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4. AS LEIS EDUCACIONAIS MOÇAMBICANAS E PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA DE RAWLS

4.4. A lei 6/92 e princípios de justiça de Rawls

A aprovação da lei 6/92 do Sistema Nacional de Educação é de certa forma antecedida por uma serie de transformações política e econômica que marcou a nova fase na Historia de Moçambique. Antes da aprovação da lei 6/92 do Sistema Nacional de Educação, foi aprovada em 1990 uma nova Constituição da Republica de Moçambique que “acaba com o regime monopartidário e introduz as eleições multipartidárias (Artigo 30º e 31º), a liberdade de imprensa (Artigo 74º) e o direito à greve (Artigo 91º)”

(UACIQUETE, 2012, p. 54). Este período se encaixa perfeitamente às discussões de Ralws, tendo em conta que os seus escritos se dirigem especificamente às instituições de democracias liberais.

A Constituição em 1990 permitiu o estado moçambicano reajustar o quadro geral do sistema educativo e adequar às disposições contidas na lei nº 4/83 de 23 de Março às atuais condições sociais e econômicas do país, quer do ponto de vista pedagógico quer do ponto de vista organizativo. Assim, a nova lei 6/92 do Sistema Nacional de Educação passa a preconizar uma Educação assente numa ideologia neoliberal, capitalista,

orientada à economia do mercado. No entanto, uma das grandes alterações previstas na nova lei 6/92 do SNE foi a mudança no papel do Estado. Assim, a nova lei do Sistema Nacional de Educação determina:

Art.1 b) o Estado no quadro da lei permite a participação de outras entidades, incluindo comunitárias, cooperativas e privadas no processo educativo.

O Estado, ao permitir a participação de outras entidades particulares no processo educativo, aproxima a lei 6/92 aos valores democráticos defendidos por Rawls, uma vez que, em seus textos, o autor esclarece que:

os governos além de manter as formas habituais das despesas sociais básicas, tenta assegurar oportunidades iguais de educação e cultura para pessoas semelhantes dotadas e motivadas, seja subsidiando escolas particulares seja estabelecendo um sistema de ensino publicoʼʼ (RAWLS, 2002. p. 304).

Como se pode notar, segundo Rawls o Estado não pode de alguma maneira ser detentor do monopólio pedagógico e financeiro do ensino. Para tal, Walzer concorda com o raciocínio de Rawls ao esclarecer o seguinte:

Numa sociedade democrática cuja legitimidade das suas instituições políticas é suportada por uma visão contratualista do exercício do respectivo poder, o Estado assume um especial controlo sobre o sistema educativo, não excluindo, no entanto, o ensino privado. Este controlo do Estado sobre o sistema educativo é necessário para evitar a interferências de outras esferas e respectivo princípios distributivos na educação (WALZER, 199).

Portanto, o Estado moçambicano ao permitir a participação das entidades privadas no processo educativo demonstra igualmente a necessidade de gerenciamento de conflitos de interesses com intuito de se encontrar um equilíbrio reflexivo, ou seja, um consenso sobreposto18 entre as varias concepções ou modelos educativos existentes no país. Para completar a ideia, Ralws acrescenta:

o alinhamento dos interesses publico e privado é o resultado de mecanismos institucionais estabilizadores aplicados às pessoas que se opõem umas as outras na qualidade de forças indiferentes ou ate mesmo hostisʼʼ. (RAWLS, 2002, p.

581).

Segundo Uaciquete (2012, p. 33), o Estado, ao reajustar a lei do sistema nacional de educação 4/83 às atuais condições econômicas, também reformulou os princípios norteadores da prática educativa ao expurgar todos os elementos que informam o

18 A ideia de um consenso sobreposto (ou melhor, esse termo) foi apresentada em Teoria, p. 387 ss., como forma de minorar as condições para a razoabilidade da desobediência civil numa sociedade democrática aproximadamente justa. O consenso sobreposto, na esfera política, depende da redução do conflito entre valores. Rawls entende que o consenso poderia estabelecer-se em torno destas questões: igualdade política, igualdade de oportunidades, respeito mútuo e garantia de reciprocidade econômica (RAWLS, 2000, p. 387)

discurso político e ideológico assente na filosofia socialista marxista da FRELIMO, passando a incluir discurso político sobre desenvolvimento pessoal, social, econômico e da educação e investigação: «desenvolvimento das capacidades e da personalidade e da iniciativa criadora”, como se pode ver abaixo:

Art. 2º lei 6/92. O processo educativo orienta-se pelos seguintes princípios pedagógicos: a) desenvolvimento das capacidades e da personalidade de uma forma harmoniosa, equilibrada e constante, que confira uma formação integral;

b) desenvolvimento de iniciativa criadora, da capacidade de estudo individual e de assimilação critica dos conhecimentos;

O reajustamento feito às alíneas acima, aproxima a lei 6/92 do SNE das ideias de Ralws na medida em que defende um sistema nacional de educação assente nos princípios pedagógicos baseados no desenvolvimento das capacidades e da personalidade do individuo. Ou seja, estas reformas nos levam à compreensão de que a educação não só proporciona aos cidadãos o desenvolvimento das suas capacidades cognitivas, mas permite que o individuo participe plenamente nas atividades dentro da sua sociedade.

Quando os indivíduos são incapazes de desenvolver plenamente suas capacidades, não importa quão modestas sejam e quando as posições não estão abertas numa base justa para todos. Caso não os excluídos estariam certos de se sentirem injustiçados, mesmo que se beneficiassem dos esforços maiores daqueles autorizados a ocupa-los. Sua queixa seria justificada, porque eles foram impedidos de experimentar a realização pessoal que resulta de um exercício habilidoso e devotado dos deveres sociais. Seriam privados de uma das principais formas de bem humano (RAWLS, 2002, p. 90).

No entanto, as reformas feitas à lei 4/84, demonstra a intenção do Estado democratizar cada vez mais o setor da educação, uma vez que esta lei passa a vincar a necessidade de se formar cidadãos com uma sólida preparação cientifica, técnica, cultural, e física e com uma elevada educação moral cívica e patriótica. Com isso, a (alínea d) do artigo 3 da lei 6/92 do SNE, permite-nos entender que a educação perdeu o seu caráter doutrinário, ao propor aos alunos um currículo escolar com conhecimentos necessários para o exercício pleno da sua cidadania em situação de liberdade e igualdade; não apenas saber ler, escrever e contar, mas também conhecimentos que contribuí para o desenvolvimento, produção e reprodução (consciente), de cidadãos com competências criticas que permite cada um conceber de forma livre uma determinada concepção de vida social, política, cientifica, cultural e técnica.

Resumidamente, o Estado, ao aprovar a lei 6/92 de 6 de Maio com objetivo de se adequar a realidade política e econômica do país, chama a atenção para dois aspetos: o primeiro é a obrigatoriedade de educação básica ser progressiva, e o segundo refere ao desaparecimento do artigo 7 da lei 4/83 de 23 de Março que consagrava a gratuidade do

ensino. Assim, no texto da nova lei não se faz menção alguma sobre a obrigatoriedade do ensino superior. Para Gonçalves (2018, p. 47), a lei 6/92 do SNE ao omitir em seus textos obrigatoriedade de ensino superior, o governo responsabiliza o cidadão e família o dever de buscar e oferecer a educação a si mesma e aos seus educando.

Tomando em conta os princípios da justiça de Ralws, podemos afirmar que a não obrigatoriedade do ensino superior pode se calhar, não constituir um problema, uma vez que, numa sociedade regida pelos princípios democráticos: “a todos é assegurada a liberdade para que persigam qualquer plano que lhe agrade, contanto que isso não viole as exigências da justiça” (RAWLS, 2002, p. 100).

4.5. Saldo das discussões sobre a consistência e inconsistência entre as leis