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4.6 Organização interna do material lexicográfico

4.6.1 A macroestrutura

Nesta investigação, buscamos organizar um repertório de expressões idiomáticas, de modo que as entradas foram agrupadas onomasiologicamente, isto é, do conceito para a designação, no caso conceitos relativos às emoções e que tiveram origem a partir das unidades léxicas já informadas.

Ancorando-nos em Baldinger (1966), concebemos por onomasiológica uma estrutura em que um conjunto de significações é ligado a um só conceito. Nessa linha, tomamos um conjunto de EIs que envolve um mesmo (ou próximo) conceito emocional. Baldinger (1996, p. 8) pontua que, diferentemente da semasiologia, que

considera a palavra isolada no desenvolvimento de sua significação, a onomasiologia encara as designações de um conceito particular, vale dizer, uma multiplicidade de expressões que formam um conjunto. A onomasiologia implica pois, [...] numa preocupação de ordem estrutural.

Não obstante, Baldinger ressalta que as duas estruturas – onomasiológica e semasiológica – são complementares, ou seja, são pontos de vista que se entrecruzam.

Além disso, a organização onomasiológica possibilita-nos, bem como aos usuários deste material, a observação das variantes lexicais comparando o italiano e o PB, ao mesmo tempo em que torna possível observar também a variação dentro de cada língua. Em decorrência dessas condições oferecidas, propicia a apresentação de analogias e diferenças em um determinado grupo de expressão idiomática, tanto na perspectiva intralínguas quanto interlínguas, dado que evidenciamos que muitos conceitos metafóricos dialogam entre si como uma rede. Cabe elucidar que por perspectiva intralíngua entendemos um processo interno que envolve uma mesma língua. A outra perspectiva, ao contrário, se refere a um processo externo, em que é realçada a relação entre línguas, uma vez que a língua-fonte é comparada com a língua-alvo. Dessa maneira, o critério onomasiológico mostrou-se bem satisfatório para a nossa proposta.

Um exemplo que ilustra essas considerações é dado pelo conceito “interesse”, que pode ser manifestado na língua italiana pelas lexias cuore (coração), petto (peito), mente (mente) e testa (cabeça). Por sua vez, na língua portuguesa, ele se manifesta apenas por meio das lexias “mente” e “cabeça”, conforme esquematizado a seguir:

Figura 1 – EIs que representam o conceito interesse

Ainda que as buscas possam ser realizadas onomasiologicamente, dentro de cada conceito emocional, a apresentação das expressões idiomáticas segue a ordem alfabética, quer dizer, é semasiológica.

Com o estabelecimento desses critérios, foi possível dispor as 275 expressões idiomáticas selecionadas (a lista de EIs encontra-se em 5.1) e agrupá-las em 68 diferentes conceitos emocionais, os quais englobam: afinidade; aflição-angústia; alegria-prazer; amizade; amor; ânimo; antipatia; arrogância; autonomia; cansaço; certeza; comoção; capacidade; concentração; confiança; conhecimento; consumição; coragem; covardia; dependência; desafeição; desânimo; descontrole; desinteresse; desorientação; distração; esquecimento; falsidade; frieza; generosidade-bondade; humilhação; impaciência; impulsividade; incapacidade; ingenuidade; insensatez; insensibilidade; inteligência; interesse; inépcia; irritação; lucidez; memória; orgulho; origem-predisposição; perplexidade; persuasão; perversidade; preocupação; raiva; reflexão; repulsa; resignação-tranquilidade; resistência;

responsabilidade; sacrifício; sensatez; sensibilidade; sinceridade; sofrimento; solidão; susto; teimosia; vergonha; vigor; vingança; violência; e vontade-dedicação.

Para a delimitação de tais conceitos, convém explicitar que atentamos para o conceito de prototipicidade, posto que, em consonância com Kövecses, Palmer e Dirven (2003), há emoções mais ou menos básicas (ver 3.7) e, por isso, não desconsideramos aquelas que seriam menos prototípicas.

4.6.2 A microestrutura

Uma vez identificados os conceitos emocionais que deveriam nortear cada rol de EIs que figuram sob o seu rótulo, prosseguimos com a organização dos dados contidos no interior do verbete. Assim, foi determinado um modelo de microestrutura de cada verbete, de modo que os dados foram estruturados em uma tabela dividida em duas colunas, em que o conteúdo da coluna esquerda concerne unicamente à língua italiana, enquanto o da direita é relativo à língua portuguesa. Nesse âmbito, a microestrutura elaborada é composta pela expressão idiomática na direção italiano-português, pelo contexto de uso e pela definição. Tais informações foram dispostas da seguinte forma:

(a) o conceito emocional elencado foi registrado em ordem alfabética e em negrito; (b) a entrada (a expressão idiomática italiana) foi grafada também em negrito;

(c) abaixo da EI italiana, segue o seu respectivo exemplo extraído de um contexto autêntico, além da fonte e da data de acesso;

(d) ao lado da EI italiana (na coluna da direita), foi atribuído o equivalente em português em preto e em fonte normal.

(e) na linha abaixo, consta a definição da EI feita por meio de uma linguagem denotativa. (f) algum tipo de observação, quando for o caso.

Postas essas orientações, o repertório de EIs na direção italiano-português contém a seguinte configuração:

Conceito emocional

Italiano Português do Brasil

1. Expressão idiomática em italiano. Expressão idiomática em português.

Exemplo Definição

Contextualização em italiano (Fonte. Data do acesso) Definição parafrásica.

Cumpre enfatizar que tomamos o cuidado de realizar as coletas dos exemplos, sobretudo de sites direcionados a jornais e a blogs, mas que, às vezes, retiramos o exemplo de fóruns de discussão. Isso comprova que os fraseologismos (no nosso caso específico, as expressões idiomáticas) estão tão arraigados na nossa vida diária, que, por vezes, ultrapassam textos de natureza tipicamente informal, a exemplo dos fóruns de discussão.

Salientamos também o papel relevante que o exemplo desempenha. Considerando as diversas funções que se atribuem aos exemplos, conforme Olímpio de Oliveira Silva (2006) relata, no caso do nosso estudo, acreditamos que se aplicam, essencialmente, às funções definitória e pragmática. Em relação à primeira função, tal proposição justifica-se pela capacidade de o exemplo esclarecer o sentido real da expressão por meio do seu uso contextualizado. No tocante à segunda função citada, consiste na propriedade que os exemplos possuem de mostrar o seu entorno, bem como a sua conotação. É nessa linha que os exemplos encontrados na web propiciaram complementar a definição dada pelos dicionários italianos; verificar se a EI é frequente ou não; confirmar possíveis variações lexicais, bem como o contexto de uso.

Outro aspecto a sublinhar é que quando ocorrem variações verbais, optamos por colocar a EI em uma única entrada, marcando a variação entre barras verticais paralelas. Esse procedimento é conferido às EIs das duas línguas, é o que se verifica nas expressões idiomáticas conquistare/rubare il cuore a, stare sull'anima (italiano); “conquistar/roubar o coração de”, “não passar/descer pela garganta” (português). Além disso, ressaltamos que nos casos em que houve um número maior de variação lexical no componente nominal estabelecemos também uma única entrada e usamos barras simples verticais, a exemplo da UF cuore di ferro/pietra/ghiaccio/tigre (italiano), com os equivalentes “coração de pedra/ferro/gelo”. Para as unidades fraseológicas sinônimas que possuem sentidos afins, utilizamos o sistema de remissiva. A remissiva foi feita da seguinte forma: no lugar do equivalente brasileiro, consta V. (ver.) e, em seguida, a indicação da EI italiana a ser consultada (em itálico), a qual é sempre a primeira que foi registrada em ordem alfabética, cujo sentido lhe é, de algum modo, semelhante ou afim. Isso é observado no seguinte grupo de EIs:

Inépcia

Testa d'asino – cabeça de jerico, cabeça de bagre. Testa di cazzo – V. testa d'asino.

Testa di legno – V. testa d'asino.

Ainda assinalamos que procuramos manter o nível de equivalência; foram poucas as vezes em que houve uma mudança de nível de linguagem. Quando tal fato sucedeu, indicamos a expressão idiomática como de registro vulgar. Por exemplo, o fraseologismo italiano testa di cazzo é da linguagem vulgar, mas os equivalentes atribuídos – “cabeça de jerico” e “cabeça de bagre” – não têm essa característica.

Por último, focalizamos o emprego dos parênteses a fim de evidenciar termos que podem aparecer junto da EI, mas que não são necessariamente obrigatórios, quer dizer, a EI pode aparecer sem a informação que está contida neles. São exemplos desse procedimento a expressão italiana fasciarsi la testa (prima di essersela rotta) e o seu correspondente idiomático brasileiro “esquentar a cabeça (antes da hora)”.

4.7 Procedimentos para análise do corpus

Para a análise do corpus, consideramos as expressões idiomáticas como unidades idiomáticas e fixas, mas esses traços são vistos como um continuum, além de reforçarem a expressividade (conforme Capítulo 2).

Nesse sentido, a gradação da fixação (ou indecomponibilidade) interessa-nos na medida em que a interpolação de elementos alheios à sequência favorece a intensificação da expressividade. No que tange à idiomaticidade, sem dúvida, o significado da expressão idiomática não corresponde ao significado de cada um dos seus constituintes. Não obstante, na nossa análise, consideramos que o significado literal auxilia na compreensão das expressões idiomáticas, tendo em vista que partilhamos da perspectiva de que as EIs mantêm boa parte de sua metaforicidade (GIBBS, O’BRIEN, 1990; GIBBS, 1992; TITONE, CONINE, 1999).

Ao olharmos para as EIs, caracterizadas por serem altamente expressivas devido às imagens mentais que atuam na formação da metáfora ou da metonímia e, consequentemente, no surgimento dessas unidades, percebemos que são um dos recursos linguísticos de que os falantes se valem para exprimir as suas emoções. Assim, tais processos cognitivos constituem a base da conceptualização das emoções.

Diante dessa relação, as expressões idiomáticas serão analisadas considerando que, dentro de cada campo léxico referente às designações do corpo objeto desta pesquisa, a quantidade de conceitos emocionais é significativa. Dessa maneira, com o mapeamento quantitativo dos conceitos emocionais por lexia, torna-se possível analisar a capacidade que as lexias investigadas apresentam para manifestar determinadas emoções.

A partir desse critério, a análise dos conceitos emocionais fundamenta-se nos modelos cognitivos idealizados, por conseguinte, nos esquemas de imagens, os quais colaboram para a formação dos processos metafóricos e metonímicos, processos esses que contribuem para a criação das EIs. Tais esquemas seguem a proposta de Lakoff (1987) e, ao mesmo tempo, a análise é orientada pelos tipos de metáforas postuladas por Lakoff e Johnson (2002), bem como por alguns dos fundamentos centrais acerca da concepção de metáfora e de emoção que perpassam as obras de Kövecses (2000, 2005, 2010), conforme explicitado no capítulo 3. Em razão disso, pontuamos que, do ponto de vista semântico, serão observados os esquemas de imagens, os quais mapeiam domínios conceptuais distintos.

Para a identificação desses esquemas, é essencial identificarmos o significado literal de cada item lexical e, de acordo com o que mencionamos em 2.2.2, aquilo que concebemos como tradução literal se baseia na concepção de Tagnin (1988). Nesses termos, o critério formal também assume importância, o que se alia ao fato de que, para este trabalho, os aspectos semânticos e formais estão interligados. Dessa forma, ao contrastarmos o italiano com o português brasileiro, esse critério permite focalizar os aspectos morfossintáticos e um grau maior ou menor de fixação, revelando, às vezes, a existência de variantes fraseológicas.

Nessa relação entre línguas, serão feitas referências a alguns tipos de equivalências existentes na análise dos dados desta investigação. Para tanto, apoiamo-nos nos fundamentos preconizados por Malho (2009) e por Rios e Xatara (2009). Com base na distinção dos diferentes tipos de equivalências tradutórias que cada uma dessas linguistas realiza, e relacionando-os com exemplos do material da nossa pesquisa na direção italiano-português, podemos determinar os seguintes tipos:

(a) equivalência total ocorre quando as expressões da língua-fonte e da língua-alvo apresentam o mesmo estatuto e as mesmas características, o que inclui conteúdo, extensão (o mesmo número de palavras), categorias gramaticais coincidentes, ordem sintática igual e serem lexias consideradas sinônimas nos dois sistemas linguísticos – é o que se verifica nas expressões idiomáticas abbassare la testa (“abaixar a cabeça”); scaldare il cuore (“aquecer o coração”); vender l'anima al diavolo (“vender a alma ao diabo”);

(b) equivalência quase-total ocorre quando apesar de os conteúdos serem muito semelhantes nos dois sistemas linguísticos, há a ocorrência de rearranjos morfossintáticos – como é o caso das EIs grattarsi il capo (“cocar a cabeça”); sentirsi stringere il cuore (“sentir um aperto no coração”).

(c) equivalência parcial consiste em expressões que apresentam diferentes graus de isomorfia estrutural e de congruência do componente lexical, ou seja, há um deslocamento perceptível na estrutura semântica das expressões, embora produza um efeito geral de sentido compatível, processo que pode ser ilustrado pelas EIs de nosso corpus cambiare il cervello di (“fazer a cabeça de”); sentire un tuffo al cuore (“levar um golpe duro”).

(d) a chamada pseudo-equivalência (ou equivalência aparente) tratada por Malho (2009) é característica de expressões que possuem semelhanças sintáticas e estruturais, mas seus sentidos são diferentes; um exemplo desse tipo é identificado nas EIs con il cuore in mano e “com o coração na(s) mão(s)”. Trata-se de um caso que comumente outros teóricos designam como falsos cognatos idiomáticos, entre eles Rios e Xatara (2008).

Neste capítulo, expomos como se constitui o corpus de nossa pesquisa e detalhamos os critérios que fundamentaram a análise das EIs.

Apresentamos, no próximo capítulo, o repertório das expressões idiomáticas pesquisadas organizadas onomasiologicamente pelos conceitos emocionais.

5 REPERTÓRIO DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS CORPORAIS

Este capítulo é dedicado à exposição do repertório de expressões idiomáticas corporais elaborado, as quais foram organizadas onomasiologicamente pelos respectivos conceitos emocionais na direção italiano-português.

A lista abaixo contém as 275 expressões idiomáticas italianas encontradas, organizadas em 68 conceitos emocionais.

5.1 Listagem das expressões idiomáticas italianas