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O SUBSISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR E O MIX PÚBLICO-PRIVADO DO SISTEMA BRASILEIRO

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

CARACTERÍSTICA FRAGMENTADO SISTEMA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE

4.2 O SUBSISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR E O MIX PÚBLICO-PRIVADO DO SISTEMA BRASILEIRO

Como visto anteriormente no marco contextual, a caracterização do sistema de saúde brasileiro se dá pela articulação entre público e privado, sendo que alguns autores o dividem em sistemas, subsistemas ou ainda em subsetores (MENDES, 2001; PAIM et al., 2011; BRASIL, 2011a). Frente à diversidade de termos para a saúde suplementar no Brasil optamos por abraçar a denominação de subsistema para melhor compor e estruturar o marco conceitual do objeto deste estudo, uma vez que desta forma fica claro que a saúde suplementar está dentro do contexto do SUS, que constitucionalmente é definido como um “Sistema Único”, apesar de ser livre à iniciativa privada.

É importante compreender, também, por que o setor de planos de saúde no Brasil é denominado suplementar. Essa denominação integra a classificação utilizada pelas seguradoras e significa a opção de pagar um seguro privado para ter acesso à assistência médica, a despeito da manutenção da contribuição compulsória para a seguridade social, que inclui o direito ao acesso ao serviço público por meio de um sistema nacional de saúde (BRASIL, 2011a).

Já na concepção da OECD, existem quatro categorias de assistência à saúde nas quais o setor de planos e seguros pode se encaixar: suplementar, complementar, duplicada e principal. Considerando que uma categoria não exclui outra, o setor de planos e seguros de saúde pode ter características de mais de uma delas no mesmo país, dependendo do desenvolvimento do setor público de saúde e da política governamental para o setor. Nesta classificação, para desempenhar um papel de suplementaridade, os planos e seguros privados de saúde deveriam oferecem uma cobertura não ofertada pelo setor público (OECD, 2004; BRASIL, 2011a).

Desta forma, o subsistema de Saúde Suplementar estaria mais de acordo com as características de um sistema duplicado ou paralelo quanto à cobertura de serviços de saúde, pois oferece às pessoas que já estão cobertas pelo sistema público de saúde uma cobertura privada alternativa com o mesmo “cardápio” de serviços, diferenciados apenas em termos de hotelaria, de uma maior facilidade para agendar o

atendimento e da maior possibilidade de escolher medicamentos não genéricos (SANTOS; UGÁ; PORTO, 2008; BRASIL, 2011a).

Verifica-se que a separação dos setores público e privado, embora possível na teoria, não o é no cotidiano da ação em saúde, pois ocorrem combinações e entrecruzamentos entre a oferta pública e privada dos serviços. Muitos prestadores privados (hospitais com e sem fins lucrativos, serviços de apoio diagnóstico, ambulatórios médicos e outros) prestam serviços tanto ao SUS quanto a pacientes dos seguros de saúde privados, sendo que, em muitos casos, o padrão de cuidado é dual e depende do valor recebido por paciente. Com isso, a inserção da população no sistema de saúde e a consequente utilização dos serviços não se dão de forma linear e unidirecional (FINKLER et al., 2009; VICTORA et al., 2011).

Esta duplicação do sistema, bem como a segmentação do acesso, têm se constituído em uma característica perversa e consequentemente, uma das questões centrais na análise dos problemas do SUS, pois enquanto a população pobre só tem acesso ao SUS, os usuários do subsistema privado podem constitucionalmente utilizar o sistema público, o que se dá, geralmente, para exames e procedimentos mais sofisticados e para acesso a medicamentos mais custosos (CONILL et al., 2008).

Entre as consequências da segmentação do sistema podem ser elencadas: o elevado padrão de gastos privados com saúde, especialmente com planos de saúde, comprovado pelos dados da PNAD (BRASIL, 2010); a transferência de riscos relacionados com custos assistenciais para as famílias, em função do padrão de competição e autonomia dos prestadores de serviços; o padrão diferenciado, segundo condição de cobertura, de utilização de serviços, no que se refere a quantidade de serviços e qualidade da atenção prestada (BAHIA, 2005).

Outra consequência se dá em relação ao aporte de recursos financeiros, sendo que as discussões sobre o orçamento para a saúde envolvem tanto os pleitos por aumento de recursos para o sistema público, quanto os relativos à ampliação das isenções fiscais, créditos e anistias de dívidas para estabelecimentos e prestadores privados (BAHIA, 2009). O estímulo à aquisição de planos privados de saúde, especialmente pela legislação tributária, que permite a dedução destas despesas do imposto de renda, considerado um subsídio altamente regressivo, pode significar um enfraquecimento na capacidade de financiamento do SUS. Alia-se a isto a necessidade de uma regulação mais rígida na questão do ressarcimento ao SUS, quando os pacientes

com seguros privados utilizarem serviços públicos e a redefinição do papel do setor privado no SUS, para minimizar a competição entre os subsistemas (VICTORA et al., 2011; MENDES, 2012).

Percebe-se então que Estado e setor privado são, mesmo com composição variada, em função da adoção desta ou daquela política de saúde, inseparáveis na constituição do sistema de saúde brasileiro, destacando a participação governamental nesta configuração denominada “mix público-privado” (CECÍLIO et al., 2005). Esta interface, apesar de ter se consolidado no tempo, permanece como importante fonte de conflitos e contradições, sendo que interessa examinar o conjunto de estabelecimentos, equipamentos e profissionais que compõem a oferta de serviços para a população de modo a identificar os diversos arranjos que se estabelecem. Mas, principalmente, é preciso reconhecer a sua interdependência e a importância do mapeamento de sua configuração atual para que seja possível propor melhores rumos (CORDEIRO et al., 2010).

Em resumo, restam importantes lacunas para a reflexão sobre a interface SUS-planos privados de saúde, e as complexas dimensões do mix público-privado da saúde no Brasil estão ainda por serem adequadamente enfrentadas, sendo que o cenário aponta para a necessidade de construção de um processo regulatório que possa fazer prevalecer o interesse público na garantia dos princípios constitutivos do sistema de saúde. No sentido da efetivação do direito à saúde, significa estabelecer imites ao processo de apropriação privada do espaço público na assistência à saúde de forma que o setor de planos privados privado se ativesse aos aspectos de fato suplementares a um sistema integral e efetivo (BAHIA, 2001; CORDEIRO et al., 2010; VICTORA et al., 2011; SESTELO; SOUZA; BAHIA, 2013).

4.3 A MACRORREGULAÇÃO E A MICRORREGULAÇÃO NA