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Análise histórica da liberdade de expressão no Brasil

2.1 Considerações preliminares

2.2.1 Análise histórica da liberdade de expressão no Brasil

Neste ponto, faz-se necessária a análise histórica da liberdade de expressão no Brasil, cuja escolha do país foi estimulada pela decisão da ADI 4815, julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Essa ação desencadeou um amplo questionamento no seio da sociedade brasileira sobre quais seriam os limites do direito da liberdade de expressão na publicação de uma Biografia. Para uma análise adequada do problema, indispensável é a compreensão da evolução do direito em questão no Brasil, sem perder de vista o apanhado histórico global com a verificação de quantas lutas foram necessárias para preservação de tal direito.

A liberdade de expressão esteve presente em todas as Constituições brasileiras, ora sendo limitada pelo texto constitucional, ora recebendo mais autonomia, até a atual, promulgada em 1988, na qual foi elevada à categoria de garantia primordial do cidadão.

134 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Resolução 59 do Conselho Econômico das

Nações Unidas. Portal Unesco, 10 de dez. de 1948. 172p. Disponível em:

http://portal.unesco.org/ci/en/files/26159/126398551119freedom_information_pt.pdf/freedom_informatio n_pt.pdf. Acesso em: 13 ago. 2016.

135 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração universal dos direitos humanos.

Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Brasília: Unesdoc, 10 de dezembro de 1948. 6p. Disponível em:

Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, foi gradativamente inserido o direito à liberdade de expressão. A Gazeta do Rio de Janeiro, em 10 de setembro daquele ano, foi o primeiro jornal publicado no Brasil e, embora seu conteúdo fosse exclusivamente composto de assuntos de interesse do

Império, inaugurou a difusão de informações no país.

O primeiro texto constitucional brasileiro, outorgado em 1824, trazia, no inciso

IV136 do artigo 179, a garantia da liberdade de expressão. Com a Proclamação da

República em 1889, adveio outra Constituição, promulgada em 1891. Nesta, o § 12º137

do art. 72 inovou ao vedar o anonimato. Textos semelhantes são encontrados nas duas Constituições seguintes, de 1934 e 1937.

Getúlio Vargas, porém, ao assumir o poder em 1937, implementa, por meio de um golpe, o Estado Novo. O princípio constitucional da liberdade de expressão é suprimido pela censura imposta pelo governo. A ditadura de Vargas controla os meios de comunicação e, consequentemente, direitos fundamentais dos cidadãos.

A primeira “Era Vargas” tem fim em 1945 e, no ano seguinte, a Constituição

reafirma o contido no texto constitucional de 1937138, voltando a assegurar a liberdade

de manifestação do pensamento e abolindo a censura, exceto em espetáculos e diversões públicas. Além disso, veda o anonimato e impõe responsabilidade por eventuais abusos.

Vargas, contudo, volta democraticamente ao poder em 1951 e se ocupa em editar a lei de imprensa (Lei 2.083/53) que, em seu cerne, limitava sobremaneira a liberdade de imprensa. A ditadura populista de Vargas usava os meios de comunicação como braço estatal divulgando informações que lhe eram positivas e minando críticas ao governo139.

136

BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (25 de março de 1824). Art. 179. IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste direito, nos casos, e pela fórma, que a lei determinar. Brasília: Senado Federal, 1824.

137

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (24 de fevereiro de 1891. Art. 72, §12. Em qualquer assumpto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependencia de censura, respondendo cada um pelos abusos que commetter, nos casos e pela fórma que a lei determinar. Não é permittido o anonymato. Brasília: Senado Federal, 1891.

138

BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (10 de novembro de 1937). Art. 122, §15: todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei; (...) “d”: é proibido o anonimato. Brasília: Senado Federal, 1937.

139 Um exemplo da atuação da cesura na era Vargas é verificado na modificação imposta em uma letra de

música de autoria de Wilson Batista. A letra original dizia: “O bonde de São Januário/leva mais um sócio otário/só eu não vou trabalhar”. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão governamental responsável pelo controle das publicações, impôs a seguinte modificação: “Quem trabalha é quem tem

razão Eu digo e não tenho medo de errar

Com o golpe militar de 1964, o Brasil entrou, novamente, num regime ditatorial rígido, extremamente controlador. A Constituição de 1967, outorgada no governo dos militares, condicionou as publicações a um crivo moral e de bons costumes, levado a efeito pelo próprio governo. Ou seja, embora a liberdade de pensamento não fora totalmente suprimida, era submetida a um controle estatal rígido, que lhe impunha limites extremos. O art. 150, § 8º140, bem como o art. 151141 desse texto constitucional, é exemplo da dita restrição à liberdade de manifestação de pensamento imposta pelo governo militar, asseverando que qualquer pessoa que abusasse do seu direito, com o fito de fazer oposição ao governo, era alvo de reprimendas jurídicas.

Findo o regime militar em 1985, a recém conquistada democracia brasileira clamava por um novo texto constitucional em sintonia com as expectativas populares. Em 1988, foi promulgada a atual Constituição da República, com ela, a exacerbação do clamor por liberdade que se encontrava lacrado no seio da sociedade. Direitos e garantias individuais são novamente protagonistas no ordenamento jurídico e o Estado assume o dever de zelar pela eficaz preservação de direitos fundamentais.

Sob esse prisma, a liberdade de expressão é novamente assegurada de uma maneira ampla, encontrando eventuais limites, como, por exemplo, nos direitos da personalidade.

Fica claro, por essa breve análise, que a sociedade brasileira conviveu, ao longo da história, com regimes contrários à democracia e, consequentemente, às liberdades individuais. Golpes de Estado e ditaduras, militares ou não, preenchem nosso passado. Floriano Peixoto, que, através de um golpe, assumiu a presidência da República em 1889; Getúlio Vargas que, conforme já dito, por duas vezes, guiou o país sob punho ditatorial; e, por último, os militares, que impuseram uma ditadura pela qual

Mas hoje eu penso melhor no futuro Graças a Deus sou feliz vivo muito bem A boemia não dá camisa a ninguém Passe bem!”.

140 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (24 de janeiro de 1967). Art. 150, §8º: É

livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe. Brasília: Senado Federal, 1967.

141 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (24 de janeiro de 1967). Art. 151: Aquele

que abusar dos direitos individuais previstos nos §§ 8º, 23. 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla, defesa. Brasília: Senado Federal, 1967.

passaram cinco presidentes e aprisionou o país por 21 anos são exemplos de episódios antidemocráticos. Obviamente, a repressão foi responsável por incutir na população um anseio pela liberdade de se expressar e manifestar seu pensamento, o que, como visto,

foi consignado no texto constitucional de 1988142.