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CAPÍTULO III AS CONCESSÕES FLORESTAIS NO BRASIL

3.5 A LGFP e alguns diferentes arranjos institucionais

Embora a nova Lei florestal venha para resolver problemas, como o do desmatamento ilegal, tentando melhorar a administração e a proteção florestal, não se pode

dizer que a Lei resolverá per si todos os problemas (BAUCH et al., 2009, p. 136). Estudo de caso realizado na floresta do Antimary no Acre, na qual a gestão ocorre diretamente pelo Estado, apontou que naquele caso o Estado não teve sucesso em criar bases para o desenvolvimento autônomo da comunidade. Ao contrário, criou-se uma situação de dependência do aparato estatal, em que as comunidades se encontram como beneficiárias passivas do programa estadual. Não se constatou protagonismo, empoderamento e independência dos grupos comunitários. O estado também não conseguiu restringir as invasões e proteger os limites da unidade (PINTO; SOBRINHO; ROCHA, 2015).

Bicalho (2011) afirmou que o manejo florestal comunitário realizado na Floresta Nacional do Tapajós tem sido exitoso. Para ele trata-se de exemplo de que as populações tradicionais podem ser proativas inclusive comercialmente, podendo ser incluídas em programas de desenvolvimento regional, sendo que a organização comunitária, criação de associações e cooperativa foi fundamental para construção de objetivos coletivos e unidade política necessária para fazer frente a outros grupos econômicos.

Melo (2016) comparou as mudanças vividas pelas comunidades tradicionais ao longo de cinco anos após o início das operações de exploração decorrentes de concessão florestal estadual, da Gleba Mamurú-Arapiuns, no Pará. O trabalho verificou, entre outros pontos: o aumento da dificuldade da comunidade local em localizar água após o início da concessão; a substituição dos materiais de construção locais por industrializados dada a facilidade de acesso decorrente da abertura de rodovias; a percepção da comunidade de que animais de caça teriam sido afastados por conta da atividade madeireira; o aumento da distância percorrida para caçar, o que, segundo o autor, seria decorrência da abertura de estradas e uso de motocicletas pela comunidade local; a contribuição voluntária de empresas madeireiras para construção e reforma de igrejas e escolas; a constatação de que a educação tende a ser melhor em áreas próximas às madeireiras. Tal trabalho, contudo, focou-se na visão das comunidades tradicionais, diferentemente do presente estudo que pretende englobar pontos de vista de mais atores.

Vale destacar que mesmo em concessões florestas à iniciativa privada há a possibilidade de concretização de arranjos institucionais diversificados que apresentem parcerias entre diversos atores, podendo haver até mesmo parceria formal entre comunidades e concessionárias para execução do manejo florestal sustentável.

Conforme noticiado no site do ICMBio (2016), ao iniciar a exploração da Floresta Nacional de Altamira, a concessionária federal Patauá Florestal, criada por cinco madeireiras da região de Moraes de Almeida, no Pará, realizou parceria com a Cooperativa Mista da

Floresta Nacional dos Tapajós - Coomflona, entidade comercial criada por associações intercomunitárias beneficiárias da Floresta do Tapajós.

Segundo tal arranjo, a Coomflona, entidade com maior experiência prévia em manejo de baixo impacto, participou do início da colheita na concessão de Altamira, assegurando o manejo de forma sustentável e colaborando com a capacitação dos profissionais da concessionária.

Conclusão do Capítulo III

Neste capítulo analisamos as concessões florestais no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. No primeiro momento tratamos de alguns aspectos da política de concessões a partir das previsões da LGFP. Analisamos alguns aspectos do procedimento de concorrência, da destinação de florestas para concessão, da dinâmica do contrato de concessão e dos aspectos econômicos do contrato.

Num segundo momento analisamos como a LGFP tem sido implementada a nível federal, haja vista ser instrumento normativo recente cuja aplicação ainda não conta com muitos exemplos no âmbito federal. Entre os fatores que influenciam na lentidão com que a política de concessões tem sido aplicada foram identificados: a insegurança jurídica, notadamente pela existência de ações judiciais questionando a constitucionalidade da Lei, os procedimentos de consulta e participação das comunidades e a identificação de territórios quilombolas e de comunidades tradicionais; limitações organizacionais com multiplicidade de órgãos com escopos distintos participando do processo de concessão e dificuldade de comunicação entre si; falhas nos inventários florestais; dificuldades de prestação e manutenção de garantias; concorrência com madeira ilegal; falta de um programa efeito de incentivos fiscais e acesso à linhas de crédito; falta de incentivos no uso de madeira proveniente de concessões florestais em compras públicas; e longo lapso temporal entre a abertura do procedimento de licitação e o início da exploração.

A atividade de concessão florestal tem como desafio adicional concorrer com a madeira ilegal ou não sustentável, que possui baixo custo. Atividades de fiscalização e repressão demandam muitos recursos e os instrumentos de comando e controle não têm surtido o efeito esperado. A despeito disso, o exemplo da Flona de Altamira é um indicador de que à medida que a política de concessão seja implementada os índices de desmatamento podem melhorar. Para que a política de concessões se consolide são necessárias ações de fomento para assegurar a viabilidade econômica da atividade madeireira exercida de forma sustentável, o que

pode se dar por meio de melhorias nos procedimentos de licitação e de licenciamento, instituição de incentivos tributários, priorização de compras públicas pautadas por critérios de sustentabilidade e aplicação de técnicas de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Foram levantados alguns pontos do Acórdão produzido pelo TCU, que, embora bastante elucidador, não chegou a mapear as percepções dos atores a luz dos aspectos econômicos, sociais e ambientais da forma proposta neste trabalho, o que deve ser trabalhado no capítulo subsequente.

A análise empreendida neste capítulo tentou apresentar um rápido panorama da política de concessões florestais implantadas no Brasil. Para a compreensão dos benefícios advindos (ou não) do manejo florestal sustentável é imprescindível irmos além, mediante a investigação das percepções e expectativas dos diferentes atores envolvidos na concessão florestal, para saber se o modelo de concessões no caso estudado se traduz, e em que medida, nos benefícios sociais, econômicos e ambientais almejados.

A delimitação das percepções ainda poderá permitir a identificação de pontos comuns na concepção de diferentes atores, o que deve viabilizar e aprimorar o diálogo e a busca conjunta de soluções com enfoque no benefício mútuo, viabilizando maior eficiência e eficácia na concretização dos benefícios ambientais, sociais e econômicos das concessões. A partir do que se discutiu até agora, o próximo capítulo busca trabalhar com as percepções e expectativas identificadas no trabalho de campo.