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Antônio Quirino Neto

No documento Cinema de Invenção.pdf (páginas 97-99)

ao mesmo tempo tentar combater o que ele vai ver escondido. Se ele não vai ao cinema, ele vê isso aí em videocassete. De uma forma ou de outra, não adianta ele combater dizendo “o cinema não pode exibir isso, é um es- cândalo na cidade”, porque eu garanto que ele tem o videocassete dele e, escondido atrás de um filme do Spielberg, ele tem um filme pornográfico da pior qualidade possível, que ele assiste escondido. Então, é uma curiosi- dade que deveria ser aberta e, para ser pornográfico mesmo, o filme teria que ser o que nenhum cinema pornográfico do mundo conseguiu. É o que Godard tentou. O Prènom Carmem por exemplo, você pode ver isso, ele brinca com cinema pornográfico. O Godard uma vez percorreu vários cinemas vendo filme pornográfico para ver se existia alguma coisa nes- ses filmes e concluiu que não havia nada. Concluiu que não havia cinema pornográfico. Porque o cinema pornográfico ainda estava por ser feito. O cinema pornográfico no Brasil por exemplo é o Orgia do Trevisan; esse sim, mexe com a moral, uma moral mais aberta e mais liberal, mexe e derruba tabus e propõe a abolição dos padrões rígidos de moral. Esse é o filme por- nográfico. No entanto, esse filme pornográfico não mostra detalhes de sexo explícito para ser pornográfico. A pornografia pode ser bem sutil. La

Belle de Jour, do Buñuel, é um filme pornográfico. Não existe grande dife-

rença entre pornografia e erotismo. Praticamente é uma coisa só. É a aspi- ração de grandes cineastas fazer filmes eróticos, só quem tem conseguido isso são os grandes cineastas como Antonioni, Bergman, Marco Ferreri... Veja, Crônica de um Amor Louco é um filme pornográfico, porque é escritor bêbado (Bukowiski), que vai derrubando os obstáculos da moral, e por onde ele passa, nada fica em pé. É por aí que seria um cinema pornográfico. Quando se discute cinema (principalmente em Sorocaba), a discussão tende a ir para o lado moral, histórico ou político. Mas discute-se muito pouco o filme mesmo, a linguagem do filme, a forma do filme. Parece que as pessoas se esquecem (acho que é uma das grandes lições do Godard), que a ideologia está na própria forma. Como você vê isso?

É, o Godard está sempre certo... É uma antena que interessa aos cineastas experimentais do mundo todo. Aqui no Brasil, o grande problema é que as discussões, os debates sobre filmes nas sessões dos cineclubes e do ci- nema alternativo em geral, são sempre orientados do ponto de vista me- ramente político, sociológico... e o lado estético e de experimentação de linguagem é sempre relegado ao último plano. Isso por uma questão de formação brasileira, sociológica, vinda do CPC e de uma ideologia socialista mal assimilada, lukácsiana, e que já é superada nos próprios países onde ela mesma surgiu. Pior ainda, é que além dessa fase política, de discussão “sociológica”, as discussões sempre foram orientadas no sentido do mer- mais importante, o Cinema Novo dominava e então a gente era adoles-

cente (tinha 18, 19 anos...) e para nós o Cinema Novo era o ideal. A gente queria entrar naquela igrejinha e não conseguia porque era uma “panela fechada”. Aí o Glauber, que era muito prepotente, não dava vez às novas gerações, então essa nova geração se revoltou... se rebelou contra o pai e tentou matar o pai. Matou o pai mesmo, não é? Foi um gesto libertário de tentar abrir caminhos com as próprias experiências.

Outro dia eu li um texto do Luís Nazário em que ele faz uma crítica profunda ao Cinema Novo, dizendo que o CN era uma cinema que tinha vocação para o Poder, um cinema como “vocação burocrática”. Você concorda com ele?

Concordo plenamente com o Luís Nazário e até cito, para ilustrar, uma frase do João Silvério Trevisan que diz que “o Cinema Novo desembocou na Embrafilme, na burocracia; e o experimental desembocou no abismo”. Ou seja, um beco-sem-saída, não é? Beco-sem-saída, porém onde toda a ousadia era colocada. O Cinema Novo se tornou uma coisa acomodada, uma coisa conformista e perdeu toda aquela proposta inicial que era revo- lucionária, e se tornou além de paternalista, reacionário e conservador. Em contraposição ao experimental que avançou e continua revolucionando até hoje com experimentações a nível estético, ideológico, de estruturas narrativas, níveis de percepção, ideias avançadas.

Sorocaba é uma cidade de rígidos padrões morais. Apesar disso, um dos cinemas mais movi- mentados da cidade só exibe filmes pornográficos. O que você acha da pornochanchada e do pornô explícito?

O que eu penso da pornochanchada é que é um “cinema inocente” em contraposição ao cinema de sexo explícito que é um cinema indecente. Indecente no sentido total do termo, porque é um cinema que desrespeita o público. A sacanagem não é o filme em si. A sacanagem é ser mal reali- zado, ser mal enquadrado, mal fotografado, os atores são horrorosos , as atrizes são cheias de celulite, são feias... as cenas são de mal gosto, tudo aquilo parece um açougue. Essa é a grande sacanagem que o público está indo ver por curiosidade, mas a curiosidade está passando, tanto que a bi- lheteria já está caindo, estão perdendo o mercado... O cinema pornográfico é um cinema extremamente moralista. Você me diz que Sorocaba, como outras cidades do interior, é extremamente moralista. Mas esses filmes também são extremamente moralistas e, pior, são machistas.

Então não existe contradição nenhuma, não é?

Não existe contradição nenhuma. É que dá a impressão que todo moralista, não sei, é um negocio complicado, mas o moralista tem a necessidade de

Mostra Jairo Ferreira - Cinema de Invenção

A gravação da entrevista com Jairo Ferreira – cujos excertos poderão ser vistos nesta mostra – tem origem já um tanto distante no tempo. Há cerca de vinte anos, três estudantes do curso de Cinema da ECA – o autor deste texto, Paulo Sacramento e Vitor Ângelo Scippe – organizaram uma mos- tra retrospectiva do Cinema Marginal na qual foram apresentados filmes como O Despertar da Besta/Ritual dos Sádicos (José Mojica Marins, 1969), Memórias de um Estrangulador de Loiras (Júlio Bressane, 1971) e Orgia, ou o Homem que Deu Cria (João Silvério Trevisan, 1970).

Junto com a mostra, lançamos o primeiro e único número da revista Paupéria, dedicado, claro, ao Cinema Marginal. Além de artigos de jovens estudantes, foi publicada uma entrevista, realizada por Paulo Sacramento e por mim, com aquele que inspirou a mostra por meio do seu livro Cinema de Invenção: Jairo Ferreira. Lido avidamente por nós três, Cinema de Invenção

ENTREVISTA COM

JAIRO FERREIRA

Realização Arthur Autran & Paulo Sacramento

Trechos da entrevista realizada na casa do crítico e realizador Jairo Ferreira para o único número da revista Paupéria. Sinopse

1991 – Cor – Video – 30 min

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