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No tópico anterior, referimo-nos ao trabalho de Tomkins (2008) que classifica as emoções em positivas, negativas e neutras. No entanto, já esclarecemos que não é do nosso interesse classificar as emoções em tipos, agrupando as expressões idiomáticas em conceitos emocionais genéricos. O nosso objetivo, ao contrário, é defini-las em conceitos emocionais mais específicos, a fim de verificar possíveis especificidades entre as duas línguas. Vale fazer a ressalva de que, para facilitar a investigação, reunimos as EIs em conceitos mais gerais em alguns casos.

Ao adotarmos esse tipo de delimitação, estamos relacionando a prototipicidade (ver 3.2) às expressões que exprimem emoção, de modo a considerar as emoções como categorias não discretas, quer dizer, que determinados tipos de emoções podem ser mais representativos, o que não significa desconsiderar os tipos menos prototípicos. É nesse sentido que as emoções são vistas como “mais ou menos básicas”, o que está em consonância com o estudo de Kövecses, Palmer e Dirven (2003), pesquisadores que fazem uso do conceito de prototipicidade, ao distinguirem palavras que expressam emoção. Para eles, alguns conceitos emocionais são mais básicos ou prototípicos do que outros. Assim, ao tomarem como referência a língua inglesa, as emoções mais básicas incluem raiva, tristeza, medo, felicidade e amor. Ao passo que as menos básicas abrangem irritação, ira, fúria, ódio, indignação, susto e horror.

Para os referidos especialistas, emoções mais básicas “[...] podem significar duas coisas (ao menos vagamente falando). Uma é que essas palavras (ou mais precisamente, os conceitos correspondentes a elas) ocupam um nível intermediário em uma hierarquia vertical de conceitos.” (2003, p. 137, tradução nossa)49. Para ilustrar melhor, Kövecses, Palmer e Dirven (2003) exemplificam esse fundamento por meio do conceito raiva, que, segundo eles, é mais básico do que, por exemplo, o conceito irritação. Outra leitura, segundo esses semanticistas, é que uma categoria particular de emoção pode ser considerada um melhor exemplo (diríamos mais prototípico) do que outra do mesmo nível. Para tanto, demonstram essa proposição comparando a raiva à esperança ou ao orgulho (mesmo nível horizontal), já que o primeiro conceito é mais básico do que os outros dois.

Na mesma orientação do que Kövecses, Palmer e Dirven (2003) propõem, ao enunciarem que uma determinada categoria de emoção pode ser mais prototípica do que outra, podemos inferir que da associação entre a emoção com uma dada designação do corpo humano, pode haver emoções mais prototípicas, que se constituiriam como melhores exemplos. Um exemplo de emoção prototípica associada com o coração é o amor (NIEMEIER, 2008), associação essa que fez o coração ser visto como a sede das emoções. Contrariamente a essa associação, de acordo com Niemeier (2008, p. 358), a cabeça é vista como o lugar do pensamento racional. Entretanto, salientamos que essa é uma visão típica das culturas ocidentais e que, em virtude disso, evidencia um modelo cultural. Trata-se de uma visão que foi convencionada culturalmente. Se para as culturas ocidentais cristalizou-se dessa maneira, para as culturas orientais, especificamente para a cultura chinesa, o coração é

49 […] can mean two things (at least, loosely speaking). One is that these words (or more precisely, the concepts corresponding to them) occupy a middle level in a vertical hierarchy of concepts.

conceituado como o centro das atividades cognitivas (YU, 2008). Como dissemos no tópico anterior, não estamos nos fundamentando nesse tipo de visão dicotômica, uma vez que, para esta investigação, a emoção não está restrita a sentimento, pois também envolve o conteúdo conceptual. Nessa perspectiva, reconhecemos que não só o amor tenha uma associação direta com o coração nas culturas italiana e brasileira, mas como outras emoções, conforme discutiremos na análise dos dados, e que as outras lexias investigadas podem ter conceitos mais representativos.

Ainda a respeito da conceptualização das emoções, assinalamos que é possível que os protótipos de emoção variem culturalmente. Para Wierzbicka (1992, p. 131, tradução nossa)50, “diferentes sistemas de termos de emoção refletem diferentes maneiras de conceituar as emoções, e, inversamente, as semelhanças entre culturas na conceptualização das emoções serão refletidas na forma que diferentes sociedades convergem na rotulagem das emoções.” Desse modo, se tomarmos as representações mentais, cada cultura pode conceituar a sua realidade de uma forma diferente.

De acordo com a discussão e reflexão realizadas neste capítulo, entendemos a Semântica Cognitiva como uma ciência que se distingue das outras abordagens semânticas pelo fato de se caracterizar por uma abordagem conceptual. Dada essa característica, a Semântica Cognitiva concebe o significado de uma expressão linguística dentro de uma representação mental do mundo, no sentido de que o significado não reflete só os aspectos linguísticos, mas a sua estruturação conceptual e as nossas experiências enquanto seres humanos. Nesses termos, a linguagem é vista de uma perspectiva conceptual e aliada ao conteúdo experiencial, ou, em outras palavras, é uma forma de conceituar a realidade.

Considerando esses aspectos que norteiam a Semântica Cognitiva, tratamos da prototipicidade, dos modelos cognitivos idealizados, dos esquemas de imagens, da metáfora, da metonímia e da concepção de emoção. Destacamos que a metáfora foi abordada como um fenômeno inerente à linguagem, ligado ao pensamento e também ao corpo. Além disso, é a partir da conceptualização metafórica dos nossos corpos que, substancializada pela linguagem, possibilita que os indivíduos compreendam as emoções.

Dessa forma, as considerações feitas acerca da Semântica Cognitiva – bem como as demais apreciações – sejam relevantes aos nossos propósitos, visto vez que nos orientarão na

50 Different systems of emotion terms reflect different ways of conceptualising emotions, and conversely, any cross-cultural similarities in the conceptualisation of emotions will be reflected in the ways different societies converge in the labelling of emotions

análise das expressões idiomáticas corporais de nosso corpus, levando em conta principalmente que muitos dos conceitos emocionais são provenientes tanto do funcionamento dos nossos corpos como das experiências que temos com eles.

Com esse direcionamento do nosso olhar para o material fraseológico, alguns desses subsídios teóricos serão retomados no capítulo reservado à análise e discussão dos dados. No capítulo seguinte, explicitaremos a metodologia que foi utilizada nesta investigação.

4 METODOLOGIA DA PESQUISA

A partir da revisão teórica empreendida no capítulo anterior, a proposta deste capítulo é apresentar os aspectos metodológicos que foram seguidos concernentes a esta investigação, de modo a possibilitar o cumprimento dos objetivos propostos.

Desse modo, este capítulo foi dividido em sete seções, nas quais descrevemos: (1) como se deu o levantamento das EIs da língua italiana; (2) as definições que os dicionários atribuem a cada um dos itens lexicais investigados – cuore (coração), testa (cabeça), capo (cabeça), cervello (cérebro), mente (mente), anima (alma), sangue (sangue), fegato (fígado) e petto (peito); (3) a busca de seus correspondentes em língua portuguesa; (4) a utilização da World Wide Web como um ambiente adequado para esse tipo de pesquisa; (5) o levantamento dos exemplos; (6) a macroestrutura do repertório de EIs e a microestrutura dos verbetes; (7) os procedimentos empregados na análise do nosso corpus.

Nesses termos, tomando por base essas nove lexias italianas mencionadas, foi feito um levantamento das expressões idiomáticas que as contemplam, que será relatado a seguir.