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CAPÍTULO II INSTRUMENTOS DA POLÍTICA AMBIENTAL E AS CONCESSÕES

2.4 Direitos de propriedade e desmatamento

Conforme Keohane e Olmstead (2007), a natureza dos direitos de propriedade e a existência de bens públicos entre os serviços florestais levam a discussão do desmatamento à perspectiva econômica.

Embora árvores em pé sejam um ativo de capital que aumentam de volume – e valor – ao longo do tempo, no caso da propriedade privada, mantê-las em pé gera um custo e os proprietários tendem a levar em conta os custos de oportunidade dos investimentos alternativos: além do valor da madeira a ser colhida, são considerados os retornos financeiros de usos alternativos da terra (KEOHANE e OLMSTEAD, 2007). Direitos de propriedade bem definidos podem levar ao manejo eficiente dos recursos naturais com o estabelecimento de um ciclo ótimo de corte que leve em conta as necessidades econômicas dos indivíduos e respeite a capacidade de suporte do ecossistema. Segundo os autores as instituições sociais também

podem auxiliar na coordenação entre os proprietários em prol da conservação e de melhores práticas.

Os danos tendem a ser ainda maiores quando o desmatamento é ilegal. Segundo dados analisados por Liddick (2011) cerca de 10% da madeira comercializada no Mundo tem origem ilegal, sendo que 60% da madeira tropical adquirida pela Europa também tem origem ilegal. Segundo o autor, além de causar danos sociais e ambientais, o comércio ilegal de madeira, frequentemente financiado por ricos investidores, está associado à lavagem de dinheiro, à sonegação fiscal, ao crime organizado, ao abuso de direitos humanos e ao desrespeito a direitos de propriedade públicos e privados.

A madeira ilegal ainda distorce o mercado de produtos florestais, fomenta a má governança e os conflitos violentos. O baixo preço da madeira ilegal, aceita pelos consumidores, juntamente à falta de alternativa econômica às comunidades pobres residentes no entorno de florestas que dependem da atividade madeireira para subsistência e a corrupção de agentes estatais e companhias são apontados como incentivos que podem conduzir às práticas ilegais (Liddick, 2011).

A maior parte da madeira ilegal que chega no mercado consumidor aparenta ser legal. Isto decorre do fato de ser muito difícil diferenciar a madeira legal da ilegal, mesmo os consumidores mais cautelosos podem vir a adquirir madeira ilegal em razão de diversas fraudes que são engendradas para induzir o consumidor a erro. Liddick (2011) afirma que as fraudes podem ocorrer nas diversas etapas da cadeia produtiva, como, por exemplo, por meio da mistura de madeiras de diferente procedência, de autorizações fraudulentas concedendo licença de corte em determinada região para volume superior ao disponível na região. O desenvolvimento de traçadores de DNA da madeira para conferir a compatibilidade da madeira que chega à serragem com a descrita na documentação de cadeia de custódia é exemplo de como a evolução tecnológica tem auxiliado na identificação de algumas fraudes (MDDEFE & MINFOF, 2016). Há diversos arranjos de políticas e de governança no mundo acerca da forma como se procede a extração dos recursos florestais, geralmente refletindo o sistema de direito de propriedade já existente em cada país, os diferentes arranjos têm variáveis graus de sucesso a depender de sua configuração (YORK, JANSSEN e OSTROM, 2005).

Avaliar a lucratividade de atividades sustentáveis em florestas naturais necessariamente envolve a consideração das alternativas de uso da terra, principalmente as mais lucrativas que o manejo florestal, como o cultivo de sementes industriais, a exemplo da soja. Embora as legislações comumente sejam restritivas, limitando diferentes usos da terra em áreas de florestas, na prática ocorrem usos alternativos que não necessariamente dependem do

potencial dos produtos e serviços naturais, mas sim do potencial destas áreas para promover a satisfação dos indivíduos, que possuem objetivos que não necessariamente comungam com a conservação (POKORNY; PACHECO, 2014).

Desta forma, assegurar que o manejo florestal sustentável tenha atratividade econômica é necessário para evitar que agentes optem por outras atividades que lhes garantam melhor retorno financeiro (POKORNY; PACHECO, 2014). Sendo o manejo florestal menos lucrativo, algumas vantagens no regime de concessão têm que ser estabelecidas para assegurar sua viabilidade, um exemplo é a longa duração dos contratos de concessão, visando assegurar maior segurança na posse a logo prazo (KARSENTY et al., 2008, 1499).

A derrubada de árvores e as queimadas são procedimentos comuns para reduzir a insegurança sobre a posse e definir direitos sobre a terra. A delimitação de direitos possessórios mediante o estabelecimento de concessões florestais em áreas onde a disputa pela terra pode ocorrer é um modo de evitar tais práticas, reduzindo os conflitos (KARSENTY et al., 2008, p. 1500). A conservação mediante o estabelecimento de direitos de propriedade também foi sustentada pelos defensores da implantação da política de concessões florestais no Brasil – inclusive organizações não governamentais que foram relutantes em apoiar a mesma política noutros países. Diversos elementos são frequentemente associados ao aumento do desmatamento, como, por exemplo, a abertura de rodovias, a proximidade com áreas urbanas, o aumento da população, a aptidão do solo, e as atividades agrícolas (BUSCH; GALLON, 2017).

Enquanto a agricultura em larga escala é constantemente associada ao desmatamento, esta regra nem sempre se aplica à produção de madeira. Busch e Gallon (2017) realizaram estudo por meio de meta-análise de dados a partir de periódicos publicados entre 1996 e 2003, tendo identificado que a demanda do mercado por commodities tem impactos diferentes sobre o desmatamento. Nem a elevação dos preços da madeira nem o aumento da atividade madeireira puderam ser consistentemente ligados a níveis maiores ou menores de desmatamento, o que segundo os autores sugere que o desmatamento tem como principal condutor a conversão das florestas em outros usos da terra, como o uso agrícola.

A gestão dos recursos florestais no mundo não é uniforme. Os arranjos institucionais diferem de acordo com cada realidade, sendo variável o enfoque e a eficiência dos instrumentos de políticas públicas utilizados, dos instrumentos econômicos aos instrumentos regulatórios, variando ainda o papel e protagonismo dos atores na gestão dos recursos florestais em cada caso.

Considerando a existência de diferentes realidades, com diferentes instituições formais e informais, o presente trabalho não se presta a afirmar qual é a melhor forma de gestão dos recursos florestais encontrada no mundo. Longe de esgotar os arranjos institucionais existentes, o tópico subsequente apresenta breve revisão bibliográfica sobre a gestão dos recursos florestais, com enfoque nas concessões florestais.

Embora não seja possível simplesmente aplicar ou inferir consequências de outros casos num simples exercício dedutivo, as informações a seguir podem auxiliar na compreensão de semelhanças e diferenças – aqui com enfoque ao objeto deste estudo, quanto aos reflexos econômicos, sociais e ambientais das concessões florestais apontados pela literatura e percebidos no caso estudado.