• Nenhum resultado encontrado

JARDIM DE GUERRA Direção Neville D’Almeida

No documento Cinema de Invenção.pdf (páginas 34-36)

Elenco

1968 – P&B – 35mm – 90 min

Joel Barcellos, Maria do Rosário Nascimento Silva, Vera Brahim, Carlos Guimas, Ezequiel Neves, Paulo Góes, Jorge Mautner, Geraldo Mayrink, Sérgio Chamoux, Claudia de Castro, Guará Rodrigues, Glauce Rocha, Dina Sfat, Hugo Carvana, Antônio PItanga, Emanuel Cavalcanti, Paulo Villaça, Adolpho Chadler, Nelson Pereira dos Santos

Mostra Jairo Ferreira - Cinema de Invenção

Essa “organização misteriosa” existe em dezenas de filmes do experimental – agora me passa pela cabeça República da Traição e Lilian M. Cair nas ma- lhas de uma organização dessas seria ficar em situação kafkaniana: morte inexorável. Era confessar o que não se sabia e morrer no “pau de arara” ou à base de choque elétrico. Então, aí está uma explicação para o excesso de gritos e vômitos que perpassa a grande maioria dos filmes udigrudi – o que o crítico Fernão Ramos chama de “abjeto” e que poderíamos até chamar de “escatológico” tem a sua origem nas masmorras da ditadura brasileira, prin- cipalmente entre 1968 e 1973 (e, embora, felizmente, eu nunca tenha caído numa delas, prefiro nem declinar o nome dos verdugos dessa época negra).

Jardim de Guerra não chegou a ser lançado comercialmente em São Paulo

– no Rio, teve vez em 1974. A cópia que chegou a passar em sessão especial

in Sampa estava tão mutilada que não foi possível entender quase nada.

Por isso recorro a uma pesquisa crítica, de cara dando conta das repercus- sões do filme no festival de Cannes/1969:

Agnès Varda: “Surpreendentemente forte e jovem, Jardim de Guerra causa

impacto pela maneira poética como trata sexo e violência”.

Jacques Demy: “Neville D’Almeida chega ao romantismo pelo caminho mais

difícil: a violência”.

Gary Lockwood (ator de 2001): “A juventude e a ousadia de filmes brasileiros

como Jardim de Guerra são o único caminho para o cinema novo mundial”.

Robert Benayoun (Positif): “Alerta e agressivo, Jardim de Guerra surpreende,

comove e emociona. Joel Barcelos tornou-se com esse filme o Jean-Paul Belmondo do cinema brasileiro”.

Pierre Kast: “Austero, rigoroso, trágico e magnífico, Jardim de Guerra, do

jovem cineasta Neville D’Almeida, é realmente alguma coisa nova no cinema”.

Claude Veillot (L’Express): “...entre os 65 filmes de 25 países que estiveram

em Cannes este ano, Jardim de Guerra é uma descoberta”.

Jean de Baroncelli (Le Monde): “Destaca-se Jardim de Guerra como uma re-

velação do Festival de Cinema da Liberdade”.

Publicado originalmente no jornal Cine Imaginário no37, dezembro

de 1988. car a onça com vara curta. Felizmente não tivemos o mesmo fim de García

Lorca, mas passamos raspando.

Mesmo não sendo engagés, nossos filmes precisavam ser resistentes. Terra

em Transe (1967) é a matriz do político no experimental. Notai bem que a

ação é ambientada numa Eldorado que só era o Brasil. Cara a Cara (1967) tem muito a ver como essa matriz e, como os marcos de 68, aspirava a ser Cinema Novo.

Cenas de tortura explícita só as há em dois filmes de 68: em Hitler 3o

Mundo chega-se à castração; em Jardim de Guerra há espancamentos; mas

se Hitler, além de político, é sobre política, Jardim é político sem falar de política.

O Cinema Novo bateu a porta na cara tanto de Sganzerla quanto de Neville. Sendo uma esquerda que se tornou conservadora recebeu em troca a rup- tura declarada a partir da entrevista-bomba de Rogério Sganzerla e Helena Ignez (O Pasquim, no 33, fevereiro de 1970).

Quer dizer, o experimental foi duplamente resistente: contra a repressão militar e contra o massacre do Cinema Novo. Monumental equívoco de Glauber que, paranóico, falou em “intentona udigrudista”, mas em carta que me enviou teria percebido o tamanho do equívoco ao dizer que “os dois rios, Cinema Novo e Udigrudi, nascem de uma pessoa só: Glauber Rocha”. Claro que só pude concordar depois de assistir a Câncer, muitos anos de- pois. História mais complicada do que as relações do Cinema Novo com o Experimental nunca vi outra em toda a trajetória de nossa cultura desde a carta de Pero Vaz de Caminha...

Agora já é possível entrar no Jardim do Neville. Não pela porta da frente, pois ele mesmo afirmou que o filme lhe deu tantas “amolações” (esteve proibido pela censura um tempão), que agora se chamaria Quintal de Guerra. A trama seria assim resumível: sem dinheiro e emprego, o jovem Edson recorre a um tipo estranho chamado Basbaum, que faz contato de mar- ginais e desocupados com o mundo do crime. Edson é incumbido de en- tregar uma mala no porto em troca de 350 dólares. Ele leva a mala ao seu destino, mas é preso e conduzido à sede de uma organização misteriosa. Começa então um grande pesadelo. Edson não compreende a sua situação e, cada vez mais, fecha-se em torno de si um círculo de morte. A morte, a sombra da morte, é terrível porque é a única coisa que pode acontecer a qualquer momento.

70

Publicado originalmente no jornal São Paulo Shimbun, 18 de dezembro de 1969

“Senhoras e senhores: não deixem de ir ver nossos filmes, mas, por favor, não percam muito tempo com nossas mensagens neutras, não levem muito a sério nosso cinema industrial (?) e muito menos o de autor. Fazem muito bem, porque, como a Argentina e o México, São Paulo está atrasada vinte anos em matéria de cinema”.

O parágrafo acima é de Rogério Sganzerla, responsável por A Mulher de

Todos, cartaz do Art Palácio, Belas Artes e circuito. Julio Bracho, medíocre

diretor mexicano, também tem um filme chamado La Mujer de Todos, mas isso não interessa. Sganzerla realizou em 68 um dos filmes mais inteligen- tes da década de 60: O Bandido da Luz Vermelha, coqueluche dos novos va- lores do cinema brasileiro. Falando em direção a Augusto e Haroldo, Rogério disse que “o grande problema continua sendo o da diluição oficial dos no- vos valores”. Para alguns, isso é uma tragédia, mas para o público é bom que a inovação seja diluída na redundância. A Mulher de Todos poderia ser um copo de sangue, mas só alguns poucos estão interessados em beber san- gue. Se Luz Vermelha tem 70% de informação nova, A Mulher de Todos tem 30% e o resto é diluição, redundância estratégica.

Aqui Rogério liberta-se mais das influências, satisfaz mais ao público, afasta-se da intelligentzia colonialista. A criticalha, desmunhecante e des- cotovelada, está detestando o filme. Eu mesmo, quando digo isso, não o faço como “crítico de cinema” (os boçais são eles, recalcados ou reprimidos que não sabem o abc; só pode haver crítica quando os problemas pessoais estão superados): vocês lendo a opinião de um cara que está muito ligado ao cinema brasileiro em geral, paulista em particular. Gostaria de escrever muito sobre A Mulher de Todos, sobre Rogério Sganzerla, jovem artesão da sintaxe cinematográfica. Mas não vou escrever coisa nenhuma: não vou esmiuçar nada, porque tenho um compromisso comigo mesmo: fazer os meus próprios filmes. Sobre A Mulher digo que é um filme belíssimo, ad- mirável por conseguir uma abordagem até requintada, mesmo filmando a cafonice e o ridículo. É um filme pessoal no melhor sentido: como todo inventor que se preze, Rogério pode se neurotizar com sua problemática pessoal, mas para nós o importante é que ele assume e desenvolve tudo isso no plano crítico, no plano antropofagicamente crítico.

No documento Cinema de Invenção.pdf (páginas 34-36)