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Dissemos, no início da subseção 3.4, que a metáfora, por muito tempo, foi vista como restrita à linguagem literária. Nessa linha, percebemos que o mesmo raciocínio se aplica à metonímia, quer dizer, ela foi considerada uma figura de linguagem ligada principalmente ao domínio literário, sem qualquer vínculo com as nossas atividades cotidianas. Porém, Kövecses e Radden (1999) apontam uma diferença no modo pelo qual essas duas figuras de linguagem são julgadas. Segundo eles, diferentemente da metáfora, a metonímia sempre foi descrita no plano conceptual, ao invés de descrita em termos puramente linguísticos.

Se a metáfora envolve uma transposição de domínios, a metonímia é um mecanismo cognitivo que inclui a projeção de uma categoria cognitiva dentro de um único domínio. Nesse âmbito, Dirven (2003, p. 80, tradução nossa)42 define a metonímia como “[...] um tipo de uso da língua em que o referente pretendido é nomeado por uma categoria conceptual que tem um referencial diferente, mas intimamente relacionado, referencial do que as expressões mais comuns são utilizadas para o referente pretendido.”

No que tange à distinção entre metáfora e metonímia, Lakoff e Johnson (2002) postulam que a função principal da metáfora é a compreensão, de modo que se compreende uma coisa em termos de outra. Por sua vez, a função primordial da metonímia é a referencial, nas palavras dos autores, é “usar uma entidade para representar outra”. (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 92). Nesse sentido, enfatizam que, além dessa função, a metonímia pode propiciar também o entendimento. Diante disso, ao abordar o fenômeno cognitivo em questão neste trabalho, a posição assumida aproxima-se da defendida por Lakoff e Johnson (2002) e por Dirven (2003), bem como o esquema de imagem parte-todo enfocado em 3.3.2, que se fundamenta em Lakoff (1987).

Na metonímia, geralmente, uma característica particular de uma entidade é selecionada para ser destacada. É o que se observa nas relações de substituição citadas por Lakoff e Johnson (2002), “da parte pelo todo”, “do produtor pelo produto”, “do objeto pelo usuário”, “do controlador pelo controlado”, “da instituição pela pessoa responsável”, “do lugar pela instituição”, etc. Esses semanticistas exemplificam o primeiro conceito metonímico com a expressão “tem boa cabeça”, e, ao relacionarmos esse exemplo com ocorrências do nosso corpus, encontramos a expressão idiomática “ter boa cabeça” correspondente à EI italiana avere buona testa. Quando dizemos que uma pessoa “tem boa cabeça” (no italiano, ha buona testa), é uma expressão que apresenta dois sentidos, e, no caso, os elementos “boa cabeça” (buona testa) são empregados para designar tanto pessoas inteligentes quanto aquelas que têm boa memória. Assim, de acordo com esse exemplo, a inteligência e a memória são associadas à cabeça (parte) para representar a pessoa (todo).

Com efeito, a relação que existe na metonímia é a de contiguidade, estabelecida entre duas entidades. Se comparada com a metáfora, são possíveis certas semelhanças. Dessa maneira, Lakoff e Johnson (2002, p. 93) sublinham que ambas proporcionam a focalização de determinados aspectos da entidade a que se faz referência. Além disso, essas figuras de linguagem não funcionam só como um recurso poético ou retórico. Segundo os referidos

42 […] a type of language use where the intended referent is named by a conceptual category that has a different, but closely related, referential mass than the common expression(s) used for the intended referent.

estudiosos, “conceitos metonímicos (como PARTE PELO TODO) fazem parte da maneira como agimos, pensamos e falamos no dia-a-dia.” (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 93).

Nessa direção, do mesmo modo que as metáforas, se os conceitos metonímicos têm ligação não só com a linguagem, mas também com os nossos pensamentos e com as nossas ações; logo se baseiam nas nossas experiências. Tomando por base esse pressuposto e de que as nossas experiências como seres humanos são inúmeras, partilhamos da concepção de que seja concebível uma expressão linguística com metáforas e metonímias, isto é, com uma intersecção de ambas. É nessa perspectiva que Kövecses (2010, p. 187-188, tradução nossa)43 assevera que “expressões linguísticas particulares nem sempre são claramente metáforas ou metonímia. Frequentemente, o que encontramos é uma expressão que contém ambas; as duas figuras misturam-se em uma única expressão”. Se essa situação descrita ocorre, há, portanto, uma interação entre os processos metafóricos e metonímicos.

Para Dirven (2003), relações cognitivas com essas características são explicadas na medida em que, além do referencial diferente, há o significado figurado em destaque. A fim de elucidar os aspectos pontuados por esse pesquisador, optamos por ilustrá-los por uma expressão que integra o corpus de nossa pesquisa: “ter uma grande cabeça”. Ao atentarmos para o seu significado, observamos que pode abranger tanto um significado denotativo (uma referência ao formato da cabeça) quanto conotativo (uma alusão à inteligência de alguém). Assim, no que concerne ao último significado, de acordo com a visão de Dirven (2003, p. 83), ainda que se refira aos aspectos físicos, o foco são os aspectos mentais, ou seja, não físicos. Desse modo, identificamos que há uma transferência de domínios, do concreto (físico) para o abstrato (mental), noção essa que se aproxima muito da definição de metáfora.

Considerando a relação que se estabelece entre tais processos cognitivos, reconhecemos que é possível encontrar uma interação entre a metáfora e a metonímia em ocorrências de nosso corpus, preconizando, dessa forma, a importância de ambas no processo conceptualização.

Em razão da necessidade de nos apoiarmos em uma definição de emoção que atenda aos propósitos desta pesquisa, discutiremos como a emoção é concebida de um ponto de vista científico na próxima subseção.

43 Particular linguistic expressions are not always clearly either metaphors or metonymies. Often, what we find is that an expression is both; the two figures blend in a single expression.