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5 AS PRÁTICAS LEITORAS E A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA

5.2 O MOMENTO DA LEITURA E DA CONTAÇÃO: ESCUTANDO AS

5.2.1 Postura atenta e controlada

Inicialmente, podemos pontuar que a necessidade de atenção e ação controlada para a escuta de uma narrativa apresenta-se como um fato inquestionável. Para apreendermos a fala do outro, necessário se faz que possamos dirigir-lhe a atenção e que permaneçamos com ela em foco. Contudo, para as crianças pequenas, bem como para as que apresentam deficiência intelectual, nem sempre é possível esse controle, essa atenção voluntária.

A ação e a atenção controlada, reconhecidas como algumas das funções mentais básicas do ser humano, não se encontram no homem como resultado de uma programação biológica, genética. Para Vygotsky (1993), o homem, diferentemente dos animais irracionais, aprende gradualmente a controlar sua atenção, e a exercer uma ação controlada, através da invenção e do uso de meios culturais – ou sinais, ou instrumentos.

Assim, podemos entender que a ação e a atenção da criança ainda bebê, que não faz uso desses meios culturais, revelam-se de forma natural, não apresentado nenhum controle. Aos poucos, fazendo uso externamente desses meios, a criança passa a se guiar pela ação do outro. E, finalmente, alcançamos o estágio em que a criança, fazendo uso dos meios culturais, enriquecida pela regulação da linguagem, reconstrói internamente suas capacidades mentais, tornando-se capaz de desenvolver uma ação e uma atenção controladas.

Para Wallon (2007), essas funções também se encontram relacionadas à postura corporal e ao tônus muscular. No bebê humano, por exemplo, elas expressam um primeiro nível de maturidade. No caso da criança pré-escolar, essas funções vão cada vez mais se solidificando, favorecidas pelas interações da criança com diferentes elementos do seu entorno social, inclusive como resultado de sua inserção num cotidiano de vivências com as obras literárias – seja através da oralidade, seja da escrita.

Se, por um lado, percebemos que certo nível de atenção torna-se fundamental para a escuta literária, por outro lado, também reconhecemos o quanto essa vivência favorece o desenvolvimento da mesma atenção, principalmente quando se conta com a mediação do texto narrativo. Isso porque, como já dissemos anteriormente, a própria estrutura narrativa, que organiza os fatos numa sequência lógica, favorece a compreensão e a capacidade de previsão do leitor ou ouvinte, sendo, por isso mesmo, uma forma mais acessível à criança, pois promove mais facilmente seu engajamento no contexto da história.

Essa hipótese mostra-se plausível quando analisamos a participação de Ana Paula, se compararmos sua atenção considerando o percurso de dois semestres de observação. No semestre anterior, no qual transcorreu o período de observação inicial, percebíamos que a criança apresentava maior limitação no seu nível de atenção, não se demorando muito tempo numa mesma posição ou lugar, no curso de uma narrativa.

Vejamos a análise de episódio registrado na leitura do livro Pepo: o cavalinho que nasceu do coração (ORTHOF, 2008), ainda na primeira fase da investigação.

Episódio 3: Leitura – Pepo (18/11/2008)

28. Pesq – Os bichos se reuniram, cada um vindo de um lado, todo mundo pensando num jeito (AP, ainda sentada, começa a se arrastar para trás, procurando se acomodar noutra posição; uma das suas colegas põe-se à sua frente) de encontrar para Pepo uma família, uma casa, um afago. Veio primeiro a Onça,... Veio primeiro a Onça (repete) querendo ser mãe de Pepo (AP mostra-se atenta). Os bichos não concordaram (AP se levanta e começa a se retirar do grupo), porque ela ERA TÃO BRAVA, que o cavalinho ia ter medo. Então a onça não ia dar certo, né?... (comentando parte da história) Porque senão... Pepo ia ter?!!... MEDO!!! (AP, em pé, rodeia o grupo e, mesmo nessa posição, fica atenta à narrativa). Não é, Ana Paula?

[...]

32. Pesq – Veio então a jacaroa, (duas meninas ficam em pé, mas continuam atentas à história) que também não pôde ser. Cavalo não pode morar dentro da água fria só com peixes para comer! (Aqui, AP se afasta do grupo em direção à porta da sala. P2, sentada com

uma criança no colo, estende o braço para retê-la, mas ela passa direto para a porta e, encontrando-a fechada, anda mais um pouco ao lado, pega um aguador de plantas, senta-se e fica mexendo com ele) [...]. Porque o cavalo não ia morar dentro...??!!!

33 As/Pesq – D’Água!!!(AP levanta-se e P2 chama-a para retornar ao grupo). 34. Pesq– Vamos ver!

35. P2 – Ana Paula!... Venha!...

36. Pesq – Depois veio a minhoca cheia de boa intenção(P2 levanta-se e vai ao encontro de AP, ajudando-a a se levantar e trazendo-a de volta ao grupo para a escuta da história). Mas viver dentro da terra, fazendo buracos sem fim, cavalo não sabe não!

[...]

43. Gio – Por que o cavalo não sabia, né, professora?... (Aqui, AP afasta-se mais para trás do grupo, e P2 puxa-a ao seu encontro, sentando-a no seu colo).

44. Pesq – Quando já era tarde,... Quando já era tarde (repete)/ ouviu-se um barulho estranho, (AP, no colo de P1, inclina-se um pouco para frente, demonstrando o retorno de atenção e interesse à história) um cloccloc ritmado:Viu-se um bicho grandão...Precisava ver o tamanho! (Três crianças que estavam sentadas ao lado direito de P1 conversam distraídas e são chamadas à atenção).

Considerando que o episódio exposto reporta-se a uma sequência posterior do mesmo encontro no qual transcorreram as discussões da pré-leitura registrada no Episódio 2, já aqui analisado, torna-se importante atentarmos para alguns pontos significativos para sua análise. Primeiro, rememorar que, quando da pré-leitura do livro Pepo: o cavalinho que nasceu do coração, ainda na primeira fase da pesquisa, Ana Paula apresentou um comportamento centrado, atento, participativo, mas que, no momento da leitura, como exemplificado no Episódio 3, seu nível de atenção e concentração com relação à narrativa parece um tanto instável. Assim, neste último, percebemos uma oscilação em sua conduta, sendo mais visível a presença de dispersão e afastamento do grupo, necessitando, pois, de certo controle por parte das professoras (Turnos 32, 33, 35, 43 e 44).

No entanto, vale sublinhar, que, além do fato de a pré-leitura acontecer num momento inicial, quando as crianças estão mais propensas à atenção, seu tempo de duração é bem menor, comparado ao da leitura do texto. Mais ainda: na pré-leitura, a relação da pesquisadora com as crianças é mais interativa; já na leitura, a interferência de um terceiro elemento – o texto, pressupõe distanciamento cognitivo, no sentido de ouvir os fatos e traduzi-los em imagens mentais. Isso corresponde a um exercício superior que demanda maior controle da atenção, memória, capacidade de escuta e elaboração de imagens.

Retomando o percurso analítico, não podemos deixar de considerar, que o comportamento dispersivo esteve igualmente manifestado por outras crianças (Turnos 28 e 44), o que nos leva a inferir que tal conduta não é algo inerente à deficiência ou à síndrome. Ao contrário, dadas as características da turma (constituída por crianças, na sua maioria, com 3 anos de idade, com intensa atividade motriz, não havendo o controle de seus impulsos e tensões), e tomando por base o que a qualifica como sendo dinâmica e “um pouco agitada”, não parece estranha a apresentação desse “ânimo” (TIANA, 2009).

Assim, ante o desafio de se conduzir a atividade coletiva de contação e de leitura de histórias, com relação, principalmente, às crianças mais novas (como no caso de Nina) ou que se mostravam mais inquietas, as professoras adotavam algumas estratégias comuns, como, por exemplo, a prática de colocá-las no colo, como uma forma de mantê-las no grupo (Turno 32) e favorecer sua percepção quanto à necessidade de ficarem atentas para ouvir a história ou discussão empreendida pelo grupo.

Pelas observações realizadas, consideramos que essa estratégia, não especificamente direcionada à criança com deficiência, poderia estar exercendo uma influência positiva nas crianças, levando-as a se envolverem de forma mais tranquila com as narrativas exploradas. No caso mais específico de Ana Paula (Turnos 43 e 44), reconhecemos que a referida estratégia pode ter influenciado seu comportamento, ajudando-a a melhor se fixar na atividade proposta. Contudo, supomos que a própria situação de proximidade corporal, mais do que uma questão de controle e retenção física, favorecia um sentido de aconchego e pertencimento, importantes para a identificação e reconhecimento do seu lugar como leitora/ouvinte de literatura.

Já na segunda fase da investigação, registramos um significativo avanço no comportamento da turma, bem como no de Ana Paula, com relação à atitude de atenção e escuta das histórias. Na sequência, analisaremos um novo episódio, desta fase, quando da leitura do livro Os Três Porquinhos (Figura 3), na versão adaptada dos clássicos, escrita por Ana Maria Machado (2004).

Figura 3: Capa do livro Os Três Porquinhos

Fonte: Machado (2004)

Nessa versão (anexo 5), relata-se a história de três porquinhos que, para se protegerem do lobo, decidem construir suas próprias casas. Mas somente um dos porquinhos, o mais trabalhador e esperto, consegue construir uma casa que realmente os ajuda a resistir aos ataques do lobo. Indo além do enredo tradicional, a autora ainda acrescenta mais duas investidas do lobo, na tentativa de enganar os porquinhos. No entanto, novamente, eles são salvos graças à esperteza do terceiro porquinho, que coloca, finalmente, o lobo para correr mundo afora, longe de suas vidas.

Inserido na categoria dos contos de fadas, Os Três Porquinhos, adaptado por Ana Maria Machado, apresenta-se como um texto que, apesar de mais longo, resgata o conhecimento literário das crianças, que já tinham tido contato com a versão tradicional da história. Assim, acreditamos que a familiaridade com a obra clássica, além da tradicional temática da polarização entre o bem e o mal, possa favorecer o envolvimento e, consequentemente, ampliar as possibilidades da recepção da criança com deficiência intelectual, uma vez que facilitará a emergência de perguntas e previsões relacionadas às leituras anteriores.

Consideramos, também, que a riqueza das ilustrações, e ainda a presença de repetições frasais inseridas no texto, em situações dramáticas, que envolvem momentos de surpresa, perseguição, esperteza, impregnam a narrativa de forte teor emocional, tornando-a, a um só tempo, dinâmica e divertida; por isso mesmo, propícia para assegurar a atenção de uma criança que apresenta dificuldades em se concentrar, em dedicar sua atenção, por um tempo mais prolongado, ao mesmo objeto ou situação, como é o caso da criança com deficiência intelectual.

Na ocasião da atividade, a pesquisadora utilizou-se do livro aberto, expondo suas imagens para as crianças à medida que ia realizando a leitura. As crianças, por sua vez, encontravam-se sentadas no chão, aglomeradas bem à frente, na busca do espaço mais próximo ao livro.

Feitas essas considerações, passamos à leitura do episódio a ser analisado.

Episódio 4: Leitura – Os Três Porquinhos (24/06/2009)

15. Pesq – Depois de algumas curvas na estrada, cruzaram com um carroceiro que carregava um monte de varas para fazer uma cerca (AP continua atenta à narrativa, com o corpo inclinado e o olhar direcionado à pesquisadora). O segundo porquinho logo se animou (Emi baixa a cabeça e fica mexendo com o cadarço do tênis. AP dirige-se a ela chamando sua atenção para a história: com o dedo indicador nos lábios, simula um pedido de silêncio, ao mesmo tempo em que aponta para a pesquisadora): – Puxa, a gente bem que podia pedir a ele umas varinhas dessas e fazer uma casa. – Ficou maluco, meu irmão? Onde já se viu casa de varinha para leitão? (AP sussurra algo no ouvido de Emi e novamente aponta para a pesquisadora; P1 chama a atenção das duas). – Mas é bem fácil, e num instante fica pronta... Vou pedir. Pediu as varetas e o homem deu. Ele foi enfileirando uma ao lado da outra (Emi agora é quem sussurra no ouvido de AP; as duas riem, mas voltam a atenção para a história), amarrou com cipó, foi fazendo parede, teto, e em pouco tempo já dava para entrar na casinha. – PRONTO, JÁ TEMOS ONDE MORAR (AP mantém o olhar fixo e atento em direção à pesquisadora)!... O terceiro porquinho olhou, pensou, e resolveu que não ia ficar ali! (a pesquisadora balança o braço e o dedo indicador direito, reforçando a negativa) – Não, eu quero casa mais segura. Bem forte na tempestade e na noite mais escura (a pesquisadora faz gestos com o braço direito reforçando as palavras). – Então, tchau! – Tchau! (reproduz gesto de adeus).

[...]

48. Pesq – Espere aí!... Eu já disse que essa história era um pouco diferente. mas ainda vai ter essa parte. Vamos ver, tá certo?... Então, quando a noite chegou (retomando parágrafo anterior) o lobo teve uma ideia. Fingiu que tinha ficado amigo dos porquinhos (AP toca em Emi e aponta para a pesquisadora, como que chamando a sua atenção para a narrativa) e falou: – Está bem, vocês ganharam. Eu aprendi a lição e nunca mais vou me meter com vocês (AP faz movimentos com os dois dedos indicadores de um lado para outro, ao mesmo tempo em que cantarola: “Hum, hum, hum!”. P1 chama sua atenção para a narrativa). Aliás, agora nem quero mais saber de carne, só como verdura (AP continua envolvida com os dedos, movimentando-os, entrelaçando-os, observando-os). E, para provar que somos amigos, amanhã podíamos ir juntos até a horta da comadre Ofélia.

Está cheia de couve, abóbora, beterraba, um monte de coisa gostosa. (AP volta a atenção para a narrativa) – Combinado! – disse o terceiro porquinho (AP direciona sua atenção para algumas letras do alfabeto que se encontram fixadas na parede, abaixo do quadro branco).

49. AP – Ana... Ana (pronuncia o seu nome enquanto passa os dedos sobre as letras, procurando mostrar para as colegas).

50. Pesq – Passo aqui às seis... Até amanhã!... No dia seguinte, às seis da manhã (a pesquisadora olha para AP, que ainda se encontra voltada para as letras, mas continua a leitura), o lobo chegou... (olha novamente para AP, faz uma pausa, mas não interrompe a leitura) junto da casa de tijolos (P1 sussurra no ouvido de AP chamando sua atenção para a história) e viu pela vidraça da janela os três irmãos sentados em volta da mesa, tomando sopa de verdura. (AP volta a atenção para a narrativa) Antes de conseguir dizer qualquer coisa, o terceiro porquinho perguntou: – Por que você se atrasou tanto? Não disse que passava aqui às três? Eu já fui e já voltei! ... (a pesquisadora estrala os dedos). [...] No dia seguinte, o lobo foi esperto, chegou mais cedo. Quando chegou, às duas horas, só estavam em casa o primeiro e o segundo porquinho, porque o terceiro ainda não tinha voltado da goiabeira (AP continua atenta à narrativa, com um olhar curioso). O lobo olhou pela janela e viu os dois sozinhos. Ficou todo contente e saiu correndo para a fazenda de Seu Macário. De longe, viu o terceiro porquinho encarapitado no alto da árvore (Emi, mostrando-se inquieta, começa a mexer com AP; no entanto, esta sinaliza que não quer conversar, coloca o indicador sobre os lábios num gesto de pedido de silêncio).

Parece-nos importante informar que, nesta segunda fase, a turma demonstra ter avançado em vários aspectos, pois, diferentemente do semestre anterior, percebemos que estava bem mais integrada, menos impulsiva, mais amadurecida, havendo um relacionamento bastante tranquilo entre crianças e professoras, com um nível de cooperação bastante visível entre as próprias crianças. Tudo isso contribuindo para o clima agradável e interativo ali reinante. Esses dados são confirmados pelos comentários da Professora Gislene, que avalia a turma como “um grupo”, uma vez que as crianças apresentavam “bastante vínculo umas com as outras”, e com “as suas famílias também” (GISLENE, 2009).

Destacamos este episódio, inicialmente, pela necessidade de contextualizar o espaço no qual se registravam as novas condutas de Ana Paula, percebendo-as não como algo isolado, distanciadas das suas interações sociais, mas, ao contrário, integrados a elas, principalmente no que diz respeito aos avanços também registrados na conduta de seus pares, o que nos aponta para a influência mútua nas suas formas de ação, percepção e compreensão.

Retornando à análise do episódio descrito, não podemos deixar de registrar, na participação de Ana Paula, durante o evento da leitura, o predomínio de condutas de atenção e concentração, mesmo considerando que, em determinados momentos, ela se tenha dispersado da narrativa (Turnos 48 e 50). Com relação a essas dispersões, contudo, percebemos que, seja pela mediação da professora, seja de forma voluntária, ela sempre se reconduzia à narrativa. Assim, nesse episódio, constatamos que sua atenção à narrativa apresenta-se de forma mais contundente, inclusive não se deixando influenciar pela inquietação da colega: ao contrário, instigava-a a assumir atitude adequada, e até solicitava seu silêncio por meio de gesto (Turnos 15, 48 e 50), o que denota seu interesse e seu engajamento na atividade de escuta da história.

Baseando-nos em Wallon (2008), consideramos que essa atitude pode estar relacionada, no mínimo, à interferência de dois fatores: o orgânico e o social. Trata-se, pois, do resultado de avanço decorrente, por um lado, da evolução das estruturas neuronais e motoras da criança, que dão sustentação a seu controle postural e cinestésico; por outro lado, resultante do próprio aprendizado social, fruto da vivência familiar e escolar em que a atividade de leitura/contação de história está cotidianamente presente.

Na vivência escolar, particularmente, podemos inferir que esse avanço social encontra-se marcado pelo trabalho de mediação das professoras na condução de uma atividade que se apresenta como diária na sala de aula. Para Vygotsky (1998), quando realizada de forma intencional e sistemática, a mediação tem o poder de delinear e ajudar a avançar diferentes vias de desenvolvimento do indivíduo. Assim, a prática reiterada de contar/ler histórias consolida um ritual especial a ser apreendido pelas crianças, que envolve ações e funções diversas, desenvolvidas à medida que vão sendo aprendidas em situações de apoio, de mediação.

Nesse processo de mediação, o papel da professora, como leitora, é central. Ela representa o elo entre as crianças e os livros. Como já mencionado anteriormente, sua participação não pode ser realizada de qualquer jeito; há de ser planejada, sistematizada. Por exemplo, fazendo uma leitura prévia dos livros selecionados, “[...] a fim de ganhar intimidade com o texto e de atribuir-lhe a fluência, a entonação e as pausas adequadas” (MAMEDE, 2006, p. 90).

Admitimos também que essa leitura prévia deve possibilitar um domínio maior sobre o texto, dando à leitora maior liberdade de ação, podendo aproximá-la mais do seu público- ouvinte, buscando sua cumplicidade através do olhar significativo, interativo.

Não podemos deixar de considerar aqui as palavras de Gregório Filho (2002), um exímio contador de histórias, para quem o gosto do narrar, percorrendo as dúvidas do olhar do ouvinte, apresenta-se como essencial em sua atividade.

O olhar ajuda a dizer e, principalmente, ajuda a ouvir. Os olhos ajudam a buscar o significado nos guardados do coração; apóiam a escolha, recolhem a preferência, extraem o sufocado, dissolvem o velado, desentopem o desajustado, desarrumam para enxergar e ordenar o belo e o distraído. Olhar no olho do outro é sublimar o narrado, é destampar o vivido, é tornar possível, é possibilitar os percursos e os atalhos, é estender o plausível a extremos tensionadores de descobertas [...] (GREGÓRIO FILHO, 2002, p. 62).

Na verdade, é na interação com o outro, numa constante troca de significações, nas contribuições dos diferentes pares, na cumplicidade dos gestos e das entonações, dos ritmos e da musicalidade das palavras, e também da troca de olhares, que se cria o elo da comunicação, da sociabilidade. Na leitura e/ou contação de histórias também o fenômeno se repete: em especial, a sintonia que se estabelece entre o sujeito que lê/conta e seus ouvintes pode ser assegurada pela atuação do primeiro; mas, sobretudo, é alcançada pelos olhares recíprocos entre ambos: contador e ouvinte.

Foi com essa intenção que, durante as sessões de leitura e de contação, procuramos nos aproximar das crianças-ouvintes, em especial de Ana Paula, através do olhar, conforme registramos em nosso no Diário de Campo no dia 03/06/2009, em que foi contada a história O Elefantinho Malcriado:

Durante a narrativa mantivemos o cuidado de ajudar AP a manter sua atenção direcionada para o texto, utilizando como estratégia o direcionar do meu olhar para ela e ainda mencionando o seu nome em algumas passagens, como por exemplo: “Sabe o que aconteceu, Ana Paula?”. Ou “Nesse dia, Ana Paula, o elefantinho [...]”. Assim, conseguimos registrar sua atenção e envolvimento com a história durante toda a narração (DIÁRIO DE CAMPO, 2009).

Entendemos que a atitude do olhar mais direto na audição de diferentes passagens do texto, algumas vezes associada a uma intervenção verbal mais particular dirigida à aluna, pode ser apontada como mais uma possibilidade de andaimagem, registrando-se como ação