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A liberdade de expressão, o direito à informação e as biografias

A biografia é um texto que conta a história da vida de uma pessoa, contendo descrições de aspectos específicos sobre ela em um determinado tempo e espaço. São inúmeras as formas de veiculação das narrativas biográficas, tais como livros, sites,

filmes, revistas documentários e televisão225.

Nesse passo, a publicação e produção de biografias é uma forma de livre expressão de um autor, como também constitui um importante instrumento na formação

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BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.

Disponível em: <http://www.puc-

rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2 0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016

223 BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.

Disponível em: <http://www.puc-

rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2 0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016.

224 BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.

Disponível em: <http://www.puc-

rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2 0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016.

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LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a

de opinião, isso porque os fatos ocorridos e descritos estão incluídos na historiografia de

um país, não podendo tais acontecimentos serem decotados da formação cultural226.

Tem-se duas espécies de biografia: a primeira é a biografia autorizada, a qual o biografado autoriza a publicação da obra; e a segunda é a biografia não autorizada, que não conta com nenhuma forma de autorização do biografado.

No Brasil, conviveu-se por muito tempo com a necessidade de autorização do biografado para a publicação de sua biografia, o que, muitas vezes, constituiu em um empecilho para a manifestação da liberdade de expressão e da informação, tema este que será tratado em um capitulo próprio.

Merece destaque, no que concerne à publicação de biografias e à liberdade de expressão e informação, o dever da verdade. A liberdade de expressão abrange elementos subjetivos e, dessa forma, em algumas situações, não pode ser condicionada ao requisito de comprovação da verdade, isso porque “a natureza abstrata do conteúdo

subjetivo não presta ao exame de sua correção” 227

. Noutro giro, em se tratando do direito de informação de fatos e notícias, o controle da verdade deve ser perseguido, por se constituírem de objetos concretos suscetíveis de comprovação.

A afirmação de que a liberdade de expressão não precisa da verificação da

verdade não significa que tal liberdade esteja livre de limites228. O marco da liberdade

de expressão diz respeito às exigências de continência e pertinência de ideias e sua fronteira reside nos direitos da personalidade. Nenhuma apresentação de ideias ou manifestação de pensamentos pode agredir a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. E, caso isso ocorra, deverá ocorrer a reparação do dano.

Um contraponto que se faz é que a Suprema Corte Americana, em prol de uma garantia a liberdade de expressão, permite algumas informações falsas sobre as figuras no poder, propugnando que tal permissão não interfira na existência de eventuais limites

226

LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a

personalidade e constituição de 1988. São Pulo: Almedina, 2015, p. 106. 227

FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem

versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris

Ed., 2008, p. 81;

228

Sobre a verdade importante passagem transcrita por Gilberto Jabur de um editorial sobre busca da verdade: “só na verdade tem um caráter humano e responsável”. Se a verdade não é o único pressuposto para informação, é, ao menos, o primeiro, aquele que deve ser capaz de movê-la e justifica-la. “De fato”, escreve-se em editorial respeitado veículo de comunicação social, também em alusão ao Papa, “ a busca da verdade não enfraquece o afã da liberdade. Ao contrário, é sua mola propulsora, poia a autentica liberdade é adesão voluntária à verdade que se impõe a uma inteligência lúcida, serena e não condicionada por preconceitos ou interesses” (JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e

direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos

à liberdade de expressão. Importante salientar que qualquer que seja a espécie de restrição essa deve ser estabelecida de “forma clara e proporcionada, servindo interesses substanciais do Governo, respeitando, assim, a proeminência que Primeira Emenda

confere à liberdade de expressão”229. E é assim que os Estados Unidos são um dos

países que mais publicam biografias, que circulam livremente, sem qualquer empecilho. Um acontecimento lamentável que marcou para sempre a história da imprensa brasileira e que ilustra a necessidade do dever da verdade quando do exercício do direito à liberdade de expressão e de informação, diz respeito à cobertura e divulgação de notícias inverídicas sobre a Escola Base de São Paulo, cujos donos e funcionários foram terrivelmente acusados, julgados e condenados por toda a mídia e população. No período entre 26 de março de 1994 a 7 de abril de 1995, foi instaurado e arquivado o trágico inquérito policial que possuía como objetivo a apuração de “orgias sexuais” envolvendo quatro crianças, entre quatro e seis anos de idade.

De acordo com a queixa apresentada pelos pais, que tinham filhos matriculados na escola Base de São Paulo, “o casal Maria Aparecida e Ayres, os donos da escola, promovia orgias sexuais com as crianças na casa de Saulo e Mara, pais de um dos alunos. Além deles, Paula e Maurício Alvarenga – a sócia de Aparecida e o motorista da Kombi a qual levava as crianças para casa, respectivamente – também estavam

supostamente envolvidos” 230.

Algumas parcas investigações e um telex enviado pelo Instituto Médico Legal contendo a informação de que as crianças haviam sido abusadas foram suficientes para que toda a mídia execrasse os investigados como os verdadeiros vilões de todo ocorrido, através de uma cobertura sensacionalista baseada em provas precárias.

A imprensa, cada vez mais sedenta pela divulgação, não se preocupou com a

ética profissional e publicava manchetes que noticiavam: “Perua carregava crianças

para orgia”; “Kombi era motel na escolinha do sexo”; “Uma escola de horrores”, “Crianças sofrem abuso na escola”.231

229

MOTA, Francisco Teixeira da. A Liberdade de Expressão em Tribunal. Lisboa: Ensaios da Fundação, Relógio d‘água editores, 2013, p. 18.

230

BAYER, Diego; AQUINO, Bel. Da série “Julgamentos Históricos”: Escola Base, a condenação que

não veio pelo judiciário. Disponível em: <http://justificando.com/2014/12/10/da-serie-julgamentos-

historicos-escola-base-a-condenacao-que-nao-veio-pelo-judiciario/> Acesso em: 05 de abril de 2016.

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BAYER, Diego; AQUINO, Bel. Da série “Julgamentos Históricos”: Escola Base, a condenação que

não veio pelo judiciário. Disponível em: <http://justificando.com/2014/12/10/da-serie-julgamentos-

Com o transcorrer das investigações e com o surgimento das primeiras provas de que os seis funcionários da escola eram inocentes, iniciou-se uma nova perseguição, desta feita ao “gringo”, o americano Richard Harrod Pedicini, que fora visto na porta da sua residência com uma Kombi escolar apontada como o veículo que levava as crianças para serem aliciadas. Após a realização de buscas na casa de Pedicini, nenhuma prova contundente foi encontrada. Ainda assim, o estrangeiro foi preso.

Concluídas as investigações, nenhuma prova contra os acusados foi encontrada e todos os investigados foram considerados inocentes. No inquérito policial, ficaram evidenciadas muitas contradições e mentiras das mães dos menores. Mas a vida dos acusados já estava irremediavelmente destruída.

Encerrado o caso e comprovada a inocência de todos os investigados, as reais vítimas da Escola Base nunca mais retomaram suas vidas e jamais recuperaram sua honra. Os veículos de comunicação não se retrataram devidamente. A falta de zelo na busca da verdade destruiu a vida de inocentes.

Esse exemplo ilustra a necessidade de a liberdade de expressão e informação ser compatibilizada com outros bens constitucionalmente protegidos, tais como a moralidade, a honra, a intimidade, a vida privada, a imagem, entre outros. Em nome de uma proteção diferenciada da liberdade de expressão, não é autorizado que sejam excluídos outros tantos direitos fundamentais da pessoa humana. E é nessa seara que se encontra um grande desafio das sociedades democráticas no que diz respeito à colisão de direitos fundamentais versus o direito à liberdade de expressão e informação e a

busca de uma solução para tanto232.

Retomando a questão da publicação das biografias, é evidente, como já mencionado, que se trata de uma manifestação do direito à liberdade de expressão e liberdade de informação, devendo o biógrafo, contudo, como um profissional da literatura, estar comprometido com a verdade e persegui-la na construção de sua narrativa.

Na busca de conteúdos para construção de uma biografia, é inevitável que o biógrafo seja contagiado pelas emoções da história, pelas vivencias do biografado, não podendo, porém, perder de vista a necessária cautela, que é o fiel da balança, para que não ocorram violações a direitos da personalidade. Afinal, como visto, o Caso da Escola

232

FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem

versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris

Base é paradigmático no sentido de demonstrar como a promiscuidade e falta de zelo

podem dizimar a dignidade de alguém233

.

Os direitos que limitam a liberdade de expressão serão objeto de análise no próximo capítulo.