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A LINGUAGEM DA LUZ

No documento Cinema de Invenção.pdf (páginas 94-97)

Mostra Jairo Ferreira - Cinema de Invenção

do olho. História da imagem através dos tempos cavernosos, função do lá- pis-câmara, movimentos & ângulos – o chamado contra-plongê (câmara baixa, visualizando o alto, o alto que tem que baixar & o baixo que tem que subir na dita collorândia que começa a sacar...).

O livro é realmente o que há como iniciação. Abrange o básico da relação tempo-espaço, exclusiva do cinema, da poesia e da música.

Publicado originalmente no jornal Cine Imaginário no 50, fevereiro de 1990.

Não é preciso ir muito longe. Martin tem um respeito convencional em relação ao grande teórico André Bazin. Ele curte mais a historiografia ci- nematográfica na linha G. Sadoul, o que se torna interessante: faz-se um coquetel, adicionando doses do semiólogo C. Metz e tudo OK.

É com isso que não concordo. Não dá pé essa mistura – por quê? Só a pre- texto de estar na moda? – de alta teoria e baixa didática.

Vez e voz ao arcebispo M. M.: “Quando elaborei este estudo, a filmologia havia conquistado direito de cidadania na Sorbonne, mas a semiologia fíl- mica não existia ainda como disciplina específica. As pesquisas efetuadas a seguir nesse domínio – sobretudo por Christian Metz – são o aprofun- damento e sistematização das análises que propus aqui, na esteira de ou- tros teóricos, dentro de uma perspectiva estética que foi sobretudo a de André Bazin, que considero um de meus mestres espirituais, sendo o outro Georges Sadoul, no que concerne ao método historiográfico”.

Jean Epstein, o visionário de O Cinema do Diabo (livro de 1947, nunca tradu- zido entre nós, embora fundamental) é jogado às margens, e teóricos mais relevantes da semiologia fílmica, como Kristeva, Lotman, Virilio/Lotringer, são não-referenciados.

A versão recente desse livro de Martin, que nunca deixou de ser editada ao menos na França, preenche aqui, porém, lacuna imensa. Se estou até agora, senão desde o início, colocando óbices, é porque há não menos que quase três décadas consulto-o com apreço, recomendei-o e continuo recomendando-o aos estudiosos, à cinefilia e à atual crítica brasileira que esqueceu a sua melhor época – Belô, anos 50; Rio, anos 60; Porto Alegre, Sampa, aí haveria empate, mas até os anos 70.

Intermezzo 2 – “Se o cinema não tivesse nunca sido amoldado pela poesia,

teria permanecido como simples curiosidade mecânica e seria ocasional- mente exibido como uma baleia empalhada” (Orson Welles).

A linguaudiovisual, hoje, é cinema-sinal, satélite: 80 milhões de salas de cinema exibiram De Volta para o Futuro 3, 10, 45... Tevê? Hagadê.

Intermezzo 3 – o pior teórico que o cinema já teve atende pelo nome de

Jean-Luc Godard.

Contra todas as teorias, viva Michelangelo Antonioni!

Mas a favor de uma “didática” do cinema há que se recomendar o livro de Marcel Martin – cerca de 40 fotos ilustram o que eu chamaria de estética

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Mostra Jairo Ferreira - Cinema de Invenção

O livro Cinema de Invenção tem uma linguagem que poderíamos classificar como “poética”. Você procurou fugir da linguagem convencional do texto teórico?

Como sou autodidata, não sou acadêmico, não estudei em faculdade, sou um crítico autodidata... Então, eu sempre torci o nariz a essa linguagem acadêmica. Noventa e cinco por cento dos livros de cinema no Brasil são escritos por acadêmicos, então fica uma coisa... do livro com tese. Então eu quis fugir desse esquema e fazer uma linguagem de colagem, que usa ao mesmo tempo o didático, é um livro didático e ao mesmo tempo usa linguagem do ensaio, a linguagem da reportagem e de crítica de cinema mesmo. Então eu misturei tudo, e o geral é uma linguagem que eu chamo de “cinepoética”.

Qual a sua opinião sobre José Mojica Marins, como cineasta e como personagem?

Mojica é um gênio. O cinema brasileiro tem poucos gênios: Mário Peixoto, Glauber Rocha e José Mojica Marins. O cinema dele é totalmente de in- venção, ele criou o horror nos trópicos, um horror que não é o horror para botar medo, é o horror para fazer rir, é o horror “faz-me rir”, é o horror de- bochado. Ele criou um personagem que, ao lado do Antônio das Mortes do Glauber – o Zé do Caixão –, é o melhor personagem do todo o cinema brasileiro. Existe o Mojica criador do personagem e o Mojica ele mesmo. Ele fez três filmes de horror, dois deles são bem conhecidos – À Meia-noite

Levarei Sua Alma e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. Nesses dois, o

personagem é o Zé do Caixão. No terceiro, que se chama Despertar da

Besta, que originalmente se chamava Ritual dos Sádicos, o Mojica entra

como personagem também. É um programa de televisão sensacionalista onde ele é entrevistado sobre o personagem que ele criou, nesse filme ele juntou as duas coisas – o criador e a criatura. Eu acho, disparadamente, o criador do melhor personagem brasileiro que é o Zé do Caixão, inclusive reconhecido internacionalmente e tudo.

O cinema experimental brasileiro representou de certa forma uma superação do Cinema Novo. O que você acha do Cinema Novo e o que ficou de seu legado?

Tem uma frase minha do tempo em que eu escrevia na Folha de S. Paulo... Eu entrevistando o Paulo César Saraceni, disse a ele que o Cinema Novo tinha muito de experimental, mas que o experimental não tinha nada de Cinema Novo. O Saraceni ficou meio ressabiado e não concordou com a frase não, porque ele acha que o Cinema Novo é que gerou o próprio ex- perimental, ou seja, todos os cineastas, a grande maioria dos cineastas do experimental, nasceram e foram assistentes de diretores do Cinema Novo, eles gostavam do Cinema Novo. Na época não existia outro movimento

Conheci Jairo Ferreira, autor do livro Cinema de Invenção, em Sampa, atra- vés de um amigo da Cinemateca Brasileira, num desses papos regados a chope e celulose. Jairo, que acompanhou o período da Boca do Lixo fazendo críticas para o nipo-jornal São Paulo Shimbun, foi crítico da Folha de São Paulo e atualmente divulga seu livro em várias cidades paulistas, falando da inventividade de um cinema colocado de escanteio por precaução do poder. De volta à província, informei aos companheiros do cineclube local da existência de Jairo Ferreira, da existência de um livro chamado Cinema de Invenção, assim como da existência de um cinema experimental bra- sileiro. Jairo chegou carregando seu O Vampiro da Cinemateca. Sentamos numa lanchonete do Fórum velho. Queremos cerveja. A garçonete nos em- purra cerveja em lata. Irritado engulo, mas o bom papo salva a noite. O Jean-Luc Godard tem uma frase que é a seguinte: “A margem é um lugar necessário e estar na margem é estar no lugar do público”. Jairo, você que é crítico e cineasta, como é a experiência de fazer cinema à margem?

Eu concordo com o Godard, agora existe uma grande diferença entre es- tar à margem conscientemente e ser marginalizado. Essa é a grande di- ferença que houve no chamado cinema independente, depois chamado de marginal. Marginal é um termo policialesco para classificar um ci- nema que não tinha nenhuma compactuação com o sistema. É preciso fazer uma distinção entre esses termos: estar à margem, ser marginal, e ser marginalizado.. “Ser marginal, ser herói”, é aquela famosa frase de Torquato Neto em 68, 69... Ser marginal era estar fora do sistema, aí tinha um lado positivo, isso era estar à margem. Agora... esse cinema foi margi- nalizado, aí então é um negocio pejorativo, ele foi colocado “de escanteio”. Ele foi feito para ser exibido nos grandes cinemas e foi boicotado pelos exibidores e distribuidores.

O CINEMA BRASILEIRO

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