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SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

CARACTERÍSTICA FRAGMENTADO SISTEMA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE

4.3 A MACRORREGULAÇÃO E A MICRORREGULAÇÃO NA SAÚDE SUPLEMENTAR

A regulação da saúde suplementar, amparada pelas leis 9656/98 e 9965/00, trouxe novos desafios e perspectivas ao setor. Em um primeiro momento, a preocupação maior foi com a adequação econômico- financeira das operadoras frente a essa nova forma de organização e novas exigências da ANS. Passada essa fase, a ANS como componente macrorregulador do subsistema de saúde suplementar, tem trabalhado com a perspectiva de melhorar a qualidade da atenção à saúde prestada, principalmente, focando em modelos assistenciais voltados para a

promoção da saúde e prevenção, rompendo com a lógica curativista e de livre demanda, característica do setor.

Contudo, frente às imposições legais, as operadoras e prestadores têm desenvolvido ferramentas microrregulatórias como meio de se manter no mercado. Algumas delas são a instituição de protocolos, de mecanismos de referências e fluxos que dificultam a solicitação de alguns procedimentos, co-pagamentos, entre outros. A compreensão desse processo microrregulatório tem sido considerada importantíssima para viabilizar uma nova perspectiva de regulação (MALTA et al., 2004).

Visando facilitar o entendimento do processo regulatório na saúde suplementar, Cecílio et al. (2005) propõem um diagrama para a visualização da cartografia do campo regulatório da ANS, abrindo a discussão sobre como atuar com vistas à transformação e à ampliação do processo de regulação, incorporando a perspectiva assistencial (Figura 6).

Figura 6. Cartografia do campo regulatório da ANS

Fonte: Cecílio et al. (2005).

A cartografia da regulação apresentada se distingue em dois planos: o campo A, considerado o da macrorregulação, é composto pela legislação e regulamentação determinadas pelos poderes Legislativo e Executivo federais, pela ANS e outros entes governamentais. Dessa forma, é “o braço do Estado que se projeta sobre o mercado” (CECÍLIO et al., 2005).

O Campo B, denominado como o da microrregulação, representa as relações que se estabelecem entre operadoras, prestadoras e beneficiários, sem uma clara intervenção do estado. Cecílio et al.

(2005) afirmam que nesse campo se estabelecem os espaços relacionais que compõem o mercado de seguros privados de saúde propriamente dito.

O processo de regulação se insere, portanto, dentro de um cenário de disputas e de interesses conflitantes, que determinam o seu formato e alcance. Em um sistema assistencialmente regulado, o usuário, ao adentrar a rede de serviços, passa a ser direcionado pelo sistema. A microrregulação, ou regulação assistencial, traduz esse cotidiano da operação do sistema a partir das regras estabelecidas na macrorregulação (SANTOS; MERHY, 2006).

A macrorregulação pode se estabelecer em bases sociais públicas, como as defendidas pela reforma sanitária brasileira e inscritas nos postulados legais do SUS, ou em bases corporativas ou tecnocráticas apoiadas nos interesses dos mercados privados. Uma vez que não existe sistema sem regulação, a diferença se dá a partir das premissas e disputas que a orientam. Nesse entendimento, o agente regulador, dentro de dado contexto histórico e político, busca regular os serviços de saúde segundo os interesses da sua representação, direcionando a produção da saúde para os seus macroobjetivos (SANTOS; MERHY, 2006).

A complexidade do processo regulatório da saúde suplementar também ocorre por se dar em um campo já previamente regulado pelo Estado, tanto no que se refere ao espaço relacionado aos prestadores (onde as entidades de classe atuam no sentido de ordenar as práticas profissionais, inclusive com o objetivo de resguardar a autonomia destas práticas), como no espaço relacionado às operadoras, que são regidas por um arcabouço de leis e regulamentações preexistentes e específicas para cada modalidade empresarial. Ainda cabe incluir a força de trabalho tanto das operadoras como dos prestadores, que é regida pelas leis trabalhistas e a legislação referente às questões tributárias (CECÍLIO et al., 2005).

Pode-se dizer então que a atuação da ANS significa a pretensão de uma forte regulação do Estado sobre um “mercado” que não é um mercado genérico, mas um mercado com características histórico- sociais bem singulares, específicos do nosso país, com sua história de relações ambíguas com o Estado (CECÍLIO et al., 2005).

Há que se que considerar ainda uma possível expansão da atenção gerenciada ou gerenciamento do cuidado (managed care) no subsistema de saúde suplementar. A atenção gerenciada se caracteriza pela organização de serviços de atenção à saúde sob o controle administrativo de grandes organismos privados, os quais intermediam a

relação entre produtores de serviços e consumidores. Representa o controle do ato médico, onde não há a priori uma preocupação com a produção do cuidado, do ponto de vista do atendimento às necessidades do usuário, mas uma ação reguladora externa, visando à redução de custos (IRIART, 2000 apud MALTA et al., 2004).

A atenção gerenciada pode ser considerada um importante analisador da Reestruturação Produtiva e da Transição Tecnológica na saúde. Segundo Merhy e Franco (2006), a reestruturação produtiva pode ser definida como

as novidades introduzidas nos sistemas produtivos, que impactam os processos de trabalho, geram mudanças no modo de elaborar os produtos, e efetivamente até mudam a forma de assistir às pessoas. Essas inovações podem se dar de diversas formas, não determinadas a priori, mas verificadas a partir do momento que estruturam novos modos de produção e organização dos processos de trabalho. Em geral, buscam alterar a conformação tecnológica do processo produtivo e introduzem mudanças organizacionais nos mesmos.

É válido dizer que a reestruturação produtiva pode promover a inversão das tecnologias de trabalho ou não, pode significar apenas uma forma nova de se organizar a produção da saúde, sem necessariamente alterar seu núcleo tecnológico, ou seja, nem todo processo de reestruturação produtiva conduz a uma transição tecnológica. Sendo assim, compreende-se que a transição tecnológica é como um novo padrão de produção do cuidado, que altera não apenas o modo de organização do processo produtivo, mas inverte o núcleo tecnológico do cuidado, buscando implementar um reordenamento na lógica dos processos assistenciais, modificando a composição das modalidades tecnológicas neles presentes. Verifica-se na transição tecnológica a hegemonia das tecnologias mais relacionais, a partir do trabalho vivo em ato, ou seja, além das tecnologias leves o protagonismo dos trabalhadores na produção do cuidado é central para definir um processo de mudança como o que é proposto na transição tecnológica (MERHY; FRANCO, 2006; MENESES et al, 2013).

Desta forma, a atenção gerenciada parte da premissa que o controle administrativo do processo produtivo é capaz de estancar o crescente consumo de procedimentos e com isso, reduzir os custos operacionais das operadoras. Para exercer esse controle, estas identificaram que é necessário controlar o trabalho vivo dos prescritores

e seu processo decisório, que passa de solitário e privado para público e partilhado, momento em que surge a figura do “auditor”, com poder de autorizar ou não procedimentos, em cima de protocolos onde os parâmetros estão previamente fixados (MERHY; FRANCO, 2006).

Por conta dos elementos que opera, a atenção gerenciada introduz novos mecanismos no espaço microrregulatório, que impactam nos espaços relacionais, tais como: contratação seletiva de prestadores e constituição de rede; gerenciamento da utilização de serviços finais e intermediários, com adoção de protocolos clínicos; introdução do profissional generalista na “porta de entrada”; requisição de autorizações prévias; revisão/supervisão das práticas médicas; adoção de incentivos financeiros e não financeiros aos prestadores para conter custos; remuneração condicionada à verificação das práticas do prestador; negociação de preços em função do número de pacientes; e adoção de incentivos financeiros e não financeiros aos beneficiários para induzir a escolha de prestadores associados aos planos ou aqueles considerados preferenciais (CECÍLIO et al., 2005).

Em função destas questões, vem à tona o questionamento sobre até onde território da microrregulação poderá ser regulado, uma vez que o protagonismo dos atores deste espaço constrói ativamente seus próprios mecanismos de regulação, os quais com sua lógica própria acabam “escapando” do conjunto de normas, resoluções, portarias, leis e decretos da ANS. A política de qualificação da saúde suplementar poderia contribuir nesta questão e ser um caminho para o estabelecimento de novas práticas de micro e macrorregulação, pois a avaliação dos resultados obtidos possibilita que a ANS monitore o desempenho do setor como um todo e torna mais transparente o processo de prestação de serviços, bem como estimula a melhoria da qualidade e do desempenho da saúde suplementar (CECÍLIO et al., 2005; BRASIL, 2011a).

4.4 DIMENSÕES PARA A ANÁLISE DO MODELO DE ATENÇÃO