• Nenhum resultado encontrado

ATENÇÃO, CÂMARA, AÇÃO – SUPER-

No documento Cinema de Invenção.pdf (páginas 61-63)

tagens, coisas assim, a não ser que o cara queira fazer em 16mm para depois ampliar para 35mm. Então, a única bitola que está, assim, reservada para filmes experimentais é o Super-8. O Super-8 pode ser a vanguarda – van- guarda é um termo meio estranho, não é? – quer dizer, pode ser a ponta-de- lança não só técnica, pois a bitola está evoluindo com uma rapidez impres- sionante, com recursos que, inclusive, o 35mm não dispõe, como também em termos de linguagem. Por exemplo, o blimp (som direto) no 35mm é um negócio monstruoso ao passo que o som direto do Super-8 é quase imper- ceptível; é apenas um microfone e existe um pequeno amplificador embu- tido na câmara. Então, o 35mm está ficando, assim, um material do passado já que a tendência é não só transistorisar mas diminuir o tamanho. Agora, Jairo, uma coisa meio preocupante: em primeiro lugar o que você acha da exigência do GRIFE1 de que os filmes Super-8 sejam rodados em 24 quadros por segundo e não em 18, per-

dendo, assim, o realizador cerca de 40% do material sensível? Por outro lado, você coloca em uma matéria da Folha que a Cacex (Carteira de Comércio Exterior) proíbe a partir de setembro de 76 a importação de material sensível e equipamento Super-8 por considerar supérfluo. O que você, agora enquanto cineasta, acha disso?

Ao mesmo tempo em que a Cacex impôs a proibição de importação de ma- terial de Super-8 e de fotografia e tal, ao invés do pessoal que tem escola de Super-8 (como o GRIFE) tentar uma abertura, ao contrário, está tornando a situação ainda mais difícil. Obrigar que em um festival os filmes sejam exi- bidos a 24 quadros por segundo (QPS), significa dizer que de cem cineastas do Super-8 só 10 poderão participar. Os noventa outros não vão ter possi- bilidades nenhuma. É uma forma de podar, de cercear, é um boicote aos cineastas, aos praticantes do Super-8 em 18 QPS, que é a grande maioria. Isso é muito pior do que a censura porque funciona como uma forma de autocensura. Isso restringe o festival a uma minoria dentro de uma mino- ria. Uma câmara que filme em 24 QPS custa o dobro de uma câmara em 18 QPS. Agora, pra fazer esse tipo de cinema você precisa ter o dobro em poder aquisitivo, quer dizer, se era uma diversão e uma linguagem da classe mé- dia, agora passou a ser uma divisão da classe alta, mesmo.

Em média, quanto custa uma câmera sonora, 24 QPS, enfim, com todos esses recursos? As câmaras mais baratas que funcionam em 24 QPS custam entre 25 e 30 mil. As outras, como a Nikkon, custam bem mais que 30 mil cruzeiros. Isso enquanto uma câmara 18 QPS, uma Ektasound (a mais barata), custa 7 mil cruzeiros. Ela filma em 18 QPS e tem som direto. É uma diferença enorme de preço.

1 Grupo dos Realizadores Independentes de Filmes Experimentais (N. E.)

lhava com poucos recursos e não podia pagar um bom músico, então ele arrumou um músico, assim, dos piores. E eu pude usar um Stravinski, por- que não pago direitos autorais; em Super-8 você não paga direito, não é? Qual foi o processo de filmagem de Umas & Outras?

O processo foi o seguinte: eu comecei a filmar juntando elementos que, aparentemente, eu não via como pudessem ser colocados em um contexto geral. Era uma colagem. Por superposição de material, o negócio estava tão caótico que eu falei: “Bem, vamos ver se eu consigo dar uma estrutura a essa colagem”. Só que a estrutura eu só consegui dar depois que eu estava com pelo menos 40 minutos de material filmado, e percebi que poderia dar uma estrutura à coisa. Mas daí eu percebi também que pra ter essa estrutura eu teria que criar um personagem de ficção (que o filme começa como documentário e termina como ficção). Tem uma grande semelhança com o manifesto que o Rogério Sganzerla lançou junto com O Bandido da

Luz Vermelha que se aplica perfeitamente ao meu filme. Eu tinha me es-

quecido desse texto, mas revendo recentemente esse material eu vi que poderia ter dito a mesma frase: “Eu fiz um filme-soma: faroeste mas tam- bém musical; policial mas também ficção científica. Fusão e mixagem de vários gêneros pois para mim não existe separação de gêneros”. Isso é exa- tamente o que eu fiz no meu filme, uma mistura de gêneros, também. Eu começo com o policial, passo pelo musical e termino na ficção científica. Passando para uma área mais geral, da situação, possibilidades e dificuldades da criação cine- matográfica, como é que você, Jairo Ferreira, vê o cinema underground no Brasil?

O cinema udirgudi como movimento existiu entre 68 e 71. Agora, a partir de 71, não se parou de fazer cinema udigrudi, só que esse tipo de cinema se dispersou. Há, atualmente, filmes isolados, ou seja, filmes udigrudi, mas não mais como movimento. O meu filme também se coloca nesse contexto como uma tentativa isolada. Agora, eu acredito que em outros, sei lá, no Rio, em outros Estados, o pessoal possa estar fazendo coisas semelhantes, pois há sempre um clima geral que leva o pessoal, mesmo isoladamente, a ter idéias em comum. Então o meu filme, como os de outras pessoas, está perfeitamente situado nesse contexto que não tem o sentido de mo- vimento. O udigrudi, atualmente, vive de tentativas isoladas.

Essas tentativas de cinema underground são feitas em todas as bitolas ou só em Super-8? Em 35mm ninguém se arrisca a fazer experiências, experimentos, devido ao custo de produção. No 35mm a coisa tem que ser comercial para pagar o investimento. O 16mm já é um negócio que ficou restrito à televisão, repor-

Mostra Jairo Ferreira - Cinema de Invenção

Tínhamos o Cineminha (Júlio Bressane: Agonia, 1977) e o Cinemão (Neville de Almeida: A Dama do Lotação, 1978). Agora temos o Cinema (Arnaldo Jabor: Tudo Bem, 1978).

Como enviado especial, cobri o recente 11o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, dedicando-me – tentarei explicar por quê – mais à mostra pa- ralela, intitulada O Horror Nacional, do que à mostra oficial propriamente dita. A cobertura foi feita para o jornal Folha de S. Paulo, onde escrevo dia- riamente, mas a documentação que passarei a apresentar agora e as re- velações que farei sobre esse que foi o festival de cinema brasileiro mais importante dos últimos anos, são exclusivas para a revista Cinema. Pode parecer absurdo, mas aconteceu: no Festival de Brasília, fui como jornalista e tive que ficar hospedado clandestinamente no Hotel Nacional, talvez o mais caro de Brasília. Embora eu seja crítico de cinema desde 1965, quando comecei no jornal nipo-brasileiro São Paulo Shimbun, só saí do

underground quando passei a escrever na Folha, em 1976. Até aí não seria

de espantar: nem todos são obrigados a me conhecer. Porém, é sintomático que uma entidade conceituada, como a Fundação Cultural de Brasília, encarregada de organizar o certame, tenha pretendido me ignorar. “Sinto muito, senhor Ferreira, mas não havia previsão de que o senhor viria para fazer a cobertura do Festival. Por isso não temos condições de conseguir acomodação para o senhor”, disse-me ao telefone o Sr. Marco Antônio, da Fundação Cultura de Brasília, quando eu já estava instalado clandestinamente há três dias no apartamento do cineasta e meu amigo José Mojica Marins.

Fiquei pensando comigo: está tudo errado no cinema brasileiro. Como é que um festival importante como esse de Brasília pode ser organizado por pessoas que não sabem quem é e quem não é do ramo? Em menos de três anos na Folha, assinei cerca de duas mil matérias sobre cinema, mas agora vem a Fundação Cultural de Brasília e diz que não me conhece. Será que eles conhecem Anselmo Duarte, aquele que ganhou um prêmio Palma de Ouro em Cannes por O Pagador de Promessas? Será que conhecem o Glauber Rocha que realizou Deus e o Diabo na Terra do Sol? Será que conhe-

CINEMA, CINEMINHA E

No documento Cinema de Invenção.pdf (páginas 61-63)