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A Lei Maria da Penha como objeto de pesquisa

No documento Lei Maria da Penha e violência conjugal (páginas 52-55)

2 TEORIZANDO A PRÁTICA – ENTRE O JURÍDICO E O LINGUÍSTICO

2.4 LEI MARIA DA PENHA

2.4.3 A Lei Maria da Penha como objeto de pesquisa

A Lei Maria da Penha tem sido objeto de pesquisa de várias áreas do conhecimento, em especial, do Direito, da Psicologia, da Sociologia. Na área da Linguagem, esse cenário parece ainda ser pouco explorado. Quando se delimita a busca16 pelo tema “Lei Maria da Penha e Análise do Discurso”, percebe-se que o campo é bastante novo, uma vez que os indicadores de pesquisas apontam poucos trabalhos já realizados.

Um breve levantamento nas pesquisas encontradas apontou a Lei Maria da Penha como foco da investigação de Acir Gomes (2011), que buscou averiguar o percurso discursivo-legislativo sobre a mulher brasileira no contexto ideológico do surgimento dessa lei, em 2006, sob a perspectiva da Análise do Discurso Francesa. O autor analisou o discurso produzido na edição da lei e seus efeitos de sentido, buscando compreender o contexto histórico e ideológico do texto dessa lei e os discursos empreendidos nesse texto. Tratou-se de pesquisa bibliográfica em que a análise dos dados foi qualitativa e comparativa e resultou na dissertação defendida pelo autor no Programa de Mestrado em Linguística da UNIFRAN, em Franca/SP.

Em 2012, na Universidade Federal de Alagoas, Lisiane de Oliveira analisou os discursos de mulheres que registram ocorrência policial na Delegacia da Mulher de Maceió, a partir dos relatos dos boletins de ocorrência e de entrevistas com as mulheres. As análises procedidas permitiram a constatação de que os discursos das vítimas estão inscritos na formação ideológica capitalista-patriarcal que interfere na decisão das vítimas de não procederem com o processo judicial e processarem seus agressores.

Outro resultado encontrado foi o trabalho de Renata Dranka (2008), em que a autora também se propõe a analisar, à luz dos pressupostos teóricos da AD Francesa, os gestos de leitura e interpretação sobre o papel da Memória, Arquivo, Interdiscurso em relação à trajetória da Lei Maria da Penha e a reprodução da imagem social da mulher, depois que a lei

16 Foram tomados como bases de pesquisas os seguintes indicadores: Scielo, Domínio Público e banco de teses da CAPES.

foi sancionada, por meio da análise de jornais e propagandas. Trata-se apenas de artigo disponível nos anais de um evento sobre gênero, realizado pela UFSC, porém, informações sobre essa pesquisa não foram localizadas.

Na vertente da Análise do Discurso entendida como Crítica – a ACD –, a pesquisa de Freitas (2011) analisa, a partir de depoimentos em inquéritos policiais, a representação dos papéis que homens e mulheres assumem em seus discursos como protagonistas de situações de violência conjugal. Segundo a autora, a análise dos dados colhidos em vinte processos penais de ameaça e lesão corporal, sob a vigência da Lei Maria da Penha, evidencia que os atores sociais envolvidos nesses processos atribuem significados à violência de acordo com a situação relacional que os posiciona em condições desiguais, com prejuízos maiores para as mulheres. Para a autora, algumas decisões judiciais acabam por não promover a justiça quanto ao crime cometido e, muitas vezes, reforçam a normativa social quanto às desigualdades de gênero.

Buscando encontrar pesquisas que envolvessem a Lei Maria da Penha com o contexto que pretendo investigar neste trabalho, ou seja, o meio policial e o judiciário e aproximação com vítimas e agressores, já sem preocupação estreita com a linguagem, encontrei as pesquisas de Porto e Costa (2010), de Leila Deeke et alii (2009) e de Carneiro e Fraga (2012). A primeira pesquisa mencionada buscou identificar as representações de juízes de direito sobre a violência contra as mulheres e de que forma essas representações influenciam ou não as decisões prolatadas em suas sentenças. Nessa pesquisa foram analisados os conteúdos de 15 sentenças (entre setembro de 2006 e agosto de 2007) do primeiro ano de vigência da Lei 11.340/2006, em uma cidade da região Norte do Brasil. A análise apontou que os juízes percebem a violência contra as mulheres como elemento constitutivo das relações entre gêneros e como um fato que não oferece perigo para elas, o que então, não se configura como crime. A pesquisa constatou ainda que o lugar social definido para as mulheres pela sociedade patriarcal naturaliza e torna invisível a violência por elas sofrida, dificultando o acesso à justiça.

A pesquisa de Leila Deeke et alii (2009), ocupou-se da dinâmica da violência doméstica a partir do discurso da mulher agredida e do parceiro autor da agressão. Tratou-se de pesquisa descritivo-exploratória com abordagem qualitativa, realizada entre 2006 e 2007, com trinta casais cujas mulheres haviam registrado ocorrência policial na Delegacia da Mulher de Florianópolis/SC, contra eles, por violência doméstica. Segundo as pesquisadoras, os dados coletados apontaram que, em comparação com as mulheres, os homens tenderam a negar a ocorrência e a diminuir a frequência das agressões. Os motivos das agressões mais

apontados foram o ciúme, o fato de o homem ser contrariado, a ingestão de álcool e a suspeita de traição. O estudo revelou, ainda, que as percepções sobre a violência são descritas pelos membros do casal de formas diferentes.

Já o trabalho de Carneiro e Fraga (2012), socializa os resultados de uma pesquisa que problematizou os registros de inquéritos policiais e processos judiciais dos crimes previstos na Lei Maria da Penha, envolvendo mulheres vítimas de violência doméstica, na cidade de São Borja/RS. Metodologicamente, caracterizou-se como exploratória-descritiva, em que a Delegacia de Polícia Civil e o Fórum da Comarca desse município foram os campos de coleta de dados. A pesquisa apontou que, apesar dos avanços da Lei, ela ainda não estava sendo eficaz na tarefa de coibir a violência contra a mulher.

No Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da UNISUL, em 2012, uma pesquisa foi realizada por Manoel Sebastião Nascimento Júnior, dentro da temática da violência doméstica, ancorada nos pressupostos da perspectiva da Análise Crítica do Discurso, abordando a violência a que homens são submetidos por parte de suas companheiras. Nessa pesquisa, boletins de ocorrência e termos circunstanciados registrados na 1ª Delegacia de Polícia de Florianópolis compuseram o corpus de pesquisa. Possivelmente essa pesquisa tenha sido a que, de maneira mais próxima, se aproxima da temática que agora proponho no mesmo programa.

Assim, na perspectiva da pesquisa que ora se apresenta, cujo desenho metodológico será discutido no próximo capítulo, acredito tratar-se de proposta inovadora, pois pretende trazer para os estudos linguísticos uma discussão que tem sido muito mais explorada no campo das outras ciências sociais, além de ampliar o debate sobre a violência para além das instituições formais do Direito, abarcando também as instâncias dos sujeitos envolvidos na problemática da violência doméstica contra a mulher – tema específico da Lei Maria da Penha.

No documento Lei Maria da Penha e violência conjugal (páginas 52-55)