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CAPÍTILO 4 DO PÓS-GREVE AOS DIAS ATUAIS

4.10. A INSTRUÇÃO NORMATIVA 108/2016

A narrativa que estrutura este capítulo e o anterior tem início com apresentação do projeto de Lei Orgânica da Polícia Federal (PL 6493/2009). Após um longo e desgastante debate - que teve a sua manifestação mais contundente na greve de 2012 - esse projeto de lei foi retirado da pauta da Câmara dos Deputados em 18/11/2015, em razão da Mensagem Presidencial 485/2015, fundada na Exposição de Motivos nº 242/2015 do Ministro da Justiça. Esse ato ministerial atendia ao pleitos da ADPF, da Associação dos Delegados de Polícia Civil do Distrito Federal (ADEPOL/DF), da Associação dos Policiais Civis do Distrito Federal (APCF), da FENAPEF e do SINDIPOLDF, que sustentavam a necessidade da retirada do projeto para que fosse ampliado o debate democrático sobre o tema (BRASIL, 2015b).

Embora as propostas do GT pudessem ser vistas como um ponto de partida para esse debate democrático, o governo não se posicionou em relação a elas e não assumiu o papel de árbitro no conflito interno na PF. Sem contar com um posicionamento do governo, a FENAPEF firmou compromisso com Leandro Daiello, Diretor-Geral da PF, no sentido de que a normatização das atribuições dos cargos e as atividades de polícia judiciária seria construída mediante um consenso entre todas as entidades representativas de cargos da Polícia Federal. No entanto, no dia 08 de novembro de 2016, Daiello edita a Instrução Normativa (IN) nº 108-DG/DPF, que, além de regulamentar a atividade de polícia judiciária do órgão, dispôs sobre as atribuições dos cargos policiais, sem, no entanto, levar em consideração as propostas apresentadas pelas entidades representativas da PF. Sem embargo, à ADPF foi oferecida a possibilidade de revisar o texto da norma, que incorporou sugestões da entidade (FENAPEF, 2016c).

Resultante de um grupo de trabalho do qual participaram somente delegados e peritos, essa IN foi duramente criticada pela FENAPEF, pois estabelecia prerrogativas aos cargos de delegados e peritos, relegando para um plano secundário as atividades a serem

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realizadas por agentes, escrivães e papiloscopistas. Estes últimos criticavam a intencional mudança da nomenclatura de sua atividade, que se anteriormente era chamada de "perícia papiloscópica" e passou a ser designada por "exame papiloscópico" (FENAPEF, 2016d), ou seja, retirava dessa função o seu caráter pericial e, consequentemente, os elementos simbólicos advindos desse status.

Os agentes queixavam-se da ausência, no texto, da regulamentação do "Relatório de Investigação Policial", que conteria os resultados de suas investigações de campo, análises, entrevistas e outras diligências policiais, formalizando as atividades que desempenham informalmente. Por sua vez, os escrivães criticavam, dentre outros pontos, o dispositivo da IN que regulamenta a oitiva de pessoas recolhidas a estabelecimentos prisionais. Essa oitiva seria feita por meio de vídeo conferência. A crítica voltava-se ao fato de o delegado poder ficar em seu gabinete enquanto o escrivão estivesse no presídio para acompanhar o depoimento do preso”(SCANDIUZZI, 2016).

Ao fim e ao cabo, as críticas eram dirigidas ao excepcional poder normatizador do Diretor-Geral, que estaria extrapolando o poder regulamentar ao editar uma portaria que versava sobre questões que deveriam ser objeto de lei, em sentido estrito.

Os delegados, por sua vez, comemoravam as disposições que conferiam maior autonomia à Polícia Federal para o cumprimento de mandados judiciais e a regulamentação do papel do delegado na delação premiada, considerada um fundamental instrumento de obtenção de dados na Operação Lava Jato (GOMES, 2017).

Em protesto, a FENAPEF orientou os sindicalizados a não participarem das solenidades do Dia do Policial Federal, que ocorreriam em 26 de novembro (FENAPEF, 2016e). Apesar do inconformismo, após a greve de 2012, o fracasso das negociações do GT e a instabilidade política do país as bases sindicais não demonstravam qualquer disposição para se unirem em torno de uma mobilização mais contundente. Assim, essa IN segue em plena vigência até os dias atuais.

3.7.4.10. OS QUATRO MESES DE FERNANDO SEGOVIA.

A ruptura institucional representada pelo processo de impeachment de 2016 e os desdobramentos da Operação Lava Jato afetaram sobremaneira as relações de poder e o

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modo como o governo passou a avaliar cada item da pauta nacional no rol de prioridades das escolhas políticas, principalmente num cenário de acentuada recessão econômica. Dessa forma, o sindicalismo na Polícia Federal teve que se adequar a essa realidade, deslocando os seus esforços para temas como a proposta de reforma da Previdência Social, a criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública e as mudanças na cúpula da Polícia Federal.

Já no contexto da nova ordem, no dia 07/11/2017 ocorreu um forte embate na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC) em torno de posições antagônicas sobre da PEC 412/2009, que propõe conferir autonomia administrativa e orçamentária da PF. A ADPF manifestava-se a favor do texto que a FENAPEF tentava barrar (LARCHER, 2017). No dia seguinte, Fernando Segovia é anunciado como novo Diretor-Geral da PF, cercado de desconfiança, em razão do apoio à sua nomeação por parte de peemedebistas investigados em operações policiais, incluindo a Lava Jato (NUNES, 2017a).

Internamente, Segovia não tinha o respaldo da ADPF, que apoiava para o cargo a delegada Erika Mialik Marena78, que encabeçava uma lista tríplice construída a partir do sufrágio exclusivo dos delegados. Além disso, desde o seu primeiro dia como Diretor-Geral, Segovia adotou um discurso voltado à união interna, mostrando-se aberto às entidades sindicais, o que não era visto com bons olhos pela ADPF (NUNES, 2017a, AGÊNCIA FENAPEF, 2017). Por consequência disso, os sindicalistas divulgaram nota conjunta79 de saudação ao novo DG, sem a participação da ADPF (ABRAPOL et al, 2017). Logo no início de sua gestão, Segovia apresentou às entidades sindicais um projeto que pretendia criar uma nova carreira formada por policiais de nível médio para funções consideradas de menor complexidade, como segurança patrimonial e patrulhamento (VALENTE, 2018b). A imprensa noticiava que o projeto contava com o apoio inicial de Luís Boudens, presidente

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Atual Superintendente da PF em Sergipe. Ex-coordenadora da operação Lava Jato e da operação Ouvidos Moucos, que investigou irregularidades na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em razão desta operação, o então Reitor da UFSC, Professor Luis Carlos Cancellier e matou-se após sua libertação.

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A nota foi assinada pela Associação Brasileira de Papiloscopistas Policiais Federais (Abrapol), Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol), Federação Naciona dos Policiais Federais (FENAPEF) e pelo Sindicato Nacional dos Servidores do Plano Especial de Cargos da Polícia Federal (SINPEC).

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da FENAPEF (NUNES, 2017a). No entanto, havia uma rejeição histórica das bases sindicais em relação à proposta. Diante disso, a FENAPEF realizou uma enquete, por meio virtual, com as seguintes indagações:

A Direção-Geral apresentou às entidades da Polícia Federal um conjunto de propostas para a reestruturação do órgão. Uma das mudanças seria a criação de um cargo policial de nível médio para exercer atividades de menor complexidade. Levando em conta esse cenário, você apoia essa proposta? (FENAPEF, 2018a).

O resultado da enquete foi divulgado em grupos fechados nas redes sociais, tendo sido o seguinte: a) Sim: 102 votos (5,69%); b) Sim, desde que o novo cargo tenha atribuições bem definidas e não coincidentes com as demais e que haja uma proporção permanente do quantitativo dos demais cargos: 928 votos (51,76%) e; c) não: 763 votos (42,55%) (FENAPEF, 2018a). A divulgação desse resultado demonstrou uma evidente divisão entre os policiais e provocou um acalorado debate nas redes sociais. Parte dos policiais, principalmente os mais novos, entendia a proposta como um avanço para a categoria, que teria as suas atribuições de nível superior finalmente reconhecidas. Parte significativa, principalmente os mais antigos - e envolvidos com o movimento sindical - viam a possibilidade de criação de um cargo policial de nível médio como um retrocesso, pois percebiam a possibilidade de os atuais cargos de nível superior entrarem em extinção, já que os delegados poderiam exercer influência sobre o novo cargo de nível médio, tornando dispensáveis os cargos de maior nível.

Os policiais contrários à medida argumentavam que as atribuições de menor complexidade poderiam ser realizadas por um cargo administrativo, não integrante da carreira policial, assim como proposto pelo GT de 2014. A partir desse tema, estabeleceu-se outra calorosa discussão onde eram apresentados argumentos favoráveis e contrários ao tradicional mecanismo de deliberação sindical: as assembleias. Também foi objeto de discussão a legitimidade de uma enquete respondida por policiais não necessariamente sindicalizados.

Embora a proposta de Segovia tenha gerado grande fervor entre os policiais federais, o projeto foi logo interrompido em razão da substituição do Diretor-Geral por consequência de uma polêmica entrevista que concedeu à Agência Reuters. Na ocasião, Fernando Segovia afirmou não haver indício de crime em inquérito que investigava o Presidente Michel Temer e, por isso, a investigação deveria ser arquivada.

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(PARAGUASSU; BRITO, 2018). A divulgação da matéria desencadeou uma onda de protestos contra o Diretor-Geral, que foi intimado pelo Ministro Nelson Barroso, do STF, para prestar explicações sobre as suas declarações, que poderiam, inclusive, ser caracterizadas como crime (BRESCIANI, 2018). Assim, após quatro meses no cargo, a permanência de Segovia tornou-se politicamente insustentável.

O delegado Rogério Galloro assumiu a Direção-Geral da PF e passou a discutir apenas os pontos do projeto sobre os quais havia consenso, abandonando a criação do novo cargo (FENAPEF, 2018b).