de Chapecó - SC, que aderiu integralmente à greve de zelo.

Os detalhes dessa crise, embora tenham ganhado pouco destaque nos grandes veículos de comunicação, chamaram a atenção da mídia independente, que pontuava os seus contornos mais graves, relacionando-os com a gritante queda nas estatísticas da Polícia Federal.

O jornalista Fábio Campana, em seu blog, relatava o seguinte:

No Distrito Federal, um agente disse “não” quando a delegada Andreia Albuquerque, que estava à frente da Operação Miquéas, pediu um relatório analítico sobre escutas e movimentação financeira dos investigados. Segundo relato de um policial ao GLOBO, o agente disse que repassaria os dados brutos a Andreia. Caberia à delegada, e não a ele, fazer os cruzamentos de informações e extrair as devidas conclusões sobre as supostas ligações de políticos com um famoso doleiro local.

(...)

– Antes, agentes faziam relatório de inteligência (com cruzamento de dados) e os delegados assinavam. Hoje eles não fazem mais. Não aceitamos a apropriação (indevida) de propriedade imaterial. Hoje os agentes fazem a investigação, fazem a análise parcial dos dados. O relatório, com as conclusões finais, quem faz é o delegado – afirma Flávio Werneck, presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal (CAMPANA, 2014).

Indiferente à gravidade da crise, o governo federal insistia no reajuste salarial de 15,8%. A proposta calava-se sobre as demais reivindicações que, na visão dos grevistas, eram centrais. Essa oferta era sistematicamente rejeitada pelos policiais federais, que

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vislumbravam um horizonte que ia além da recomposição das perdas salariais, pois o que pleiteavam era o reconhecimento do nível superior de seus cargos e a definição das atribuições que exerciam de informalmente.

Nesse período, quando os

delegados se manifestavam

publicamente, escarniavam dos pleitos dos grevistas, afirmando que as suas “absurdas” pretensões se resumiam a uma vontade de “pegar um trem da alegria”, pois queriam se “transformar em delegados sem prestar o concurso público” (OLIVEIRA, 2014). A base desse discurso era a de que os agentes “já

sabiam como ela (PF) era quando prestaram concurso”, e que esses

cargos se destinam a “executar as ordens dadas por alguém superior hierarquicamente" (RADAR..., 2012). Paralelamente ao movimento, em setembro de 2012, a ADPF dá início à campanha de valorização dos delegados de polícia federal. Segundo a página da entidade, o objetivo era "enfatizar a importância da categoria no combate à corrupção e destacar a figura do delegado como o primeiro garantidor dos direitos do cidadão" (ADPF, 2012, QUEIROZ, 2015).

Ainda com base na comunicação feita pelo Facebook, os policiais federais adotaram um estratégia simbólica para chamar a atenção para os seus pleitos: durante a greve, passaram a se apresentar usando terno e gravata, como representação do nível superior de seus cargos e para demonstrar que não eram diferentes dos delegados. Em determinada ocasião, na delegacia de Chapecó, um delegado dirigiu-se aos grevistas e disse: "ainda bem que a TV não consegue filmar o cheiro de naftalina dos ternos de vocês". Em resposta, foi

Figura 2 - Campanha pela valorização do cargo de Delegado.

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afixado no relógio de ponto da delegacia um cartaz que dizia: "melhor ter cheiro de naftalina no terno do que no cérebro".

Durante a greve, os policiais não se limitaram a paralisar os trabalhos, pois mobilizaram diversos setores da sociedade em torno dos fundamentos da paralisação. Em vários pontos do país, a questão da apropriação do trabalho imaterial foi levada em reuniões com Promotores de Justiça, Procuradores da República, Assembleias Legislativas, Câmara Municipais, Associações Comerciais, entre outras.Todas essas ações eram fotografadas e divulgadas no grupo do Facebook, o que inspirava outros policiais e davam fôlego ao movimento.

Entre os policiais, comentava-se que os delegados estavam preocupados com a força do movimento, com a penetração do discurso a respeito das atribuições e com a redução das operações policiais. Entretanto, apesar da força dessa greve, no dia 21/09/2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu pela legalidade da greve, impondo, no entanto, rígidas condições relativas ao percentual mínimo de efetivo a realizar as atividades desenvolvidas pela PF (TELLES, 2012). Assim, apesar de considerada legal, as condições impostas inviabilizaram a continuidade do movimento.

Em que pese o encerramento formal da greve dia 15 de outubro de 2012, a proposta de reajuste salarial oferecida pelo governo foi rejeitada, dando-se continuidade a um longo e também desgastante processo de negociação, que durou quase dois anos.

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