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2. EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE

3.1. O Ato Colonial de 1930

No período colonial, a grande maioria dos africanos habitantes da colónia não tinha acesso à educação básica e secundária e estava impedida de se matricular em escolas reservadas para brancos e assimilados. Havia uma diferença evidente entre as escolas para “nativos” (que ensinavam a “educação indígena”), que eram, em regra, orientadas por missionários religiosos, principalmente católicos, e as escolas para brancos e assimilados, que eram geridas pelo Estado ou entidades privadas. Nas zonas rurais, onde vivia a imensa maioria dos habitantes da colónia, eram as missões religiosas as responsáveis pelo ensino. Para o seu funcionamento, as missões recebiam recursos do Estado português: na prática, o ensino missionário era também um ensino oficial/estatal. Apesar das missões (igreja católica) serem responsável pela educação colonial, esta se mostrou incapaz de suprir as necessidades da maioria da população que necessitava de uma instrução formal.

Para legitimar o sistema educativo colonial, o Estado português aprovou em 1930 um instrumento jurídico conhecido por Ato colonial, que passaria a orientar entre outros fins, os princípios, fundamentos e objetivo da educação em Moçambique. Assim, segundo o Ato Colonial de 1930, as crianças africanas seriam educadas primeiramente em um sistema de educação rudimentar (o qual, a partir de 1962, passou a ser

conhecido por ensino de adaptação), que deveria ter uma duração mínima de três anos.

Passados os três anos, as crianças poderiam ser admitidas, se ainda menores de 13 anos de idade, no sistema formal de educação primária, o qual compreendia outros três anos e preparava os alunos para a entrada no ensino secundário (liceu). Em outras palavras, a partir da diferenciação entre raças as crianças brancas (não indígenas9) e indígenas10 teriam um percurso escolar diferente. Para as crianças brancas e negras assimiladas o seu percurso escolar seria de 11 anos, isto é, quatro anos de escola primaria e sete de liceu. Enquanto, as crianças negras não assimiladas (indígenas11) deveriam estudar no mínimo 14 anos, isto é, antes de ingressar no ciclo primário elas deveriam estudar três anos de “ensino de adaptação” também conhecido como “ensino rudimentar”, como forma de adquirir competências ou aptidões para cursar o ensino primário, pois, eram consideradas pelas estruturas colônias como inaptas ou sem capacidades de entrar diretamente no ensino primário como as crianças brancas (AFRIMAP, 2012).

Para Guimarães (1994, p. 14), independentemente do tipo da educação a política educativa colonial, teve como objeto a manutenção e o desenvolvimento do sistema colonial, centrado na assimilação das bases da cultura do colonizador, induzindo os africanos a respeita-la mediante o reconhecimento da sua superioridade, como meio para a exploração economicamente rentável dos recursos coloniais. Assim, a política colonial no sector da educação visava, essencialmente, manter as diferenças construídas pela metrópole (Lisboa) entre os diferentes grupos que viviam na colônia, limitando o acesso à educação a determinados grupos (moçambicanos desprovidos da cultura e da cidadania portuguesa) e, por meio dos conteúdos ensinados nas escolas, inculcando-lhes os valores metropolitanos. Para Gomez (1999), o governo colonial português entendia que, os poucos alunos africanos abarcados pelo sistema de educação colonial seriam, nos termos da época, retirados daquilo que se considerava um “estado selvagem” para a “civilização”, com ênfase na cultura portuguesa e nos valores cristãos e do trabalho.

Podemos concluir que a expansão do sistema educativo na colônia não esteve entre as prioridades de Portugal até meados da década de 1960, e os dados estatísticos do período são ilustrativos deste fato. Segundo Mondlane (1999), havia, em 1963, 311

9 No caso, os não indígenas seriam todas as pessoas nascidas na Europa ou estrangeiros de pele branca.

(1995, p. 56).

10 Os indígenas, por sua vez, seriam todos os demais, africanos e estrangeiros, que seriam governados

pelo direito africano, isto é, pelas “leis costumeiras” de seu território (1995, p. 56).

escolas primárias em Moçambique, que contavam com 25.742 alunos, dos quais apenas 20% eram africanos. Assim, a característica do sistema público de ensino colonial em Moçambique para alem de apresentar uma rede escolar insuficiente, ineficaz e ineficiente, também constitui causa da frustração das aspirações dos africanos. Para AFRIMAP (2012, p. 31) isso revela que estrutura e o funcionamento deste sistema educativo dificultava o acesso à escola para a grande maioria dos moradores da colônia, e a taxa de analfabetismo em língua portuguesa era bastante elevada: pouco antes da independência, em 1970, a percentagem de analfabetos na colônia era estimada em 90%.

3.2. Constituição de 1975

O primeiro governo do Moçambique independente propôs-se a, de entre outros objetivos, edificar uma economia independente e promover o progresso cultural e social do país. Assim o setor da educação foi desde cedo assumido como um instrumento, central para o desenvolvimento nacional e garante da democracia popular, pois, segundo antigo presidente Samora Machel “(...) alfabetizar é criar e consolidar condições para planificar a vida e a produção, para que o povo possa efetivamente, tomar o poder e construir uma sociedade nova” (AFRIMAP, 2021, p. 34)

De acordo com constituição de 1975, a educação passou a ser consagrada como um direito e dever de cada cidadão, cabendo ao Estado assumir a promoção das condições necessárias para extensão do gozo e de exercício desse direito a todos os moçambicanos, (...) combatendo a situação do atraso criada pelo colonialismo12.

Assim o Estado através de Ministério da Educação e Cultura (MEC), aboliu o exercício do ensino privado e passou a ser a única entidade responsável, pela concepção, organização de políticas de educação e a expansão do acesso a educação a todos os moçambicanos. Apesar de consideráveis avanços do governo em prover a educação para todos nos primeiros anos da independência, o centralismo e a estatização do sector educativo não tardaram a ter impacto na redução do ímpeto transformador inicial. Isso porque, já não mais se tratava apenas de introdução de novos métodos e práticas educativas em pequenos grupos sociais com seus valores e ideais comuns, mas de fazê-lo em relação a milhões de pessoas com valores e experiências de vida diversas, espalhadas por todo território nacional. Importa lembrar que dentre varias reformas

12 “Art. 31, Constituição da República Popular de Moçambique, 1975”

educativas levadas a cabo a quando a aprovação da nova constituição de 1975 a que mais nos chamou atenção foi o banimento da disciplina da filosofia no currículo escolar.

Afinal quais os fatores que ditaram o banimento da Filosofia no currículo escolar moçambicano?

Para Ngoenha (2012, p 202) durante a governacão colonial (1500-1975), a concordata (Igreja católica e Governo colonial), permitiu a introdução de uma filosofia nos seminários que era ancila e teológica, mas que compreendia uma dimensão hegeliana evidente, ligada a uma superioridade racial e histórica do lusitano em relação ao africano. Ou seja, através desta filosofia a igreja devia primeiro formar portugueses, ou melhor, fazer dos indígenas africanos portugueses e mais tarde cristãos.

Já Chambisse (2006, p. 68) justifica o banimento da Filosofia no currículo escolar, pelo fato deste campo de conhecimento cientifico estar vinculado aos objetivos da educação colonial. Para o autor, a independência do país em 1975 permitiu aos dirigentes políticos e educacionais de Moçambique banir o ensino da Filosofia, por entender que esta ciência sustentou durante muito tempo a formação de um homem burguês, com uma mentalidade também colonial e burguesa “alineado” de si e de sua própria realidade. Isto é, durante o regime colonial a filosofia esteve sempre ao serviço dos colonizadores, para formação única de homem com propósitos de servir os interesses econômicos e subjugar e desprezar a cultura do próprio moçambicano.

Para vários intelectuais e filósofos o banimento da disciplina da Filosofia no currículo escolar, contribui para florescimento de déficit moral, político e cognitivo na sociedade moçambicana. No cenário político, o banimento da filosofia se manifestou através das “aporias” da cidadania moçambicana, ou seja, pela fraca manifestação da cidadania nos assuntos políticos. Um dos exemplos marcantes foi o elevado número das abstenções nas primeiras eleições gerais de 1994, como resultado da “descrença política vivida no país” (CIPRIANO, 2010, p. 263). Se calhar o numero de abstenções se deve pelo fato da sociedade viver num regime monopartidário de 1975 ate aprovação da constituição multipartidária de 1990, caracterizada pela privação das liberdades básicas dos cidadãos e consequentemente ausência da disciplina da filosofia nos currículos escolares.

Uma pessoa que carece de um senso de justiça carece, de igual modo, de certos direitos fundamentais, atitudes e capacidades incluídas na noção da humanidadeʼʼ (RALWS, 1999, p. 488). Isso porque a segurança das liberdades democráticas requer a participação ativa dos cidadãos que possuem virtudes políticas necessárias para a manutenção de um regime constitucional (RAWLS,

1999, p. 254).

Igualmente, além da descrença política vivida no país como resultado do banimento da disciplina da filosofia no currículo escolar a moralidade também ficou afetada devido às perplexidades vivenciadas que resultaram dos desafios impostos pelas mudanças na esfera de orientação de valores caracterizada por abandono dos valores do socialismo e a instauração do capitalismo liberal (MINED, 2000, p. 1). Um dos exemplos práticos imposto pelo déficit moral foi à exacerbada corrupção no setor de educação, a falta de cultura de convivência social, desrespeito e falta de diálogo dentro da sociedade moçambicana. No entanto, isso revela que na sociedade moçambicana a dita cooperação social era frágil e o senso de justiça se revelava inóspito e incomum, levando, deste modo, os cidadãos a não resistirem às inclinações divergentes. Quando isso acontece, é porque as atitudes morais dos indivíduos não estavam completamente moldadas por uma concepção pública de justiça, mas se calhar pelo bem estar individual ou manifestação de grupos ou interesses particulares (RAWLS, 2002).

Portanto, no entender de vários intelectuais, os déficits morais aqui referenciados são imputados à ausência do ensino da Filosofia no ensino médio assim como nas Instituições de Ensino Superior. No ponto a seguir faremos um analise sobre a aprovação de Sistemas Nacional de Educação que foram fundamentais para a reforma curricular e a reintrodução do ensino da filosofia em 1998.