Texto dedicado a Francisco Luiz de Almeida Salles
Mostra Jairo Ferreira - Cinema de Invenção
A frase seria lapidada pelo impagável Pagano mesmo em qual filme? Adivinharam: O Bandido da Luz Vermelha, o inimitável amálgama. Esperemos que a TV Cultura leve ao ar o restante da produção da Maristela:
Magia Verde (55), Carnaval em Lá Maior (55), Mãos Sangrentas (55), Getúlio, Glória e Drama de um Povo (56), Cinco Canções (55), Leonora dos Sete Mares
(55), Os Três Garimpeiros (55). Assim tiraremos as dúvidas quanto ao amál- gama maldito.
Publicado originalmente no jornal Cine Imaginário no 33, agosto de 1988
na Atlântida, é bem assimilada, intercalando canções de Adoniran Barbosa e Manezinho Araújo, conjuntos vários. Mas quem rouba o filme é o grande ator Jaime Costa.
Quem Matou Anabela?, do mesmo ano, tem direção de um tal David
D. Hamza, que acertou na mosca com essa farsa original. Argumento: Original, digo, Orígenes Lessa. A interpretação de Procópio Ferreira aqui é (seria) digna de um Oscar. Grande composição de tipo, um delegado que mais criativo se torna a cada nova falsa versão que tem que ouvir. Há lances de dramalhão mexicano, antropofagicamente deglutidos. Palatável.
1957: Arara Vermelha, baseado em obra homônima de José Mauro de
Vasconcelos, é uma aventura do competente Tom Payne. Ótimos diálogos de Hermilo Borba Filho. Anselmo Duarte é o mocinho e Milton Ribeiro o bandido – “eu me cuido, eu me cuido”, dizia ele, que morreu inesperada- mente nos anos 70. Provavelmente foi um dos três maiores vilões de nosso cinema. Aqui ele despeja uma garrafa inteira de cachaça goela abaixo e morre gargalhando. Gênio. A intriga é besta – ambição em torno de uma pedra preciosa, clichês e mais clichês, mas há travellings muito bem feitos.
Casei-me com um Xavante é mais interessante. Baseia-se em peça de
Miroel Silveira e Galeão Coutinho e teria roteiro – ? – nada mais nada me- nos de Luís São Paulo Sérgio S/A Person, que também faz rápida aparição. Civilidades da selva: morubixaba cai na cidade e volta a ser – sob protes- tos – urbanóide. Eu refilmaria esse ponto de partida atualíssimo. Pagano Sobrinho dá banho de interpretação. E Maria Vidal não deixa por menos. É um pré-culti-movie em que Palácios acertou na abelha.
1958: Vou te Contá, outro tiro certo de Alfredo. Também parte de peça – de
Gastão Tojeiro. O roteiro é de Clauco Mirko Laurelli, um dos melhores mon- tadores do país, e de Claudio Petraglia. A montagem aqui é da eminente Maria Guadalupe. O plot é mínimo, abrindo espaço a uns dez números mu- sicais no melhor estilo/assimilação do carioquismo atlântido (é: atlântido mesmo, de Atlântida, nosso modelo inimitável a imitar). Há Carmen Costa –
Marcha de Banana; Dalva de Oliveira – Quem Não Conhece o Rio? – Aqui há
uma serie de fusões altamente kitsch; Isaura Garcia – Mão de Gato; Virgínia Lane – A Mamãe Vem Aí.
Numa cena desse diamante a lapidar é que Pagano Sobrinho diz: – Um país sem mendigo é um país sem folclore.
edição atualizada, o clássico livro de Marcel Martin intitulado A Linguagem
Cinematográfica (editora Brasiliense, cerca de 270 págs., ótima tradução de
Paulo Neves e impecável revisão técnica de Sheila Shwartzman).
Meu compadre/referência Jean-Claude Bernardet escreve as orelhas em estéreo – com dolby alternativo. Diz ele que “a palavra linguagem” aplicada a cinema não é recente, data no mínimo dos anos 20. Mas nessa época procurava-se pensar a linguagem cinematográfica tomando como modelo o dicionário e a gramática da linguagem verbal, o que levou a uma esté- tica normativa e a uma redução da significação potencial das imagens e dos sons. Esses “gramáticos”, como foram chamados os estudiosos que de- senvolveram tais teorias, espraiaram-se pelos anos 30 até início dos 50. M. Martin entendeu que essa estética normativa não tinha futuro e que não se devia nem podia impor uma gramática ao cinema, mas que ao contrá- rio devia-se entender a linguagem cinematográfica a partir dos filmes tais como eram feitos.
D’accord. É por isso que abri com Arnoux, que pensa ser simples sacar a
“gramática” e/ou sintaxe dessa linguaudiovisual. O cinema.
JC Bernardet foi feliz ao observar que “um telefone no cinema não é um telefone. Mas, vendo um telefone na tela, muitos espectadores não vêem senão um telefone ou pensam estar vendo um telefone. Em realidade es- tão vendo uma imagem de telefone”.
Faço aqui um intermezzo – cinema é a música do olho como a música é o cinema do ouvido.
Baziniano confesso, monsieur Martin é manjado entre nós desde a pri- meira tradução do livro em apreciação. Saiu em 1963 pela Itatiaia, de Belo Horizonte, Minas Gerais, coleção Revista do Cinema – comando do titã Cyro Siqueira, que também editou os fundamentais O Cinema tem Alma?, de Henri Agel e O Western ou O Cinema Americano por Excelência, de J. L. Rieupeyrout.
Refletir é preciso: ou o western (ainda) não é a arma do cinema?
Há uma diferença. A edição que fez a cabeça de cinéfilos e críticos ainda hoje militando (todos na faixa dos 40/50 anos, hoje) é a de 1955, e a atual é a de 1985. Não mais (apenas) John Ford, Jean Renoir, Eisenstein. Martin agora exemplifica com cineastas dos anos 70/80 – chega até ao grego Theo Angelopoulos, Wenders, mas passa como gato sobre brasa em cima de um Tarkovski, p. exemplo, sem falar que não curte Antonioni; em realidade é um bressoniano truffautiano, se é possível.
“Cinema é uma linguagem de imagens com seu vocabulário, sua sintaxe, suas flexões, suas convenções, sua gramática” (Alexandre Arnoux); “Um filme é uma escritura em imagens” (Jean Cocteau); “O cinema não é um espetáculo, é uma escritura” (Robert Bresson).
Você pode discutir muito em torno dessas afirmações. Nunca chegará a uma definição satisfatória, talvez fará a sua. E o cinema continuará sempre em busca de definições. Como a arte, como a vida.
Alexandre Astruc, precursor da Nouvelle Vague, dizia que “o cinema só terá futuro se a câmara substituir a caneta”, teoria da câmara-caneta (câmera-
stylo). Não é uma utopia. Ou é? Uma caneta já é cinema na medida em que
é agarrada com TRÊS dedos – tripé, tridedo...
Tripé ontem (câmaras pesadíssimas), câmara na palma da mão hoje. Há algo semelhante ao mundo animal – se a atual Panavision é (ainda) ele- fantina, a CCD-TR5 da Sony (o merchandising não é gratuito: essa major me garantiu uma de presente, se em cada dez textos sair elogios à marca...) é a câmara-passarinho, realização de uma utopia.
A invenção do cinema é técnica, o cinema de invenção é arte. Sempre o lance do tripé/tridedo: e a economia é o dedão, o polegar-de-Aquiles. A tendência anos 90 será a miniaturização da instrumentação, claro. O que é videocomputer? Você faz um Star Wars sem sair de casa. Você faz. Notai a mudança: de autor para autor, transautorismo, graças ao transe, ao tran- sistor, aos chips, à tela manual de cristal líquido (a Sony realmente lidera a vanguarda high-tech mundial – outro ponto a meu favor: se não ganho logo uma bateria de “canetas”, vou acabar pirando...).
Mas com câmara-dinossauro ou câmara-pássaro o cinema é uma lingua- gem que acabou por conquistar a todos, antes de completar um século de existência. Arte-avó(ô), arte-ave, arte-vôo.
Não se trata de nariz-de-cera, antes de seda. Trata-se sim de necessários prolegômenos. Não é possível deixar por menos quando chega ao Brasil, em