• Nenhum resultado encontrado

A mídia contribui para a idéia de culto ao corpo?

No documento Corpo e identidade feminina (páginas 198-200)

substituição do culto à informação por uma “religião” biogenética, calcada na “utopia do

corpo”. No entanto, acredito, ao contrário de Sfez, que a comunicação está vivíssima, e mais,

é a grande aliada e ao mesmo tempo veiculadora desta utopia do “corpo perfeito”. O desafio para mim está em procurar descobrir como estes dois pilares muitas vezes se entremeiam, precisam disto para sobreviver e mais, dizem muito a respeito da concepção de pessoa e de valores centrais à nossa sociedade.

Quando questionadas sobre a relação entre mídia e culto ao corpo, a esmagadora maioria, 96% afirmou que sim, a mídia influi no processo de culto ao corpo. Absolutamente nenhuma mulher respondeu que não, e apenas 4% da amostra responderam “mais ou menos”:

59

Sfez, Lucien - “Saúde Perfeita é utopia do final de século.”; In: O Estado de São Paulo, 7 de outubro de 1995, n.788, ano 16.

Gráfico 32 - Mídia e culto ao corpo

A mídia contribui para a idéia de culto

ao corpo?

96% 4% 0% sim não mais ou menos

As mulheres por mim entrevistadas sempre mencionam a leitura de revistas ligadas à aparência física, como “Boa Forma”, “Dieta Já”, entre outras, e assinalam que a mídia auxilia a propagar o culto ao corpo:

“Eu acho que a mídia influencia em tudo, nas revistas, na televisão, em tudo quanto é lugar. Muito. Você só vê aquela perfeição. Eu acho também que não se pode chegar ao exagero, mas na televisão você vê aquele corpo, aquele cabelo. A mídia bombardeia a gente com imagens, então você tem que trabalhar a cabeça pra você não chegar a se sentir feia, se sentir mal” (Mulher 43, 39 anos).

“Mais uma vez a mulher, coitada, se vê escrava do culto ao corpo, o que é uma pena, a gente luta, luta, luta e mais uma vez a mídia... Eu não vou fazer cirurgia de peito por causa da estética, mas muitas estão fazendo, nós estamos sendo massacradas pela mídia.” (Mulher 69, 45 anos).

“Pode. Também por isso. Acho que tá tudo englobado e a mídia é a grande culpada. essa é minha conclusão. Porque, hoje em dia eu acho que a mídia tá tão em cima assim ... mostrando modelos, magras lindas, maravilhosas, né, é o modelo da mulher atual agora, magrinha, então é um sinal assim de beleza né, e as mulheres valorizam muito isto.” (Mulher 10, 18 anos) .

“Porque na mídia você vê o que? Estética, mulher bonita, mulher sarada, homens fortes, com corpos delineados, então o pessoal vai atrás da moda. Hoje estética é moda” (Mulher 10, 26 anos).

“Tem uma cultura do corpo, tanto é que senão não teria tanto outdoor com moça de biquíni, a academia coloca uma pessoa com um corpo bonito, qualquer produto que você vai vender, mesmo que não tenha ligação direta com o corpo, a pessoa que tá na propaganda tem um corpo bonito, beleza virou mercadoria, virou básico, necessário...” (Mulher 8, 25 anos)

“Percebo, por causa da mídia. A mídia explorou muito o bumbum perfeito, o cabelo perfeito, o peito perfeito.” (Mulher 15, 31 anos)

“Pode, pode sim, há um estímulo enorme para que se cultue estes padrões estéticos de juventude, que levam consigo a magreza, para que se seja feliz, está claramente vinculado a felicidade a isto na mídia. A mídia tem influência muito grande tanto incentivando um ideal de beleza quanto incentivando o uso de produtos para que alcance miraculosamente este ideal” (Mulher 23, 48 anos).

“Hiiii, totalmente! A mídia é umas das que mais influencia para pirar a cabeça das mulheres. Com o conceito de beleza, de quase tudo que há, para mim é bem claro.” (Mulher 58, 27 anos)

“Mídia, em primeiro lugar mídia. Você tem padrões de beleza de acordo com os séculos e a tendência do ser humano é se igualar, o ser humano não gosta de ser diferente, na grande maioria das vezes ele quer ser igual à sociedade, e aí, no oba-oba, você vai na leva além da saúde” (Mulher 44, idade não declarada).

“Eu trabalhei numa matéria outro dia, do Gabeira, e ele começou a fazer as pessoas pensarem um pouco mais sobre isso, isto no finalzinho da década de 70. Realmente as pessoas começaram a buscar exercícios, isto foi estourar mais de uns tempos pra cá, mas acho que ele que deu um toque porque ele fazia ginástica, ele corria, ele começou esta coisa de culto ao corpo e as pessoas pegaram carona na idéia e foram.” (Mulher 46, 42 anos)

Um dado interessante sobre a influência da mídia e que foi comentado de maneira espontânea por três entrevistadas é que o culto ao corpo veio na esteira dos grupos de pagode e axé, como o “É o Tchan” e com a valorização do corpo semi-desnudo e malhado das personagens “Tiazinha” e “Feiticeira”60 ( Figura 7 ) . Em todos estes casos, o corpo era claramente um fetiche, no sentido de ser exposto como perfeito e alvo dos desejos masculinos61. Criou-se todo um clima de erotização que passava pela exposição de corpos “malhados” e que contribuiu para a divulgação de um padrão de

60

Em 1999, a Rede Globo de Televisão criou dois personagens que rapidamente se difundiram por revistas, e mais, no imaginário da população. “Feiticeira”, o personagem de Joana Prado, aparecia em geral com roupas de odalisca ou biquíni e sempre com um véu cobrindo parte do nariz e a boca. “Tiazinha”, personagem de Susana Alves, aparecia numa versão light de sadomasoquista, com lingerie preta, máscara nos olhos e chicote. Ambas tinham grande apelo erótico e viraram “fetiches” e/ou símbolos sexuais. 61

A este respeito, Lauretis (1994) comenta que há diversas teóricas feministas escrevendo sobre a sexualização das mulheres no cinema e nas propagandas, desenvolvendo descrições e críticas dos discursos psicosocial, estético e filosófico, subjacente à representação do corpo feminino enquanto lugar primeiro da sexualidade e do prazer visual. Ela indica para uma melhor compreensão do tema o trabalho de Stephen Heath, “Narrative Space”, in: Questions of cinema, Bloomington, Indiana Univ. Press, 1981).

No documento Corpo e identidade feminina (páginas 198-200)