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UDIGRUDI – 20 ANOS DE INVENÇÃO

No documento Cinema de Invenção.pdf (páginas 72-75)

Mostra Jairo Ferreira - Cinema de Invenção

antimovimento de invenção: Sagrada Família (1970); Paulo Bastos Martins é o visionário de O Anunciador – O Homem das Tormentas (1970). E o lance é mesmo cíclico, pois em 1985 José Sette ressuscita o deboche com o ótimo

Um Filme 100% Brasileiro.

Da Bahia para o mundo: Meteorango Kid – Herói Intergalático (1969), de André Luiz de Oliveira, o avacalho em estado puro, e o cineasta agora re- torna com um belo projeto na empresa Casa de Imagens (a primeira real aproximação total de talentos da invenção: Carlão Reichenbach, Júlio Calasso Jr., Andrea Tonacci, equilibrando com as promessas de Guilherme de Almeida Prado e Inácio Araújo). Em Salvador, brilhou também Álvaro Guimarães – Caveira My Friend (1970), que poucos viram. Houve udigrudi até em Manaus – Como Cansa Ser Romano nos Trópicos (1970), de Roberto Kahané.

Como se vê, esse tipo de cinema muito especial é uma tradição entre nós, nunca um ciclo com começo, meio e fim e sim um processo de criatividade que é cíclico – tem algo do eterno retorno nietzscheano e é work in progress. Tem magia na parada – e inclusive os filmes são dionisíacos. Do hediondo extraem o hedônico. São filmes feitos com prazer – para dar prazer. Uma tradição que começou com Tesouro Perdido (1927), de Humberto Mauro, e logo culminou com Limite (1930), de Mário Peixoto. Nesse sentido, discordo da abordagem fechada de Fernão Ramos em seu livro Cinema Marginal (1968-1973) (Ed. Brasiliense/Embrafilme, 1987), pois se é verdade que o udigrudi morreu (nesse caso, penso que foi enterrado vivo em 1971) também é verdade que a invenção continua viva – e ativa. Então, viva a Invenção!

Publicado originalmente no Jornal da Tela no28, 03 de abril de 1988

– trata-se de um cinema de fórmula (O Império do Desejo, 1980; Lilian M, 1976; Filme Demência, 1985; Anjos do Arrabalde, 1986). O sonho acabou em 1970, conforme John Lennon. O que há agora são fragmentos, estilhaços de invenção.

Ao mesmo tempo que a Boca do Lixo brilhava na criatividade, os cineastas do Rio de Janeiro realizavam as suas melhores experimentações. Rogério Sganzerla associa-se a Júlio Bressane na empresa Belair, que faria sete fil- mes em 1970: Bressane filmou Barão Olavo, o Horrível, cinemascope mis- turando Walter Hugo Khouri com José Mojica Marins; Cuidado Madame!, um Pickup on South Street no Arpoador; e Família do Barulho, entre outras coisas uma reciclagem do ciclo do Recife; Sganzerla experimentou a lente cinemascope-na-mão em Copacabana Mon Amour, filme de sortilégio e profecia, Carnaval na Lama/ex-Betty Bomba, a Exibicionista, onde o filme se recusa a ser filme, e Sem Essa, Aranha, “aqui e agora o pior é o melhor”, diz o cineasta sobre esse que talvez seja seu melhor filme, deflagrando uma das três melhores experimentações mundiais na área do plano-seqüên- cia. Consta que rodaram também uma “curtição” a quatro mãos, A Miss e

o Dinossauro. Ambos continuam realizando novos filmes de invenção, mas

já sem aquela fúria, aquele deboche: O Gigante da América (1980), Tabu (1982), Memórias Póstumas de Brás Cubas (1985) – todos de Bressane; O

Abismo (1977) e Nem Tudo é Verdade (1985), ambos de Sganzerla.

Neville D’Almeida cultivou uma estética próxima à da Belair em pelo menos quatro títulos memoráveis: Jardim de Guerra (1968), Piranhas do

Asfalto (1970), That Night on the Bowery (1965) e Mangue Bangue (1970).

Luiz Rosemberg Filho tem belos filmes, hoje clássicos: Jardim das Espumas (1970), Imagens (1973), Assuntina das Amérikas (1976), e demonstra que pode atingir a um público maior sem abrir mão da experimentação: Crônica de

um Industrial (1976), O Santo e a Vedete (1982) e projetos para 88. Já Elyseu

Visconti Cavalleiro fez o esfuziante Os Monstros de Babaloo (1970), mas não repetiu a dose em Lobisomem, o Terror da Meia Noite (1976). Há muitos ou- tros cineastas do Rio que sintonizaram e sintonizam com a experimenta- ção: Ivan Cardoso (diversos filmes em Super-8 e uma obra-prima em 1982:

O Segredo da Múmia), Fernando Campos (Viagem ao Fim do Mundo, 1968; O Homem e sua Jaula, 1968); Geraldo Veloso, também excelente crítico do

experimental, realizou Perdidos e Malditos (1970); outro bom crítico e rea- lizador é Carlos Frederico – A Possuída dos Mil Demônios; Sérgio Bernardes:

Desesperato (1968) raramente foi exibido.

Fora do eixo Rio-São Paulo temos muitos outros talentos em rotação. Em Minas Gerais, Andrea Tonacci faz um dos três melhores filmes de todo esse

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pensa para o indivíduo em relação à ordem vigente (Sugawa), mas não compensa para o indivíduo em relação à sua moral interna. O roteirista Shintaro Ishihara defende a última tese, também defendida por Uchida em

Condenado pela Consciência. O primeiro crime de Rentaro Mikuni é a luta

pela vida em tempo de guerra. A guerra terminou. Os demais crimes futu- ros são a preservação daquela moral. Embora tenha passado pelo inferno, o personagem de Uchida “sobe os degraus da sociedade”: 20 anos depois a ordem social o transforma num rico industrial. Sabe-se que nenhum burguês possui causas para uma rebeldia, de onde a série interminável de crimes estabelece a auto-punição do personagem. Big-shot condicionado, Mikuni havia esquecido o pesadelo. Mas surge Sachiki Hidari, a mulher que se apaixonara por este anti-herói: ela funciona como um saca-rolha, rea- brindo a consciência entulhada de Mikuni. Novamente de posse da lucidez, Mikuni apela para o suicídio.

Como em Feu Follet, de Louis Malle, o personagem de Uchida toma uma maravilhosa atitude Zen, atirando-se ao mar, como Maurice Ronet dispa- rava contra o peito. São alegorias ficcionais e alucinatórias. Condenado pela

Consciência é uma análise profunda da condição humana, rica em ilações,

poderosa em emoções, excepcional como narrativa incidental. Uchida con- tinua inventando efeitos renovadores de cores, tonalidade, sempre em função criativa e funcional. Os ruídos musicais, usados incidentalmente, fornecem a matéria concreta para a desdramatização e distanciamento crítico, encontrados aqui como em Viver a Vida, de Godard. Veja-se a aura fantasmagórica que reveste a morte de Hidari, onde o negativo fotográfico informa-nos de poderes inusitados da mente humana. Toda peregrinação de Mikuni pelas regiões agrestes de Hokkaido estão insufladas por uma força mental ainda desconhecida dos bizantinos estudiosos do “cinema moderno” que proliferam entre nós. Tomu Uchida é um dos grandes expo- entes de uma vanguarda dispersa pelo mundo, que provisoriamente pode ser chamada Super Realismo Crítico.

Publicado originalmente no jornal São Paulo Shimbun, 07 de setembro de 1967

No documento Cinema de Invenção.pdf (páginas 72-75)