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Apanhado jurisprudencial sobre as biografias

Antes de adentrar propriamente no estudo do processo no âmbito do STF, é importante analisar como o tema das biografias era tratado no Brasil, ressaltando também algumas

decisões no âmbito internacional473.

O caso mais emblemático do direito brasileiro, já mencionado neste trabalho, foi do cantor Roberto Carlos. Foi proposta uma ação na 20ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, processo nº 2007.001.006607-2, que possuía como autor Roberto Carlos Braga e como réu Paulo Cesar Araújo e editora Planeta do Brasil Ltda. Roberto Carlos conseguiu proibir a circulação da biografia “Roberto Carlos em Detalhes”, escrita por Paulo Cesar Araújo e publicada pela editora Planeta do Brasil, em razão da ausência de prévia autorização do biografado para publicação. A editora, que chegou a lançar o livro, teve de recolher toda a tiragem das livrarias.

A biografia Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha, de Rui Castro, sobre o jogador de futebol mundialmente conhecido como “Mané Garrincha”, também teve sua publicação proibida em virtude da ausência de autorização prévia. Rui Castro e a editora tiveram que realizar o pagamento de indenizações para que conseguissem a publicação e veiculação da obra, tendo o processo chegado até o STJ

REsp nº 521.697.16.02.2006 474475.

473 Este apanhado tem por objetivo verificar algumas decisões proferidas principalmente pelo poder

judiciário brasileiro relativas a publicação de biografia;

474 O Ministro do STF Luís Roberto Barroso, em seu voto na ADI 4815, ressalta a Decisão do

Desembargador Sérgio Cavaliere Ferreira em 15 jun. de 2002 que afirmou no EI 2002.005.0058: “Terceiros não podem se apropriar desses direitos e publicar obra biográfica sem a autorização dos herdeiros, por mais erudita que seja a obra e nobres os seus propósitos. O exercício da livre manifestação

Na mesma esteira, tem-se o caso da biografia de João Guimarães Rosa, intitulada Sinfonia de Minas Gerais – A vida e a literatura de João Guimarães Rosa. No processo nº0180270-36.2008.8.19.0001 no TJRJ, a filha do escritor, não estando de acordo com a obra publicada, requereu que fosse impedida sua circulação, tendo sido concedida medida liminar suspendendo a circulação da obra. Segundo a filha de Guimarães Rosa, o livro geraria inúmeros danos à imagem e à vida privada do autor, além da violação de direitos autorais. Após cinco anos, a liminar foi revertida e a ação foi julgada improcedente em todas as instâncias, sob o argumento de que a obra

bibliográfica sequer adentrava em assuntos privados do escritor476.

A biografia sobre o lutador Anderson Silva, intitulada Anderson Spider Silva – o relato de um campeão nos ringues da vida, foi impedida de circular por causa de um coadjuvante. Um professor do lutador ajuizou uma ação pedindo o recolhimento de todas as obras e a suspensão de novas publicações em virtude de a biografia conter afirmações que o referido professor seria uma pessoa de índole ruim. Foi deferida a

tutela antecipada com a determinação do recolhimento de todos os exemplares477

. No mesmo sentido, em relação à biografia da cantora Cássia Eller, Apenas uma Garotinha – A História de Cássia Eller, a coadjuvante, a cantora Elaine Silva Moreira, conhecida como Lan Lan, ajuizou uma ação de indenização por danos morais em razão de uma violação, em tese, da privacidade, da intimidade e da honra. No caso, foi realizada uma ponderação de interesses entre os direitos à liberdade de expressão, manifestação do pensamento e os direitos de personalidade. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao aplicar a técnica de ponderação, ressaltou que, pelo fato de a autora da ação também ser uma figura pública, a tutela à sua imagem e à privacidade devem ser relativizadas. Ademais, todos os fatos ofensivos narrados na obra já eram de pleno

do pensamento, da expressão intelectual e da profissão não autorizam a apropriação dos direitos de outrem para fins comerciais e de lucro, por se encontrar isso fora do direito de informar. O dano patrimonial decorre do locupletamento da popularidade do biografado comercialmente explorada, sem a autorização de quem de direito, ou sem lhe dar a devida participação nos lucros”. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago. de 2016;

475

Informação disponível em: http://www.literar.com.br/biografias-nao-autorizadas/. Acesso em:2 ago. de 2016;

476 Voto Luís Roberto Barros na ADI 4815, pág. 16. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago. de 2016;. Tribunal de Justiça do Paraná. Agravo de Instrumento nº 933.386-4, Sétima Câmara Cível, Rel. Desembargador Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira, publicado em 12 mar. de 2013;

477 Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016;

conhecimento de todos e foram amplamente divulgados pelos meios de comunicação. Por fim, ressaltou que, pelo fato de ambos os personagens da biografia serem pessoas públicas, é natural que trechos de suas vidas sejam revelados. O único pedido que foi julgado procedente na ação foi a tutela retificadora na veiculação de uma foto cuja legenda indica tratar-se da autora, sendo certo que realmente é uma terceira pessoa, sem

a implicação de danos morais e materiais478.

Outro caso de destaque foi a proibição, em 1993, da veiculação da telenovela intitulada O Marajá, sobre a vida do ex-presidente Fernando Collor, desde o início do exercício da Presidência da República até seu impeachment. Mesmo se tratando de um político de relevo na história nacional, a novela nunca chegou a estrear por conta de uma decisão judicial que impediu a transmissão. De acordo com a sentença, o conteúdo

da telenovela trazia ofensas à honra do ex-presidente479.

O que se verifica na jurisprudência brasileira ao ponderar a questão do direito de personalidade e o direito da liberdade de expressão é uma tendência de predileção ao direito de personalidade. Conforme se vê nas decisões supracitadas, os tribunais brasileiros, via de regra, limitam a liberdade de expressão, por meio da proibição de publicações biográficas e, até mesmo, determinando o recolhimento daquelas já publicadas.

Percebe-se, em apertada síntese, que a liberdade de expressão é, por diversas vezes, mitigada em prol da exclusiva proteção, por parte do judiciário brasileiro, aos direitos da personalidade. Em outros termos, não se dá a devida importância ao direito de liberdade de expressão, que é de suma relevância em uma sociedade democraticamente organizada.