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Distinção conceitual entre os Direitos Fundamentais e os Direitos de

Demonstrada a evolução dos direitos fundamentais e sua conceituação, importante se faz que seja estabelecida a distinção desses conceitos em relação aos

direitos de personalidade77.

Com o advento da Declaração dos Direitos do Homem de 1948, a dignidade da

pessoa humana78 passou a ser reconhecida como valor inerente a todos os seres

76

STF nega Habeas Corpus a editor de livros condenado por racismo contra judeus. Notícias STF.

Brasília, 17 set. 2003. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=61291> Acesso em: 20 de agosto de 2016.

77 Este trabalho não repousa seu objeto de estudo sobre a análise aprofundada sobre os direitos da

personalidade. Sobre esse tema, ver: SOUSA, Rabindranath Valetino Aleixo Capelo de., O Direito Geral

de Personalidade, 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011; CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo II, Pessoas. Lisboa: Almedina, , 2007; e BITTAR, Carlos

Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. Por Eduardo C. b. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015.

78

Importante alusão de Maria Celina Bodin de Moraes: “Foi imperioso que se reconhecesse o ser humano como sujeito de direitos e, assim, detentor de uma “dignidade” própria, cuja base (lógica) é o

humanos, de relevância central na ordem jurídica internacional, projetando como princípio universal para a inspiração do direito interno dos povos civilizados,

influenciando principalmente as Constituições da segunda metade do século XX79.

A dignidade da pessoa humana passa, então, a ser o valor fundamental e o centro de todo sistema jurídico; as normas passam a ser elaboradas objetivando a realização existencial, com múnus de garantir um mínimo de direitos fundamentais que

sejam vocacionados para proporcionar ao homem uma vida com dignidade80..

Temos, portanto, que os direitos atribuídos à pessoa humana tanto no escopo social quanto referenciada sob seu próprio prisma, “na defesa de valores inatos do homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, o segredo, o respeito, a honra, a

intelectualidade e outros tantos” 81

devem ser obrigatoriamente protegidos por todos e pelo Estado.

Nesse contexto, duas espécies de direito, em especial, convergem para a proteção da dignidade da pessoa humana: os direitos fundamentais e os direitos da personalidade.

Em linhas gerais, segundo Orlando Gomes, os direitos da personalidade82

compreendem os direitos essenciais para proteção da dignidade da pessoa,

imprescindíveis contra práticas e abusos por parte do Estado e de particulares83.

universal direitos da pessoa humana a ter direitos”. “O respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do imperativo categórico kantiano, de ordem moral, tornou-se um comando jurídico no Brasil com o advento da Constituição Federal de 1988, do mesmo modo que já havia ocorrido em outras partes” (MORAIS, Maria Celina Bodin. O Conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo

normativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 116). 79

BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. In: Direito Civil Constitucional. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 53;

80

FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, parte geral e LINDB. v. I, 10. ed., Salvador: Editora Jus Podivm, 2012, p. 160.

81

FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, parte geral e LINDB. v. I, 10. ed., Salvador: Editora Jus Podivm, 2012, p. 160.

82

Importante ressaltar que existem divergências na doutrina quanto à terminologia da matéria, apontada por Carlos Alberto Bittar: “consoante Tobeñas, que se inclinava pelo nome “direitos essenciais da pessoa” ou “ direitos subjetivos essenciais”, têm sido propostos os seguintes nomes: “direitos da personalidade (por Gierke, Farrara e autores mais modernos); “direitos à personalidade” ou “essências” ou “fundamentais da pessoa” (Rava, Gangi, De Cupis); “direitos sobre a própria pessoa” (Windgcheid, Compogrande); “direitos individuais” (Kohler, Gareis); “ direito pessoais” (Wachter, Bruns); direitos personalíssimos” (Pugliati, Rotondi). A preferência do título “direitos da personalidade” é adotada por Adriano De Cupis, Orlando Gomes, Limongi França, Antonio Chaves, Orozimbo Nonato e Anacleto de Oliveira Faria” (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8 ed. ver. aum. e mod. por Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 2);

83

ORLANDO, Gomes. Introdução ao Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 149;

Nesse sentido, Carlos Alberto Bittar afirma que: “os direitos da personalidade são os direitos incidentes sobre modos de ser físico, intelectuais e morais da pessoa, compreendendo-se as prerrogativas ínsitas em sua personalidade em suas projeções sociais” 8485

.

Complementando o conceito e as características do direito da personalidade, Rabindranath Capelo de Sousa, por todos, assim leciona:

Podemos definir os direitos da personalidade como direitos subjetivos, privados, absolutos, gerais, extrapatrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objeto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direitos a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar atos que ilicitamente ofendam ou ameaçam ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na situação as providenciais cíveis adequadas a evitar a consumação ou atenuar os efeitos da ofensa cometida.86.

É fácil perceber que esse último autor enquadra os direitos da personalidade como sendo, entre outras características, subjetivos e absolutos. Sobre esse ponto e de forma diversa, porém extremamente sofisticada, o professor Alexandre Sousa Pinheiro, na esteira de Savigny, esclarece:

Assim centrado o pensamento de Savigny, não existe espaço para um “direito da personalidade” no âmbito do direito subjectivo ou dos “direitos pessoais”. A vontade juridicamente protegida do sujeito em relação ao objecto coloca dúvidas e reservas éticas quando o bem jurídico em causa é a personalidade humana. Não é coerente aceitar um “direito da pessoa sobre si” fundindo direito e objecto.

No limite, um direito absoluto da pessoa sobre a personalidade legitimaria o suicídio (Rechts zum Selbstmord): como a extinção de um bem através de um

84

BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. In: Direito Civil Constitucional. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 48.

85

Usualmente, os direitos da personalidade são: a) direitos físicos: à vida, à integridade física, ao corpo, a partes do corpo, ao cadáver, à imagem e a voz; b) direitos psíquicos: a liberdade, à intimidade, à integridade psíquica e ao segredo; c) direitos morais: à identidade, à honra, ao respeito e às criações intelectuais (direitos morais). (BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. In:

Direito Civil Constitucional, 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 47-48)

86

SOUSA, Rabindranath Capelo de. A Constituição e os Direitos da Personalidade. In: MIRANDA, Jorge (Coord.). Estudos sobre a Constituição. Lisboa: Livraria Petrony, 1978, p. 94-99. Em outro momento, o mesmo autor assevera que é a própria natureza humana o fator definidor dos direitos da personalidade: “neste temos, o problema da a determinação do bem ou do âmbito da personalidade humana juridicamente relevante, para efeitos da sua tutela geral civil, embora, inseridos no sistema axiológico-normativo religado a estruturas concretas de poderes, faculdades ou deveres humanos juridicizados, está diretamente, embora não redutivamente conexionado com a Natureza humana, que toma com seu objceto e destino e com a respectiva epistemologia, de que parte” (SOUSA, Rabindranath Valetino Aleixo Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 94-99)

acto individual de vontade. Isso tomando como direito-padrão no Direito Civil a “objectualização da liberdade” que podia conduzir a uma “destruição da própria liberdade” (Zerstörung ihrer Freheit). 87

Os direitos da personalidade, portanto, constituem bens que servem à singularidade daquele que se identifica tão somente como “pessoa”. Desse modo, refletem valores pessoais que os caracterizam e definem, opondo-se, ou ao menos tendo a faculdade de opor, a quaisquer interesses coletivamente organizados, tais como poder

econômico, estatal e, inclusive, da comunicação social88.

Seguindo com os ensinamentos do professor Alexandre Sousa Pinheiro, a ampliação de bens da personalidade protegidos em decorrência da evolução observada no século XIX, notadamente tecnológica, desencadeou uma forçosa reação da Ciência do Direito no vetor da criação de mecanismos aptos a garantir esses “bens jurídicos até

aí ignorados pela doutrina”. 89

Verifica-se, portanto, que os direitos fundamentais e os direitos da personalidade em muito se assemelham por possuírem como principal fundamento a promoção da dignidade da pessoa humana. Não obstante, nem todos os direitos

fundamentais são direitos da personalidade90.

Apesar da complexidade91 na distinção entre direitos fundamentais e os direitos

da personalidade, tem-se como principal diferença o âmbito de cada direito, sendo que os direitos fundamentais se voltam para uma ótica publiscista enquanto os direitos da personalidade se enquadram na seara privada.

Divisam-se os direitos da personalidade como atributos inerentes à própria pessoa, para a proteção de suas atividades internas e suas exteriorizações para a

sociedade, impondo-se a esta uma conduta negativa para assegurar sua preservação92.

São os direitos ligados à honra, ao nome, à própria imagem, à liberdade de manifestação

87

PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática

do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 434. 88

PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática

do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 768. 89

PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática

do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 434.

90

BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade. 2. ed., São Paulo: Altas, 2014, p. 51;

91

Em seu livro, Carlos Alberto Bittar afirma: “Autores há que intentam estabelecer distinção entre esses conceitos, mas sempre apontando a extrema dificuldade de sistematização, que a complexidade do tema e sua estruturação ainda recente oferece”. (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. por Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 36)

92

FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Parte geral e LINDB, vol. I, 10. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2012, p. 181;

de pensamento, à liberdade de consciência e religião, à reserva sobre a própria

intimidade, ao segredo, entre outros 93.

Noutro giro, os direitos fundamentais são reconhecidos e positivados na esfera do Direito Constitucional, no âmbito do direito interno de cada Estado, possuindo como principal objetivo assegurar a proteção do ser humano. São os direitos ligados à vida; à

integridade física, às partes do corpo, à liberdade; o direito de ação, os direitos sociais94.

Tratam-se do mesmo fenômeno, mas analisados em planos diferentes. O primeiro sob a perspectiva da relação das pessoas entre si e o segundo da relação da pessoa com o Estado, valendo lembrar que, aos direitos fundamentais, devem ser acrescidos o conteúdo dos direitos econômicos, sociais e culturais ao lado dos direitos civis e políticos95.

Importante ressaltar que a dicotomia entre o público e o privado cada dia torna- se mais tênue, vez que o direito privado atualmente é interpretado à luz da constituição, sendo que ambos passaram a ter fundamento de validade em princípios e regras da carta

magna, sendo a aproximação de ambos necessária para uma unidade constitucional96.

Assim como os direitos fundamentais, os direitos da personalidade são de absoluta relevância para qualquer ser humano e devem, ambos, serem resguardados em todos os

ordenamentos jurídicos9798, condição inarredável para se falar em plena proteção da

dignidade da pessoa humana.

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. por Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 2

94

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. Por Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 36.

95

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. Por Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 22);

96

Importante ressaltar nesse sentido: “que a maior parte dos direitos da personalidade mencionados pelo Código Civil Brasileiro (imagem, honra, privacidade) encontram previsão expressa no art. 5ª do texto constitucional, Mesmo os que não contam com previsão explicita nesse dispositivo são sempre referidos como consectários da dignidade humana, protegidos no art. 1º, II da Constituição” (SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 14)

97

Sobre a aproximação do público e do privado, é importante a passagem de Carlos Alberto Bittar: “Atualmente não se pode sustentar uma visão nas construções dogmáticas tradicionais, exatamente por estarem sob intensa transformação, fazendo com que o próprio cerne da relação e entre direitos humanos, direitos fundamentais e os direitos da personalidade se manifestem de outra forma. Há uma tendência a que gradualmente, com maior intensidade, os direitos humanos se traduzam em exigências de direitos fundamentais, e que os direitos fundamentais se traduzam em direitos da personalidade, integralizando-se no ordenamento jurídico, de modo mais amplo, graus cada vez mais elevados de exigências em torno da proteção de valores precípuos da pessoa humana. (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da

personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. por Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 39);

98 Outro ponto que merece destaque é a proposta de José Oliveira de Ascensão de conferir os direitos da

personalidade como ramo específico do Direito. De acordo com o professor, “este deverá ser um ramo centrado na pessoa humana e na sua inerente dignidade substantiva. Representará assim na esfera civil a cristalização do princípio da dignidade da pessoa humana para que aponta a Constituição” (ASCENSÃO,

José Oliveira. Pessoa, Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade. Revista da Faculdade de

2 DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

“O poder, que dorme em enganosa segurança, só compreenderá seus erros contra a inteligência à luz de um incêndio iniciado por algum pequeno livro”.

(Balzac99)