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Por unanimidade, o STF julgou procedente o pedido formulado na ADI 4851 para dar interpretação conforme a Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, em concordância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, para declarar desnecessária a autorização da pessoa biografada e das pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) relativamente a

publicação de obras literárias ou audiovisuais554. Foi proferido o seguinte acordão:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 20 E 21 DA LEI N. 10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL). PRELIMINAR DE

ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA. REQUISITOS LEGAIS

OBSERVADOS. MÉRITO: APARENTE CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE

INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E CULTURAL, INDEPENDENTE DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV, IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X). ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA (ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE RESPOSTA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AOS ARTS. 20 E 21 DO CÓDIGO CIVIL, SEM REDUÇÃO DE TEXTO. 1. A Associação Nacional dos Editores de Livros - Anel congrega a classe dos editores, considerados, para fins estatutários, a pessoa natural ou jurídica à qual se atribui o direito de reprodução de obra literária, artística ou científica, podendo publicá-la e divulgá-la. A correlação entre o conteúdo da norma impugnada e os objetivos da Autora preenche o requisito de pertinência temática e a presença de seus associados em nove Estados da Federação comprova sua representação nacional, nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada. 2. O objeto da presente ação restringe-se à interpretação dos arts. 20 e 21 do Código Civil relativas à divulgação de escritos, à transmissão da palavra, à produção, publicação, exposição ou utilização da imagem de

554 Decisão disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago. de 2016;

pessoa biografada. 3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceada pelo Estado ou por particular. 4. O direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público- sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações. 5. Biografia é história. A vida não se desenvolve apenas a partir da soleira da porta de casa. 6. Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o direito, não se coartando liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta devem ser exercidos nos termos da lei. 7. A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular por outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. 8. Para a coexistência das normas constitucionais dos incs. IV, IX e X do art. 5º, há de se acolher o balanceamento de direitos, conjugando-se o direito às liberdades com a inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa biografada e daqueles que pretendem elaborar as biografias. 9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes).555

Importante ressaltar que foi suscitada, no decorrer da ADI 4815, pela Associação Eduardo Banks, admitida no processo como amicus curiae, a ilegitimidade da Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL), integrante do polo ativo da lide. A alegação da Associação Eduardo Banks se refere ao fato de que a ANEL representa categoria econômica e, por isso, não estaria autorizada a figurar no polo ativo na demanda. O STF, por seu turno, não acolheu o pedido, afirmando que a correlação entre o conteúdo da norma impugnada atrelado ao que pretende a autora é o suficiente

para preencher o requisito de pertinência temática556.

Depreende-se da análise da decisão do STF que, apesar do julgamento da ADI 4815 ter sido um marco muito importante para a salvaguarda da liberdade de expressão,

555

ADI 4815, Ementa, pag. 1. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Publicado em 01/02/2016. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016;

556 Decisão disponível em:

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de informação e de ensino no Brasil, tal julgamento deixou a desejar ao não adentrar em questões mais polêmicas, esquivando-se em estabelecer alguns parâmetros decisórios e

restringindo a análise da necessidade da autorização para a publicação de biografia557

. Assim, será feita abaixo uma análise dos pontos mais importantes dos votos proferidos pelos ministros com as devidas considerações e, ao final, sobre a omissão em algumas questões.

No seu voto, a relatora Ministra Carmem Lúcia afirmou a importância do direito da liberdade de expressão, sendo tal direito essencial para a vivência humana.

Ressaltou que a Constituição da República declara como fundamental o direito da liberdade de informação, pensamento, intelectual, cultural, artística e científica e de expressão. Entretanto, faz a ressalva que a referida Constituição também assegura a inviolabilidade da privacidade, da intimidade, da imagem e da honra. Tendo a ação como parâmetros constitucionais os incisos IV, V, IX, X e XIV do art. 5º e os parágrafos 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República e nas normas legais os

artigos 20 e 21 do Código Civil558.

A análise da matéria perpassa, assim, pela extensão do conteúdo do exercício constitucional à expressão livre do pensamento, da atividade intelectual artística e comunicação dos biografados de um lado e, de outro lado, o direito à inviolabilidade da

privacidade e da intimidade dos biografados e de seus familiares559.

É inegável que a partir do momento em que as sociedades evoluem e se transformam, o direito à liberdade de expressão modifica-se a fim de que se possa tutelar todos os anseios da sociedade. A modernidade mostra desafios novos quanto ao exercício de tal direito. A pluralidade das formas de transmissão da expressão amplia os conceitos tradicionais até então pensados nos ordenamentos jurídicos e necessitam da imposição de novas formas de pensar o Direito, de se expressar sem que ocorra o

esvaziamento de outros direitos como o da privacidade e intimidade560.

557LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a

personalidade e constituição de 1988. São Paulo: Almedina, 2015, p. 103;

558 Decisão disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago. de 2016;

559Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815. Decisão disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago. de 2016;

560Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag. 38. Decisão disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago. de 2016;

Certifica a Ministra Carmem Lúcia que os “Direitos fundamentais são de titularidade de toda pessoa, como são de responsabilidade de todos, de cumprimento

obrigatório em relação ao outro independente de sua condição e natureza” 561

.

No caso de violações a tais direitos, “o que pode acontecer pelas características humanas”, o autor das ofensas responderá pela transgressão do modo como a

Constituição traça, através da indenização ou de outra forma prevista em lei562.

A Ministra ressalta que nenhuma medida pode abolir o direito da liberdade de ninguém, afirmando que: “No caso do escrito, proibindo-se, recolhendo-se a obra, impedindo a circulação, calando-se não apenas a palavra do outro, mas amordaçando-se a história. Pois a história humana faz-se de histórias dos humanos, ou seja, de todos nós” 563

.

O exercício do direito da liberdade de expressão não pode ser cerceado. A censura consiste na forma de controlar informações, da liberdade de se expressar, prejudica a produção de ideias e impede a circulação do pensamento. O sistema constitucional brasileiro traz em seu bojo a proibição de qualquer censura, essa vedação

é aplicada tanto ao Estado como aos particulares564.

Ressalte-se que a Ministra Carmem Lucia afirma que não há direito absoluto e, assim sendo, é possível que ocorram restrições, de forma excepcional, ao exercício do direito da liberdade da expressão desde que estabelecidas em leis e se harmonizem com outros princípios também fundamentais em uma sociedade democrática. Destaca-se que: “qualquer limitação ao exercício dos direitos fundamentais deve conduzir-se pela conclusão de serem os danos produzidos maiores que os causados ao interesse público

se a informação retida” 565

.

Nesse escopo, não poderia ser admitida uma interpretação dos dispositivos civis, com o objetivo de impedir a circulação de biografias, visto que as mesmas

561Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag. 42. Decisão disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 .Acesso em: 1 ago. de 2016;

562 Decisão disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago. de 2016;;

563Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag.8. Decisão disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago. de 2016;

564Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag.53. Decisão disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago. de 2016;

565Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag.66. Decisão disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago. de 2016;

possuem uma função social de extrema importância no conhecimento da história. Submeter a publicação de obras biográficas ao consentimento dos biografados é uma

espécie de censura privada, o que não é constitucionalmente admissível566.

Salienta a Ministra que o excesso na divulgação da informação é passível de indenização desde que devidamente demonstrado o dano e nos limites do que é estabelecido na Constituição.

Com base no exposto, em conformidade com os direitos fundamentais da liberdade de expressão, de pensamento, de criação artística e produção científica, afirma a Ministra ser inexigível o consentimento dos biografados e de seus familiares no caso de pessoa falecida ou coadjuvante para publicação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais.

No seu voto, o Ministro Luís Roberto Barroso primeiramente ressaltou a complexidade das sociedades contemporâneas. Afirmou que são plurais e abertas e, por tal situação, deparam constantemente com colisões de valores contrapostos. Sobre esse prisma, a ADI 4815 é mais um exemplo de tensão entre o direito da liberdade de

expressão e os direitos da personalidade567.

O Ministro ressalta que, diante da existência de conflitos entre normas constitucionais que abrigam valores diversos, é necessário que seja aplicada a técnica da ponderação, tendo como um dos princípios norteadores a unidade que traz, em seu bojo, a afirmação de que inexiste qualquer hierarquia entre as normas previstas na Constituição568.

Dessa feita, o Ministro afirma que a técnica da ponderação deve ser aplicada em três etapas, da seguinte forma:

Na primeira delas, verifica-se quais são as normas que postulam incidência sobre aquela hipótese. No nosso caso concreto, são as normas que protegem a liberdade de expressão e o direito de informação, e as normas que protegem a

566 Ressalta a Ministra Carmem Lúcia: “norma infraconstitucional não pode cercear ou restringir direitos

fundamentais constitucionais, ainda que sob pretexto de estabelecer formas de proteção, impondo condições ao exercício da liberdade de forma diversa daquela constitucionalmente permitida, o que impõe se busque a interpretação que compatibilize a regra civil com a sua norma fundante, sob pena de não poder persistir no sistema jurídico”. Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag.9. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago de 2016;

567 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016

568 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016

privacidade, a imagem e a honra. A segunda etapa da ponderação exige que se verifiquem quais são os fatores relevantes. E, na terceira e última etapa, testam-se as soluções possíveis. E o ideal é que se produza a concordância prática das normas em conflito, eventualmente com concessões recíprocas. No limite, porém, muitas vezes, na hipótese de colisão de direitos fundamentais, é inevitável que se façam determinadas escolhas. Essa ponderação pode ser feita pelo legislador, em tese, ou pode ser feita pelo aplicador da lei, pelo juiz ou tribunal, em cada caso concreto 569570.

Assim, nos casos em que existam tensões de normas constitucionais, deve-se buscar a “concordância prática” entre os preceitos em conflito a fim de se garantir que

tais normas sejam preservadas da melhor forma possível.571.

No que concerne às biografias, afirma o Ministro que a liberdade de expressão, nesse caso, possui uma dupla dimensão. A primeira atrelada à liberdade da criação intelectual e artística; e a segunda manifesta no direito do indivíduo em receber

informações e o direito da sociedade na proteção da memória e história nacionais572.

No caso concreto, o Código Civil estabeleceu uma subordinação da liberdade de expressão aos direitos da personalidade, o que seria uma violação ao princípio da unidade da Constituição ao estabelecer de forma hierárquica a prevalência de um direito fundamental. Ademais, tal previsão é uma afronta à liberdade de expressão, sendo que

essa goza de uma posição preferencial573.

Ressalta-se que a afirmação de que a liberdade de expressão goza de uma

posição preferencial574

não é a mesma coisa que hierarquizá-la, visto que a preferência consiste em uma transferência de ônus argumentativo, quem deseja afastá-la deverá demonstrar seus argumentos e razões do seu direito superador, pois, a princípio, a

569 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815, pag. 2. Disponível em:

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Há que ressaltar que a técnica da ponderação é a defendida neste trabalho para solução de conflitos de direitos fundamentais.

571 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815, Disponível em:

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572 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016;

573 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:

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O Ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou a que: “A Carta de 88 incorporou um sistema de proteção reforçado à liberdade de expressão, informação e imprensa, reconhecendo uma prioridade prima facie destas liberdades públicas na colisão com outros interesses juridicamente tutelados, inclusive com os direitos da personalidade”. Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815, pag. 7. Disponível em http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016;

liberdade de expressão deve prevalecer. Em razão dessa posição, é forte a suspeição de

qualquer limitação à liberdade de expressão, sendo proibida a censura575576

.

A posição preferencial é defendida pelo Ministro pelas seguintes razões: a primeira está relacionada ao passado do país, que foi fortemente marcado por censuras, regimes de exceções e controle da imprensa; a segunda está ligada à fundamental importância da liberdade de expressão na existência e autonomia de outros direitos; a última razão é o fato de a liberdade ser essencial para ter acesso ao conhecimento

histórico, conservação da memória e avanço social577.

Por fim, o Ministro afirma que a censura prévia ou licença prévia são vedadas pela Constituição e, assim sendo, qualquer forma de sanção ao abuso do direito da liberdade de expressão deve ser feita de modo “a posteriori e não impeditivas da veiculação da fala da manifestação”, sendo que os mecanismos a posteriori são:

retratação, retificação, direito de resposta, indenização e a responsabilização penal578.

Nesse escopo, o Ministro Luiz Roberto Barroso acompanhou o voto da Relatora para julgar procedente a ação, declarando:

A inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos dispositivos impugnados para, mediante interpretação conforme a Constituição, afastar do ordenamento jurídico a necessidade de consentimento dos biografados, demais pessoas retratadas ou de seus familiares para publicação e veiculação de obras biográficas 579.

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Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:

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Ressalta o Ministro sobre a liberdade de expressão: “a liberdade de expressão não é uma garantia de verdade, nem é garantia de justiça; ela é uma garantia da democracia, e, portanto, defender a liberdade de expressão pode significar ter que conviver com a injustiça, ter eventualmente que conviver com a inverdade. Isso é especialmente válido para as pessoas públicas, sejamos nós agentes públicos, sejam os artistas. E eu penso que na vida nada é mais revelador da convicção de alguém sobre alguma matéria do que se colocar no lugar da vítima ou ter experimentado pessoalmente o que é, por vezes, o abuso da liberdade da expressão”. Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815, pag. 9. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016;

577 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:

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578 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016

579 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago de 2016;

A Ministra Rosa Weber julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos art. 20 e 21 da Lei Federal nº 10.406/2002 (Código Civil). Nas palavras da Ministra:

A fim de, compatibilizando a sua exegese com os art. 5º, IV, IX, XIV, 205, 206, II, 215, caput e § 3º, II e 220 da Constituição da República, reputar inexigível o consentimento da pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares no caso de pessoas falecidas), para a publicação ou veiculação de obras de cunho biográfico, sejam elas obras literárias, audiovisuais ou fixadas qualquer outro suporte tecnológico580.

Em seu voto, a Ministra salienta a relevância das biografias como um instrumento de incentivo à reflexão ao proporcionar ao indivíduo um maior conhecimento sobre os principais acontecimentos em uma sociedade, visto que, ao narrar a história do

biografado, não se conhece apenas sua história, mas, também, a da própria sociedade581.

Tem-se que a biografia é uma manifestação da liberdade de expressão e, assim sendo, eventuais restrições a essa liberdade devem apenas ocorrer nos limites materiais

estabelecidos pela lei fundamental582.

É importante reforçar que a Constituição Federal brasileira de 1988 assegura, de forma ampla, a liberdade à manifestação do pensamento e à informação sob qualquer maneira,

sendo vedada a prática de censura583. Sob esse prisma, afirmou a Ministra que:

A sujeição da publicação de obra de caráter biográfico à previa autorização ou licença da pessoa biografada e de outras pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares no caso de pessoas falecidas) aniquila a proteção às liberdades de manifestação do pensamento, de expressão da