• Nenhum resultado encontrado

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

CARACTERÍSTICA FRAGMENTADO SISTEMA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE

4.1.2 As atuais propostas de modelos de atenção às condições crônicas

Mendes (2011; 2012), ao falar sobre o tema Redes de Atenção à Saúde, afirma que são três os elementos constitutivos de uma rede: a população, a estrutura operacional e o modelo de atenção à saúde, sendo este um sistema lógico que organiza o funcionamento das RAS, articulando, de forma singular, as relações entre a população e suas subpopulações estratificadas por riscos, os focos das intervenções do sistema de atenção à saúde e os diferentes tipos de intervenções sanitárias.

Um modelo de atenção é definido em função da visão prevalecente da saúde, das situações demográfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde vigentes em determinado tempo e em determinada sociedade. A necessidade de se mudar os sistemas de atenção à saúde para que possam responder com efetividade, eficiência e segurança às situações de saúde dominadas pelas condições crônicas, levou ao desenvolvimento dos modelos de atenção à saúde dirigidos ao manejo destas condições (MENDES, 2012).

A proposta de um modelo de atenção às condições crônicas para o SUS (MACC) foi desenvolvida por Mendes (2011) a partir de alguns modelos já discutidos e avaliados na literatura: o Modelo de Atenção Crônica (Chronic Care Model -CCM), o Modelo da Pirâmide de Risco (MPR) e o Modelo de Determinação Social de Dahlgren e Whitehead (MENDES, 2011).

O CCM compõe-se de seis elementos, subdivididos em dois grandes campos: o sistema de atenção à saúde e a comunidade. No sistema de atenção à saúde, as mudanças devem ser feitas na organização da atenção à saúde, no desenho do sistema de prestação de serviços, no apoio às decisões, nos sistemas de informação clínica e no autocuidado apoiado. Na comunidade, as mudanças estão centradas na articulação dos serviços de saúde com os recursos da comunidade. Esses seis elementos apresentam inter-relações que permitem desenvolver usuários informados e ativos, e equipe de saúde preparada e proativa para produzir melhores resultados sanitários e funcionais para a população. A figura abaixo representa o CCM e foi originalmente apresentada por Wagner (1998) e traduzida por Mendes (2011).

Figura 2. O modelo de atenção crônica (CCM).

Fonte: Wagner (1998), com tradução de Mendes (2011).

Um segundo modelo que está presente na construção do MACC é o modelo da pirâmide de riscos (MPR), conhecido, também, como modelo da Kaiser Permanente (KP), uma operadora de planos de saúde dos Estados Unidos que o desenvolveu e o implantou na sua rotina assistencial. Ele permite estratificar as pessoas portadoras de condições crônicas em três grupos, onde o primeiro seria constituído por portadores de condição leve, mas com forte capacidade de autocuidado e/ou com sólida rede social de apoio; o segundo por portadores de condição moderada e o terceiro por portadores de condição severa e instável e com baixa capacidade para o autocuidado (MENDES, 2012).

Este modelo tem sido utilizado em diversos países além dos EUA, como Canadá, Reino Unido, Austrália e Dinamarca, sendo que ele também se apoia na teoria do espectro da atenção à saúde, advinda do NHS. Nela, os cuidados em saúde variam de 100% de autocuidado apoiado (por exemplo, escovação regular dos dentes) até 100% de cuidado profissional (por exemplo, um procedimento cirúrgico). Entre esses dois extremos há um gradiente de autocuidado apoiado e de cuidado profissional, que varia em função da complexidade dos riscos, de tal forma que pessoas com condições crônicas simples terão uma proporção de autocuidado apoiado maior em relação ao cuidado

profissional, que as pessoas portadoras de condições crônicas muito ou altamente complexas (UNITED KINGDON, 2005; MENDES, 2012). Figura 3. O modelo da Pirâmide de Riscos.

Fonte: Mendes (2012).

Ao se fazer um paralelo deste modelo com a realidade da ESF, verifica-se a importância da estratificação da população com condições crônicas, uma vez que se podem oferecer maiores cuidados profissionais a quem mais necessita, organizando a distribuição relativa do autocuidado e do cuidado profissional, e consequentemente, a agenda dos profissionais de saúde, tomando-se o cuidado de sempre cruzar o estrato de risco com a capacidade pessoal de autocuidado (MENDES, 2012).

O terceiro modelo que influenciou a construção do MACC foi o Modelo de Determinação Social de Dahlgren e Whitehead. Este modelo inclui os determinantes sociais da saúde dispostos em diferentes camadas concêntricas, segundo seu nível de abrangência, desde uma camada mais próxima aos determinantes individuais até uma camada distal onde se situam os macro-determinantes. O modelo enfatiza as interações: estilos de vida individuais estão envoltos nas redes sociais e comunitárias e nas condições de vida e de trabalho, as quais, por sua vez, relacionam-se com o ambiente mais amplo de natureza econômica, cultural e econômica (MENDES, 2011, 2012).

Figura 4. O modelo da determinação social da saúde de Dahlgren e Whitehead

Fonte: Dahlgren e Whitehead (1991 apud MENDES, 2011).

Há três perspectivas distintas de entendimento da saúde pública contemporânea: a primeira, a da determinação social da saúde, considera que a maneira de obter resultados sustentados na saúde é por meio de transformações de longo prazo das estruturas e das relações da sociedade; a segunda, voltada para ações específicas sobre condições de saúde singulares através de programas verticais; e a terceira, o enfoque sistêmico que procura comunicar horizontalmente as organizações do setor saúde. O MAAC permite integrar essas três perspectivas que se complementam, uma vez que há evidências de que os sistemas de atenção à saúde são, por si só, um importante determinante social da saúde (MENDES, 2012).

O MACC foi desenvolvido com base nos modelos apresentados, mas se diferencia deles porque foi concebido para o SUS, que como um sistema público universal, deve ser marcado por valores de solidariedade e cooperação. Sua base principal é o CCM, no entanto ele agrega outros elementos para ajustá-lo a esta singularidade, uma vez que o CCM foi concebido originalmente para o ambiente do sistema de atenção à saúde dos Estados Unidos, fortemente marcado por valores da sociedade americana, dentre eles o auto interesse e a competitividade (MENDES, 2012).

Sendo o SUS um sistema público de atenção à saúde com responsabilidades claras sobre territórios e populações, o MACC precisava incorporar um modelo de gestão de base populacional e que

trabalhasse com a estratificação da população segundo riscos, ou seja, o MPR. Além disso, por operar com uma perspectiva ampla de saúde que deriva do mandamento constitucional, o SUS também precisava de um modelo que acolhesse os diferentes níveis da determinação social da saúde, o que explica a expansão do MACC para incorporar o modelo de Dahlgren e Whitehead (MENDES, 2012).

A figura a seguir representa o MACC que deve ser lido em três colunas: na coluna da esquerda, está a população total estratificada em subpopulações por estratos de riscos; na coluna da direita estão os diferentes níveis de determinação social da saúde: os determinantes intermediários, proximais e individuais; e na coluna do meio estão os cinco níveis das intervenções de saúde sobre os determinantes e suas populações: intervenções promocionais, preventivas e de gestão da clínica.

Figura 5. O Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC)

Fonte: Mendes (2011; 2012)

A partir da figura e trazendo a proposta do modelo para a realidade da ESF, pode-se dizer que o lado esquerdo corresponde a diferentes subpopulações de uma população total sob responsabilidade da ESF, estratificadas por riscos, o que constitui o alicerce da gestão da saúde com base na população. O conhecimento da população da ESF envolve um processo complexo, que vai desde a territorialização e o

cadastramento das famílias até a classificação das famílias por risco sócio sanitário e a identificação das subpopulações com fatores de riscos proximais e biopsicológicos, com condições de saúde estabelecidas por estratos de riscos e com condições de saúde muito complexas (MENDES, 2012).

O meio da figura representa as principais intervenções de saúde em relação à população/subpopulações e aos focos prioritários das intervenções sanitárias, sendo que nos níveis 1 e 2 ainda não há uma condição de saúde estabelecida. As intervenções no nível 1 são de promoção da saúde, em relação à população total e com foco nos determinantes sociais intermediários, sendo que o modo de intervenção é por meio de projetos intersetoriais que articulem ações de serviços de saúde com ações de melhoria habitacional, de geração de emprego e renda, de ampliação do acesso ao saneamento básico, de melhoria educacional dentre outras. No nível 2, as intervenções são de prevenção das condições de saúde, com foco nos determinantes proximais da saúde ligados aos comportamentos e aos estilos de vida, os quais são considerados fatores de risco modificáveis e potenciados pelos determinantes sociais intermediários e distais. Os mais importantes são o tabagismo, a alimentação inadequada, a inatividade física, o excesso de peso e o uso excessivo de álcool (MENDES, 2012).

Ao fazer um paralelo com a saúde bucal, sabe-se que tais fatores influenciam sobremaneira as condições de saúde bucal, sendo que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu documento intitulado “World Health Report 2002”, já alertava que mudanças no estilo de vida da população mundial, tais como dieta rica em açúcar, aumento no consumo de tabaco e álcool têm predisposto a doenças crônicas não- transmissíveis assim como às doenças bucais. Desta forma, coloca-se como desafio para os sistemas de saúde coordenar ações de promoção da saúde e prevenção de doenças bucais com a intervenção nos fatores de risco para as doenças crônicas não-transmissíveis, buscando articulação entre as ações, através da abordagem de fatores de risco comuns, sugerida como proposta para o modelo assistencial em saúde bucal internacionalmente e no Brasil (SHEIHAM; WATT, 2000; PETERSEN, 2003; MOYSÉS, 2008).

A partir do nível 3 existe uma condição de saúde ou um fator de risco biopsicológico estabelecido e assim, opera-se principalmente por meio das intervenções de autocuidado apoiado, ofertadas por uma equipe multiprofissional da ESF. Já no nível 4, opera-se equilibradamente entre o autocuidado apoiado e o cuidado profissional,

sendo necessária uma atenção cooperativa dos generalistas da ESF e dos especialistas. Nestes dois níveis concentram-se a grande maioria da população com condições crônicas de saúde (MENDES, 2012).

Por último, no nível 5 concentram-se as pessoas com necessidades de saúde muito complexas, para as quais se destinará o maior aporte de recursos. As necessidades dessas pessoas convocam uma tecnologia específica de gestão da clínica, a gestão de caso, com uma alta concentração de cuidado profissional. A gestão de caso (case management) é o processo cooperativo que se desenvolve entre um profissional e uma pessoa portadora de uma condição de saúde muito complexa e sua rede de suporte social para planejar, monitorar e avaliar opções de cuidados e de coordenação da atenção à saúde. Ela cumpre vários objetivos: advogar as necessidades e as expectativas de pessoas usuárias em situação especial; prover o serviço certo à pessoa certa; aumentar a qualidade do cuidado; e diminuir a fragmentação da atenção à saúde. Mas o objetivo terminal da gestão de caso é a qualidade da atenção à saúde e o uso eficiente dos recursos, de modo a dar o máximo possível de autonomia e independência às pessoas (MENDES, 2012).

Coube aqui este comentário sobre a gestão de caso, por ser uma das tecnologias da gestão da clínica, a qual é derivada de conceitos oriundos da atenção gerenciada ou gerenciamento do cuidado (managed care). O managed care, desenvolvido no sistema de saúde americano, consiste em um painel de instrumentos de financiamento e gestão, sendo que no Brasil muitas operadoras de planos de saúde utilizam parte destes dispositivos como ferramenta microrregulatória, como veremos mais a frente neste mesmo capítulo.

Sendo assim, o MACC é uma proposta de modelo de atenção a ser incorporado no SUS que possibilitará reorganizar e integrar os serviços de saúde por meio das Redes de Atenção, estabelecendo um novo ciclo para superar os desafios estruturais da ESF. Sua implementação passa por um processo de mudança cultural complexo, porém viável, pois segundo Mendes (2012) “a ESF não é um problema sem soluções; a ESF é uma solução com problemas”.

Na visão da pesquidadora, é imprescindível que o MACC, ao ser adotado como referência para o SUS, incorpore a atenção à saúde bucal, dada a inter-relação das condições bucais com a grande maioria das doenças crônicas. Desta forma, seria possível reverter o quadro histórico de descaso com a saúde bucal no sistema público, comprovado pela menor abrangência dos serviços, quando comparados à assistência médica, e pelo caráter excludente das ações, que ainda hoje se

direcionam às crianças e adolescentes em fase escolar (PERES K. G. et al, 2012), um dos grandes entraves para a efetivação da Política Nacional de Saúde Bucal.

4.2 O SUBSISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR E O MIX